O papel do homem na sociedade tem-se tornado cada vez mais ambíguo. Vender um propósito aos jovens rapazes torna-se extremamente lucrativo. A musculação e toda a cultura à sua volta têm-se tornado, não só um escape, mas também um estilo de vida.

Apresento-me desde já como frequentador de ginásios. A ideia para este artigo resulta, um pouco, das conversas que fui ouvindo ou tendo a esse propósito.

Culturalmente, o género masculino sempre foi educado a afastar-se do seu lado emocional, algo que, possivelmente, tem-se tornado no maior entrave a sentirmo-nos bem resolvidos numa sociedade moderna, cujos problemas, ou desafios, transcendem aqueles que são passíveis de resolução através da força física ou raciocínios à priori. Isto impulsionado por reels e por influencers, cria uma imagem estereotipada do modelo masculino.

Os vendedores de crenças das redes sociais compreenderam que existe um grande mercado a explorar para quem conseguir aliciar os jovens rapazes com uma imagem que potencie um maior sentido de pertença. Apresentam o mundo e os seus desafios como obstáculos superáveis por aqueles que são determinados e que acreditam em si e no seu potencial. Estes pressupostos criam uma expectativa, por vezes ilusória, que faz com que aqueles que não conseguem ser “bem-sucedidos”, de acordo com a esperança criada, se sintam profundamente frustrados e menorizados, pois o sucesso “apenas dependia deles”.

A necessidade de um corpo musculado tem sido a solução mais vezes apresentada pelos “bons samaritanos” com cursos para vender sobre quase tudo o que incomode. Estes apresentam todos os mecanismos para funcionar. Mantêm-nos ativos, com uma razoável e saudável sensação de bem-estar e com um propósito. No entanto, quando este propósito se alicerça no objetivo vago de curar todos os males e todas as inseguranças, mais do que ajudar a resolvê-los, ajuda a esquecê-los, dando a sensação efémera de que possa estar a funcionar.

Numa perspetiva pessoal, não tenho qualquer aversão à prática de ginásio como um hobby, muito pelo contrário. Um hobby é um distrator, um libertador de energias e potenciador de bem-estar. O problema resulta de apresentá-lo, não como uma forma de descomprimir, mas sim como a solução para problemas um pouco mais complexos. Prende-se em direcionar-nos e mantermo-nos numa ingenuidade superficial (por vezes até fútil) em vez de nos dedicarmos ao que nos pode mesmo fazer inteiros.

Estamos numa mudança de paradigma, que nos conduz a uma bifurcação, e este desafio não é exclusivamente masculino.  Podemos escolher o caminho da educação, da ponderação e do conhecimento, que nos vai levar a compreender melhor o mundo intrincado que nos rodeia. Ou, indo num sentido contrário, desmerecendo as nossas fragilidades em busca de termos a aparência de um “Ubermensch”, mas nunca de nos sentirmos como um.

“Os resultados da musculação não chegam tão rapidamente quanto alguém precisa de validação.”

A “criação de músculo” procurando, com ela, fazer crescer a autoconfiança, não irá dar resposta à sede de bem-estar do ser humano. Apesar de ser positivo passar menos tempo no plano introspetivo, até que ponto é que estas são as experiências físicas que melhorarão o nosso estado anímico e que tornarão o plano introspetivo mais agradável quando tivermos de, inevitavelmente, voltar para ele? Será que estas experiências nos irão melhorar enquanto pessoas, nomeadamente na forma como nos relacionamos com os outros? Ver um jovem inseguro a treinar o corpo até ter as suas emoções controladas, é um pouco como ver Sísifo a empurrar a pedra para o topo da montanha, com a agravante de que Sísifo pelo menos não tinha a expectativa de que a pedra não voltasse a cair.

Qual será a reação quando os resultados do treino chegarem mas, mesmo assim, continuarem a não estar felizes? Seria demasiado otimista acreditar que todos percebessem que talvez o seu corpo, para começar, nunca tivesse sido um problema. Muitos vão, na sua frustração, confundir a insatisfação geral com insatisfação em relação à sua imagem. Tentarão, depois, voltar para aquele que inicialmente foi o seu refúgio, as redes sociais, onde, a sua aparência será posta em xeque ainda mais do que pelo seu espelho. Isto até lhes aparecer outro conteúdos das redes sociais sobre como se melhorarem o seu corpo tudo mudará. Aí o ciclo recomeça.