Portugal acabou por se esquecer de 31600 quilómetros quadrados do seu território continental, perdido, certamente, no meio do montado, das explorações de olival intensivo e dos campos de seara. 

O Alentejo tem um legado histórico que demarca toda a história do país.  Marcado pela presença Romana com estradas, pontes e até templos, como o Templo Diana, em Évora. Em alguns pontos arquitetónicos destaca-se a influência árabe, como a igreja matriz de Mértola, dos tempos dos mouros e, após a luta incessante contra estes, vestígios de muralhas e castelos que protegeram os tão nobres portugueses e o seu país. Já na história mais recente da nação, foi o Alentejo o celeiro da nação, ao suor e cansaço incessante de um povo se alimentou o país, até que estes se levantaram do chão, como narrou Saramago, e tiveram o seu tão importante papel na revolução de 25 de abril de 1974.

Mas não só de passados se faz o Alentejo, a sua relevância nos dias de hoje é inegável. A herança cultural do Alentejo, demarcada em grande parte pelo cante, Património Imaterial da Humanidade, que nas suas tão calmas e inebriantes melodias fala até aos dias de hoje a tantos, com vozes tanto antigas e com rugas, como novas e viajadas como António Zambujo e Buba Espinho. Também artes como a olaria e até a produção de chocalhos, ambas reconhecidas pela UNESCO, encontram no Alentejo a sua casa onde ainda se mantêm antigas tradições que unem este povo.

A nível económico, a região também vigora em diferentes aspetos. Com base em dados de 2019 do INE, 52% do efetivo da produção de ovinos era alentejana, sendo a região mais importante neste setor a nível nacional. Mesmo face aos grandes competidores no mercado mundial da lã, empresas como a ACOS – Associação de Agricultores do Sul tentam agrupar a produção para tentar equiparar os preços do mercado. Outro grande exemplo da importância do Alentejo para a economia nacional é a barragem do Alqueva, a maior reserva de água estratégica da Europa, com “uma capacidade total de 4150 milhões de metros cúbicos” segundo a própria EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva) a quem compete a gestão do empreendimento do projeto. Atualmente o Sistema Global do Alqueva tem em exploração 130000 hectares de regadio fornecendo aproximadamente, em 2023, 407 milhões de metros cúbicos de água para rega. 

Estariam, portanto, todos estes fatores reunidos para que o Alentejo fosse uma das regiões mais influentes de Portugal, mas a sua força de leviatã territorial, e não só, é moderada por carências estruturais que o impedem de transcender a sua característica de “paisagem”. Já desde as décadas de 60 e 70 que o Alentejo é uma das áreas mais afetadas pelo emergente êxodo rural. A busca por uma vida melhor e trabalho levaram, e ainda levam, tantos jovens a abandonar a região dominada pelo trabalho agrícola que, por crescente mecanização, reduz o seu número de trabalhadores e se considera, nos seus diversos aspetos, incerta. O consequente envelhecimento da população e reduzida densidade populacional são dois dos exemplos de fatores que levaram ao “esquecimento” desta região cada vez mais fantasmagórica, mas que revela tanto potencial.

Embora o alentejano seja, por norma, descrito caricatamente como Homem de calma e até alguma apatia na resolução de problemas, não somos nós que resistimos a esta mudança. O peso eleitoral do Alentejo representa 11% dos deputados a eleger, com regiões como Beja e Évora a elegerem, cada um, apenas 3 deputados, comparativamente com Lisboa e Porto, que elegem 48 e 40 deputados, respetivamente. Claro que este fenómeno não é exclusivamente verificado nos distritos alentejanos, sendo o número de deputados eleitos proporcional ao número de eleitores, logo, regiões que sofram dos mesmos problemas populacionais que o Alentejo encontram-se na mesma posição eleitoral. Verdade seja dita que Lisboa não tem vista direta para as planícies alentejanas, especialmente se estivermos na Sala das Sessões da Assembleia da República, mas esta carência de força parlamentar leva a que a Bancada do Governo feche ainda mais os olhos (quem sabe embalados pelos tons do Cante) ao meu Alentejo, leva ao esquecimento de quem lá vive e quer viver.

Muitos são os perigos da cegueira dos governos, não ver para onde caminham e, inevitavelmente, tropeçando em promessas incumpridas e medidas redundantes. Podem, por exemplo, os governos andar a tatear o território que não esqueceram em busca de local predileto para um novo aeroporto, de maneira a agilizar o tráfego aéreo, e trazer mais turismo a Portugal. Enquanto que, no meio da neblina que levou reis antigos, fica escondido (e esquecido) um aeroporto na cidade de Beja. Atualmente, tem as suas importantes funcionalidades, como estacionamento e manutenção de aeronaves, mas o maior facto que condiciona a sua operação de voos comerciais é, sem dúvida, os seus acessos. Perdeu-se então um aeroporto porque não há maneira de lá chegar, mesmo quando há promessas de eletrificação da linha de Beja e dinamização do acesso ao distrito que aqui fica, a descansar debaixo do chaparro buscando uma gotinha de água para molhar a garganta.

Há um apelo consensual entre os alentejanos, “Não se esqueçam de nós”, não deixemos no meio dos campos doirados de trigo este povo que lutou pela sua voz, não deixemos esta cultura que da terra nasce ser só puro entretenimento quando à alma convém os tons do Alentejo, não deixemos passar as oportunidades que esta região traz, não deixemos os jovens que tanto amam a sua terra ver-se obrigados a abandoná-la para uma vida melhor, não esqueçamos a minha terra e tantas outras que sofrem destes mesmos problemas. Porque mesmo nos cantos mais recônditos de Portugal, em casas de branco cal à beira estrada plantadas, existem portugueses que merecem ser vistos, merecem o melhor e o reconhecimento de toda a sua história, não merecem ser ponto de passagem, mas sim o motivo da viagem. Na terra que me traz tanto orgulho sempre ouvi “Minha terra é Beja, não posso negar. Todos me conhecem, pelo meu cantar”, hoje espero que Portugal ouça Beja e o Alentejo cantar e abra os olhos.