A inovação sempre foi um dos motores centrais do crescimento económico e da competitividade empresarial. É frequentemente associada a ganhos de produtividade, redução de custos e criação de novos mercados

Joseph Schumpeter, considerado ainda hoje como patrono das leituras contemporâneas sobre inovação e economia, destacou com a sua ideia de destruição criativa como novas tecnologias substituem as antigas, impulsionando o crescimento a longo prazo. Schumpeter viu o empreendedor como a figura central desse processo, um agente movido pela busca de lucro que assume riscos e investe em novas ideias, promovendo a renovação contínua do tecido económico. 

Essa perspetiva ainda hoje molda a forma como entendemos o impacto da inovação na economia. Atualmente, a inteligência artificial (IA) exemplifica essa dinâmica: está a transformar setores inteiros, desde a saúde até às finanças, criando novas oportunidades e redefinindo os modelos de negócio. A inovação é, portanto, um elemento essencial para a prosperidade económica e para a capacidade de adaptação das sociedades a novas realidades.

Contudo, face ao entusiasmo generalizado sobre os benefícios da inovação, tendemos quase sempre a esquecer os seus chamados lados negros. Por exemplo, as plataformas digitais – através das quais encomendamos a nossa refeição ou marcamos as nossas férias – trouxeram ganhos de eficiência e bem estar, mas também precarização do trabalho. A automação pode impulsionar a produtividade, mas também eliminar para sempre milhões de empregos – como tem salientado o mais recente laureado nobel da Economia, Daron Acemoglu. 

A eletrificação da mobilidade está associada à extração de materiais com forte impacto ambiental e a novas tensões geopolíticas. A rápida inovação financeira, que gerou produtos complexos e novos mercados, esteve na raiz da crise de 2008. Até mesmo a IA, que promete avanços espetaculares, levanta preocupações éticas, de entorpecimento criativo e de perda de controlo sobre decisões críticas. Assim, embora a inovação seja indiscutivelmente um motor de progresso, é também uma força de disrupção com impactos sociais e económicos imprevisíveis.

“embora a inovação seja indiscutivelmente um motor de progresso, é também uma força de disrupção”

Nos dias de hoje, cresce o argumento de que a inovação deve ser orientada para a resolução de desafios societais, como o evitar do desastre climático. A economista Marianna Mazzucato, entre outros, defende que o Estado deve desempenhar um papel ativo na definição e financiamento de missões estratégicas, inspirando-se no programa Apollo, que levou o homem à Lua. A ideia central é que a inovação não deve ser apenas reativa ao mercado, mas sim moldada para objetivos coletivos. 

Hoje, vemos missões semelhantes na União Europeia, como o Pacto Ecológico Europeu, que tenta direcionar a inovação para objetivos mais amplos de sustentabilidade. No entanto, ao contrário da chamada “corrida espacial” do século passado, estas missões enfrentam um ambiente mais complexo e contestado, onde diferentes interesses entram em conflito sobre prioridades e alocação de recursos.

Como, então, dar direção à inovação sem sufocar a sua espontaneidade? Ao contrário da missão lunar, que tinha um objetivo técnico claro e uma ampla aceitação política, as missões atuais são normativas, envolvem múltiplos atores e podem gerar perdedores em setores estabelecidos. A transição energética as as inovações associadas, por exemplo, exigem em simultâneo o abandono progressivo de combustíveis fósseis – pensemos, por exemplo, no fecho de refinarias –, com impactos socioeconómicos relevantes. 

Além disso, definir o que é uma inovação “desejável” implica escolhas políticas e ideológicas, tornando o processo de direcionamento muito mais complexo do que o que tradicionalmente resulta de um avanço tecnológico ou de um estímulo de mercado. Ao mesmo tempo, os empreendedores e empresas continuam a desempenhar um papel vital, pois a busca de lucro é sem dúvida um dos principais motores da inovação. Assim, o desafio parece passar por encontrar sinergias entre a livre iniciativa e a necessidade de moldar inovação em prol de objetivos societais.

Pode-se argumentar, na generalidade, que o Estado tem um papel central na definição dessa direcionalidade, utilizando políticas públicas para moldar – ou mesmo criar – mercados e incentivar inovações alinhadas com objetivos societais. Instrumentos como subsídios, compras públicas estratégicas de inovação e regulação podem estimular desenvolvimento tecnológico em áreas críticas. 

No entanto, para que essa abordagem seja eficaz, é fundamental que o Estado atue não apenas como financiador, mas também como um agente estratégico, com capacidade prospetiva, que articule esforços entre o setor privado, universidades e sociedade civil. A inovação orientada para missões exige, portanto, uma visão de longo prazo, capacidade de experimentação e flexibilidade para adaptar políticas conforme novos desafios e oportunidades emergem. Mas isso não significa excluir o mercado e o papel do empreendedor. Em vez disso, implica criar incentivos e condições para que as forças do mercado e os objetivos societais avancem na mesma direção.

“o verdadeiro desafio à sociedade não é rejeitar a inovação nem venerá-la cegamente”

Face a isto, como podemos então encarar a inovação no mundo atual? Em vez de abraçar ingenuamente a ideia de que toda a inovação é benéfica, creio que devemos perguntar-nos: inovação para quê e para quem? Para além de objetivos mais imediatistas, a inovação não é um fim em si mesma, mas um instrumento que pode ser usado para moldar o futuro de formas muito distintas. Assim, o verdadeiro desafio à sociedade não é rejeitar a inovação nem venerá-la cegamente, mas sim participar ativamente na sua orientação sem “atirar o bebé com a água do banho”, garantindo que mercado e missão possam coexistir de forma produtiva.