Conduzida por Gil Flores, José Pedro Sousa, Rui Maciel e Rui Pedro Ribeiro
Também incluída no FEPIANO 23, publicado em Abril de 2016
O vosso novo álbum versa sobre a transição da juventude, altura em que somos eternos, para a idade adulta, onde nos apercebemos que os dias estão contados. Neste contexto, como é que conseguem cantar com tanta leviandade, tanto a nível lírico como sinfónico, a morte?
Essa música é curiosa, fala muito da morte e na verdade, a letra já existia antes antes sequer de haver o nome do disco “Dias Contados”. As pessoas estão a fazer uma grande ligação com o nome do disco, mas foi um feliz acaso. Foi um colega e amigo nosso que trabalha connosco. Estávamos a discutir ideias abertamente sobre o nome do disco e passámos por vários que odiamos e a certa altura atirou para o ar “os dias contados”. E nós é que tivemos a ideia de tornar aquilo numa frase. Só depois de olharmos para as letras todas que o Tomás escreveu. Só porque fez sentido, não foi por outra razão. As pessoas têm feito uma grande ligação, acham que nós vamos acabar ou assim. Nós no fundo já tínhamos os dias contados assim que começámos. E nessa música, outra fase que ligo mais com o que disseste, não o morrer, mas o sair das saias da mãe, essa faço uma ligação mais forte. Especialmente porque essa é mesmo literal e muito séria, porque estamos todos a tentar sair de casa dos pais. E então essa fase aplica-se muito à nossa vida real. E não é fácil esta fase de transição. Eu acho é que isso é um bocado o espelho daquilo que nós fazemos. Apesar de haver todas essas temáticas, seja de morte, seja de sair, seja de viver, que no fundo é um bocado o que essa frase quer dizer, a música sai-nos um bocado naturalmente. E depois acabamos por querer dizer alguma coisa com ela. E para mais o Tomás a escrever as letras, portanto nós não vamos: “Ah estamos a falar da morte, bora pôr aqui uma coisa sombria”. Foi mais ou menos o contrário, como tem sido até agora, e foi mais um acaso, não foi nada pensado, nós compomos a música antes de fazer as letras e a voz até. Nós fazemos sempre o instrumental primeiro. E este álbum naturalmente começou-nos a sair assim, quando nós começamos a compor as primeiras versões. Começou a sair assim mais leve, mais airoso, antes sequer de termos as letras já estávamos a pensar fazer alguma composição para sopros e cordas e foi mais ou menos se calhar uma coisa com outra. E às vezes mesmo as melodias de voz não são muito leves, são mais graves. O Tomás nunca cantou num registo tão grave e falarmos sobre esses temas todos não teve grande influência no instrumental que fizemos.
Vocês acham que a nível do processo artístico, as vossas vivências são indissociáveis de toda a vossa criação?
Claro! Claro! É difícil de separar até! Não dá para separar uma coisa da outra. Claro que nas letras isso é uma coisa que se nota mais. Inevitavelmente, o Tomás escreve sobre temas que estão a acontecer neste momento, e como acabamos por estar sempre juntos, somos todos da mesma idade, ainda que seja uma coisa pessoal do Tomás, acaba por ser uma coisa um bocado de todos.
As letras é sempre o Tomás que as escreve. E no processo de composição, costumam intervir todos?
Sim, compomos sempre todos juntos. Às vezes alguém vem com uma ideia para a mesa, outra vezes sai do nada, mas trabalhamos sempre os cinco todos juntos.
Não sentem nenhum tema no próprio instrumental então?
Não, não. Talvez o Tomás sinta de certa forma no seu subconsciente. Nós gravamos primeiro as nossas maquetes antes de fazer versão de estúdio. E o Tomás leva para casa, damos-lhe o seu espaço e o Tomás trabalha sozinho a letra e a voz. E depois ele traz de volta para nós, para lhe darmos a nossa opinião sobre melodias de voz, as partes da letra que encaixam bem ou pior, mas no fundo o esqueleto da letra e o sumo todo é ele tudo que trata disso. Quando estamos a compor mesmo, essa coisa de estarmos os cinco a trabalhar juntos, não estamos sequer a pensar na letra. Nem na temática. Nem em nada. Estamos focados 100% na sonoridade, no arranjo, na canção e na maneira de conseguir fazer aquilo soar da melhor maneira possível. E quando o Tomás traz a voz trabalhamos em conjunto as melodias. Nós deixamos a parte das letras para o Tomás e depois o encaixe dela na música trabalhamos todos juntos.
O que é que vocês sentem da cultura musical portuguesa neste momento, face ao passado e face ao que existe lá fora?
Está num momento bastante prolífico e isso é ótimo. Há muita coisa a aparecer, vivemos um bocado, recebemos mal, há pouco dinheiro e isso é um bocado triste. Não é só connosco, são muitas outras bandas e músicos. Existe muita criatividade e músicos e a fazer coisas, mas continua a ser difícil. Por outro lado, a mesma escassez de recurso leva a que apareçam coisas que não apareceriam noutra situação.
Que voz é que vocês acham que podem ter nisso?
Nós os cinco, não nos cabe a nós ter muita voz nisso, cabe-nos fazer música, somos pouco políticos. Isto ainda é uma coisa mais complexa que política, uma coisa sociológica porque depende daquilo que as pessoas querem, se gastam o dinheiro delas. Mas não há dinheiro para cultura.
Acham que se devia fazer mais por isso?
Claro, acho que sim. Devemos fazer sempre mais, agora fazer o que, nós não mandamos em nada. Claro que vamos dizer para apoiar a cultura. Mas também é preciso pensar como se vai aplicar o dinheiro público. Não pode ser “gastem para aí dinheiro e logo se vê”, tem que haver um planeamento. É uma questão complicada. O nosso forte é a fazer música. Temos muitos ideias e muitos sonhos.
Quais?
Tocar todas as semanas e fazer disto a nossa vida. Pagar uma renda, ter um cão.
Mas mesmo vocês esgotando Lisboa enchendo o Porto, com todas estas receitas e sucesso não conseguem ser autosustentáveis?
Falando dessa coisa que nós podíamos fazer, não sei, mas o facto é que Portugal e um mercado pequenino, e eu julgo que se nós tivéssemos a dimensão que temos agora em Portugal, que eu julgo ter, seriamos completamente sustentáveis. Por exemplo, no mercado dos EUA uma banda que consiga esgotar uma sala da relevância que o lux tem na capital, andaria a tocar dois meses seguidos nos estados unidos. Facilmente viver-se-ia disso. Se calhar há bandas que ouvimos e ouvem que tem um menor mercado em proporção do que nos e conseguem fazer disso a vida deles. Porque há mais pessoas, mais dinheiro.
Mantendo esse pensamento em linha, nunca pensaram em exportar, cantar em inglês?
Exportar não tem a ver com cantar em inglês. Nós fazemos a musica mais fiel a nós. Cantar em inglês não e sinónimo de exportar. Nós devemos fazer a coisa mais nossa e natural possível. Por acaso acho que se cantássemos em inglês, a música iria ser pior. Não ia ser verdadeira. Se reparares, existe uma banda portuguesa que canta em inglês, os Moonspell, que tem sucesso lá fora. Quer dizer bandas inglesas a cantar inglês há muitas.
Vocês na vossa música tentam fazer arte, arte intrinsecamente? Ou seja, algo que seja eterno?
Eu acho que é fazemos uma coisa que nos é natural e que começou por diversão. A certa altura se gostamos daquilo que criamos juntos, para mim arte é uma coisa que se cria quase do nada, ou seja, uma coisa que surge de onde antes estava vazio. Ou seja, nós gravarmos ondas sonoras e depois alguém ouvir e sentir alguma coisa, a partir do momento em que isso acontece passa a ser arte. Nós não dizemos “olha, bora ali fazer arte”. Eu não me considero um artista.
Eu acho que nós gostamos sempre de fazer as coisas com cuidado e com brio. 12 E coisas bem feitas. E arte é isso. Eu não gosto de dizer que sou artista. Mas no fundo sinto que aquilo que faço é arte, porque nós não o fazemos com um propósito comercial, fazemo-lo porque nos sabe bem. Eu não concordo muito com isso porque há coisas feitas com propósitos comerciais e que são arte. Mas nós fazemos porque gostamos e porque queremos fazer e acho que isso é suficiente para lhe chamar algum tipo de arte.
Então vocês têm uma perspetiva da música muito mais hedonística, isto é o gosto que as pessoas têm a ouvir o bem-estar? É para vocês, é para quem ouve?
Eu acho que é maioritariamente para nós. A principal razão pela qual fazemos as coisas é para nós que estamos à mão. Nós não vamos dizer tipo “chama-me cá uma rapariga dos 25 aos 30 e vamos analisar o que gosta”. Queremos mesmo que toda a gente goste. Mas no fundo fazemos para nós. Nunca influencia a música que nós fazemos se os outros vão gostar disto… Toda a gente que faz música ou pinta ou tira fotografias faz esse trabalho para ele mas tem sempre a preocupação de “estou a fazer isto para mim, mas se ninguém gostar”. Nós temos uma editora que nos dá a liberdade que sempre quisemos. Vocês têm a Cuca Monga, se não me engano? Nós temos a Sony e depois temos uma editora que se chama Cuca Monga que agora aplicamos também a Capitão Fausto. É basicamente para chamar uma família, uma equipa, o que seja.
E em relação aos vossos pais? Como é que foi acabar a faculdade e decidir “vamos levar isto a tempo inteiro”?
Nós já tínhamos decidido antes de acabarmos a faculdade, nós já tocamos desde os 14 anos e foi uma coisa em crescimento. Enquanto fomos crescendo como músicos eles também foram percebendo as coisas que estávamos a fazer a habituando-se ao nosso estilo de vida. E acho que principalmente perceberam que não é uma coisa tipo “eh pá, não me apetece estudar, vou mas é fazer aquilo”, foi uma coisa para além do estudar. Tiramos todos curso e tudo, perceberam que era uma coisa que dava trabalho. E depois começaram a ver frutos do nosso trabalho. Eles sempre me tentaram dizer para acabar o curso, para ter segurança, e ainda bem…
E não ponderaram não o fazer?
Eles sempre nos apoiaram. E nesse aspeto temos muita sorte nisso. E nós próprios fomos estudar os cursos que queríamos, porque nós gostamos realmente deles, aliás os cursos que nós estudamos não são propriamente cursos que estão com muito sucesso na…
Que cursos tiraram?
O Tomás e o Salvador tiraram arquitetura, eu [Francisco] tirei design, o Manel ciências musicais e o Domingos ciência política. Ou seja, não são cursos que estejam na berra.
Numa entrevista ao Público disseram que de certa maneira eram rapazes burgueses. Vocês só acham que seria possível fazerem música, mesmo neste panorama social em que vocês ainda têm algumas garantias…
Não digo não ser possível, mas fomos facilitados. Era mais difícil. Nós nunca tivemos que trabalhar, nós antes não fazíamos muito dinheiro com isto. Agora já começamos a fazer. Mas sempre tivemos a sorte de viver em casa dos nossos pais. Tivemos a sorte de nos darmos ao luxo dos nossos pais não nos expulsarem de casa e de não sermos um encargo para eles. E tivemos que considerar bem isto tudo. Nunca tivemos que trabalhar para pagar os nossos estudos, pudemos sempre estar a tocar e a estudar, e isso é uma sorte que muita gente não tem. Agora, muita gente consegue trabalhar, tocar e estudar. E nós conhecemos imensas pessoas que tiveram nessa situação, é incrível. Com bolsas a pagar a faculdade e são músicos na mesma.
Em Lisboa existe um grande movimento musical?
Bem, sim, e por acaso neste último ano sinto mais isso. Muitas promotoras… E acho que isso também é um bocado aquela coisa de “dinheiro? Não há”, mas ainda bem que estas coisas acontecem.
Então vocês acham que neste momento pode haver um movimento igual àquele que houve no início dos anos 80, em Portugal, não exatamente nos mesmos moldes, mas um momento de mais bandas?
É diferente, porque nessa altura havia dinheiro na música, havia dinheiro na indústria, e hoje em dia não há, portanto as coisas são sempre diferentes. Mas, não sei, mas para nós é difícil, estamos tão presentes. Daqui a 5 anos podemos olhar para trás e ver. O que vejo é que estão a aparecer imensas coisas.
E porque é que antes havia muita coisa e agora já não? Tem a ver com os CDS, agora o pessoal arranja música de graça?
Sim, mudou muito. No outro dia fui ver a lista dos discos necessários para atingir disco de prata, que já não existe, disco de ouro, disco platina e disco diamante. E foi sempre diminuindo, diminuindo, diminuindo… Tanto que hoje em dia já não existe disco de prata… Hoje, vendes 500 discos numa semana e és o Top Nacional.
Já agora, podem mais ou menos falar das margens, dos valores? Um disco diamante quanto era…?
Eu já não sei, sei que agora um de ouro é 7500. Que é muito pouco… Assim que apareceu o disco platina em Portugal era preciso meio milhão de discos.
Meio milhão?
600 mil. E chegou a haver. Nos anos 80 era meio milhão. Hoje em dia são 50 000… Foi uma queda mesmo a pique. Antigamente havia mais dinheiro, as bandas tinham mais dinheiro, as câmaras eram muito mais ricas… A quantidade de festas e festarolas feitas pelas câmaras e ao longo dos tempos, ao longo dos últimos 15-20 anos! As câmaras foram perdendo imensa autonomia orçamental…
Então acham que na nova economia os artistas têm que se posicionar de uma maneira diferente? E onde está o grande valor acrescentado?
Claro. Tanto na música como noutros ramos. Hoje em dia, o valor está nos concertos e direitos de autor. Antigamente, querias ouvir uma música, tinhas que comprar o CD. Ou então na rádio. Hoje em dia tu pões a música num disco e eles ouvem no Spotify. E se gostarem de ti, a probabilidade de ter irem ver ao vivo quando souberem que há um concerto, é maior. Concertos é um investimento que tu fazes, sabendo que vais perder dinheiro, para gerar dinheiro de volta.