Conduzida por José Mário Sousa
Também incluída no FEPIANO 32, publicado em Abril de 2018
Descrição:
Artur Santos Silva é um gestor e jurista português licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra. É o atual Presidente do Conselho Geral da Universidade do Porto, função que exerceu também na universidade onde se formou. Nasceu no Porto, a 22 de maio de 1941. Foi o Diretor-Geral do Banco Português do Atlântico (1968- 1975), antes de integrar o VI Governo Provisório como Secretário de Estado do Tesouro (1975-1976) ao qual se seguiu o cargo de Vice-Governador do Banco de Portugal (1977-1978). Em 1981 fundou a Sociedade Portuguesa de Investimentos, que deu origem ao Banco Português de Investimento (BPI) no qual é Presidente Honorário. Foi distinguido em 2010 pela Universidade do Porto com o grau de doutor “honoris causa”. Foi também Presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian (2012-2017).
O que representa para si ser Presidente do Conselho Geral da Universidade do Porto?
O Porto é a minha cidade. Foi aqui que nasci e que desenvolvi os primeiros dezassete anos da minha vida. Tenho realmente raízes muito fortes na cidade. É aqui que tenho a maior parte dos meus grandes amigos, é aqui que estão os meus familiares, é aqui que estão as minhas raízes. Como não havia o curso de Direito no Porto, fui estudar para a Universidade de Coimbra. Depois fiquei assistente da Faculdade de Direito de Coimbra mas fui desafiado para trabalhar na estrutura diretiva do Banco Português do Atlântico. E isso era regressar à minha cidade, regressar ao Porto. Ao contrário de Coimbra, o Porto era a minha cidade, a cidade das minhas raízes, das minhas memórias, dos meus amigos de sempre, da minha família. E então decidi aceitar o desafio e isso ligou-me definitivamente à cidade sobretudo na minha fase mais madura.
E a principal instituição da cidade é a Universidade do Porto onde eu não estudei, não fiz a minha formação superior, e onde não fui docente. Eu estive ligado quer à comissão que preparou os estatutos da Universidade de Coimbra quer depois ao primeiro Conselho Geral [da Universidade de Coimbra] no qual fui Presidente e foi uma experiência que considerei muito positiva. E quando fui desafiado para estas funções já tinha participado no Conselho Geral da Fundação Gomes Teixeira, no Senado da Universidade do Porto e também no Conselho Consultivo da Faculdade de Economia do Porto. Era também uma universidade que eu conhecia pelo contributo que deu para os quadros mais jovens da instituição a que a minha vida mais está ligada, que é o BPI (Banco Português de Investimento).
E portanto o convite que me fizeram para integrar o Conselho Geral foi para mim uma honra, tendo a possibilidade de contribuir para que a Universidade do Porto continue no seu caminho de grande afirmação na sociedade portuguesa e no Portugal moderno para o qual todos queremos contribuir. Um país mais igual, com recursos humanos mais qualificados, onde a investigação abra novos caminhos, capacidade de gerar conhecimento, translação desse conhecimento e transformação desse conhecimento em valor económico e inovação.
E a Universidade do Porto abraça indiscutivelmente esta missão pela qualidade do seu ensino, pela qualidade da sua investigação, e pela capacidade para transferir conhecimento para a sociedade. Ter a oportunidade de contribuir para que a universidade continue no seu caminho de sucesso é por isso uma honra. É uma responsabilidade com certeza que sim, mas estes primeiros tempos são, para mim, muito positivos, e portanto considero que é uma experiência de valorização pessoal e de melhor conhecimento do potencial do país e das múltiplas potencialidades da Universidade do Porto e do que pode fazer para que o país seja um país que nos orgulhemos mais.
Disse numa entrevista recente que “a reestruturação dos saberes na universidade tem de estar na agenda”. Julga que tal debate, se ocorrer, poderá levar à reflexão da universidade como a conhecemos?
Eu acho que será ainda mais forte se nós soubermos arrumar os saberes melhor e sobretudo ter uma atitude muito mais colaborativa entre as unidades da universidade. Assim vamos ter uma universidade muito mais forte. Isto são considerações básicas. Eu entendo um arrume dos saberes, uma restruturação dos saberes. Nós temos nos Estatutos a figura do agrupamento, portanto nós podemos manter as unidades tal como elas estão, mas trabalhar como um corpo mais uno, como um corpo mais próximo. Acho também muito positivo isto da UNorte.pt. O nosso sistema de ensino superior também tem de trabalhar de uma maneira semelhante, mais colaborativa, especializando a oferta. Até porque para atrair cada vez mais e mais estudantes estrangeiros temos de ser cada vez melhores em determinados domínios.
Devemos ter áreas onde somos o melhor a nível do país e dos melhores da Europa. E na UNorte devemos colaborar para que haja uma certa especialização. Isso não quer dizer que a oferta da Universidade do Porto não continue a ser uma oferta universal, mas deverá ser muito forte e muito boa em determinados domínios, porque quer mobilizar os melhores talentos que queiram formar-se quer do nosso país quer do exterior. Portanto isso levará a uma colaboração maior e a um desenho de especialização.
E a UNorte pode ser um bom caminho, que eu penso que não devia ser assumido não só entre instituições universitárias, mas de todo o ensino superior. E não deixar de juntar Aveiro a isto. Porque é uma cidade que está evidentemente puxada para o sul, para o centro, mas acho que tem uma envolvente económica e social de grande semelhança com o território da UNorte. Mas há neste sistema de ensino superior muitas unidades de ensino politécnico que exigem e recomendam que todo este conjunto trabalhe numa base muito mais colaborativa e à procura de um papel diferenciador em cada uma delas para que tenham mais sucesso na atração formativa e de investigação.
Considera que o principal foco da Universidade do Porto deverá ser a região, o país, ou a internacionalização?
Eu acho que é tudo. Quer dizer, eu acho que para modernizar o país, o papel da universidade é muito importante. Portanto, eu não penso na região, penso sobretudo no país, na Europa, e no mundo. Hoje no mundo globalizado nós temos que procurar ser muito bons à escala global. Mas indo por fases. Acho que uma coisa é o contributo que podemos dar para que a região seja uma região mais equilibrada, e a região norte infelizmente é muito dual, porque uma coisa é o litoral e outra coisa é o interior. E portanto acho que temos de fazer tudo para aproximar o interior do litoral, isto é, para que os indicadores económicos, sociais e culturais sejam mais próximos.
Em segundo lugar, acho que devemos fazer para que todo país beneficie do que podermos fazer pela região, pela nossa casa natural, e sobretudo pela afirmação no mundo. Eu uso muitas vezes esta comparação: o nosso período de ouro foi o das Descobertas porque tivemos uma geração de conhecimento. Nada se fez por acaso. Tudo foi planeado. Tudo foi estudado, antes de arrancarmos. Depois de arrancarmos, a difusão da informação. Toda a informação recolhida em cada viagem era imediatamente tratada e incorporada na viagem seguinte. E, portanto, conhecimento e geração de conhecimento, dois atributos fundamentais, e depois utilização da informação obtida rapidamente e tornando mais fácil e mais eficaz o caminho das viagens seguintes. Para mim a Escola de Sagres simboliza o que é hoje a universidade como centro de investigação e radiador de inovação. Esta relação entre o conhecimento e a economia no concreto é muito importante.
Vemos o que a Universidade do Porto tem feito, ou o que a UMinho tem feito na captação de investimento estrangeiro que mobilize recursos humanos qualificados ou capacidade de investigação ou translação muito forte, como é o caso destas duas universidades. Mesmo a universidade da UNorte que está numa região menos desenvolvida, como é o caso da UTAD fez uma revolução no setor primário da região. Também a Universidade do Porto também teve um importante papel no calçado. Refiro aqui dois casos em que a universidade teve um papel fundamental, que é o de ajudar os setores a prepararem-se para este mundo global ou a descobrirem uma maneira muito mais valorizante de vender os seus bens, como fizeram estes dois setores.
O que distingue a UPorto das restantes? Por que obtém resultados tão grandiosos?
Eu acho que é muito importante a aproximação às empresas e parece-me que a Universidade do Porto tem conseguido bem isso. A capacidade de investigação é um fator diferenciador muito forte, em especial nas áreas das ciências da vida e das tecnologias, e a Universidade do Porto tem-se preparado muito bem e tem trabalhado muito bem esses dois grandes territórios de formação, e de investigação e de inovação e eu penso que é sobretudo isso. Evidentemente que têm um grande mérito as pessoas que têm dirigido a universidade, quer a nível central, quer ao nível das suas diferentes escolas, quer ao nível das unidades de investigação, que têm sempre os olhos postos não no país mas no mundo. Porque na investigação, e nomeadamente na área das ciências da vida e das tecnologias, nós estamos a ter que fazer do melhor a nível mundial para existirmos. Portanto eu acho que esses terrenos são muito importantes.
Nas ciências sociais ainda há não muito tempo os três lugares mais importantes que supunham utilização de pessoas com saber na área da Economia eram exercidos por licenciados da Faculdade de Economia, que era o caso do Governador do Banco de Portugal, o Doutor Carlos Costa, o Ministro das Finanças, o Doutor Teixeira dos Santos, e o Presidente da CMVM, o Doutor Carlos Tavares. Os três eram fruto da universidade como foi a universidade que gerou também, na minha opinião, um dos mais notáveis Ministros das Finanças da nossa democracia, o Doutor Miguel Cadilhe.
Nas humanidades também, mas nas humanidades temos de aproveitar muito melhor as competências que temos, porque se queremos estudar outros mercados, precisamos de conhecer a história desses mercados, a sua língua, a sua cultura, porque só percebendo os outros mercados bem é que temos condições para intervir melhor. E as humanidades aí também nos podem ajudar muito, em várias das suas valências. E a Faculdade de Letras também tem uma oferta muito positiva e uma atitude colaborativa muito boa com várias das nossas faculdades. E portanto o caminho é esse. É colaborar muito, colaborar mais, colaborar melhor entre as várias unidades. Porque nós temos uma oferta que cobre tudo. Até há bem pouco tempo eu não sabia que tínhamos agronomia. Nós temos uma oferta muito completa, não há nada que nos falte. E portanto é preciso aproveitar bem todos estes centros de gerar saber para que este potencial seja bem aproveitado pela sociedade.
A Universidade do Porto está já prestes a completar uma década em regime fundacional. Que balanço faz deste novo modelo de gestão?
Eu acho que é muito frustrante o que aconteceu. Este modelo deveria ter oferecido muito mais autonomia à universidade e muito mais estabilidade à gestão financeira da universidade. Porque se prevê capacidade sobretudo com o Estado de mobilizar fundos a médio prazo e de ter um quadro de referência que permita que o desenho de uma estratégia seja alicerçado nos apoios financeiros estáveis do Estado. Mas a crise que atingiu o mundo mais desenvolvido, atingiu em especial Portugal, e isso levou a que o Estado não respeitasse compromissos, não soubesse distinguir o trigo do joio, não tivesse definido melhor as suas prioridades, e o sistema de formação superior e investigação sofreu bastante com os cortes mas não foi o único setor, foram muitos os setores que sofreram.
O regime fundacional praticamente não veio provar todo o seu potencial porque uma série de pressupostos não foram preenchidos. Ou se quisermos dizer, uma série de compromissos por parte do Estado não foram cumpridos. E foram criadas dificuldades acrescidas, não apenas no plano financeiro, mas também no plano de autonomia de gestão. Porque eu acho que, como até alguns reitores têm dito, o que mais os perturba não são os cortes financeiros, mas sim os cortes na sua esfera de afirmação autónoma que está condicionada por um colete-de-forças que se está agora de novo a aliviar, mas que não está como deveria ser. Portanto eu acho que o modelo fundacional ainda não pode demonstrar plenamente todo o seu potencial porque muitas regras não estão a funcionar, não estão a ser cumpridas, e é isso que é preciso o quanto antes. Tem de ser uma grande prioridade. Foi uma grande conquista a mudança que houve no nosso país neste século. Eu acho que o grande sucesso está no ensino superior e no sistema de investigação.
Nenhum país da Europa teve a evolução em perto de vinte anos que o nosso país teve neste tempo. Isso pressupôs alguma estabilidade política e muito talento dos nossos investigadores e na maneira como os nossos investigadores mais antigos souberam valorizar e aproveitar os mais novos. E portanto o nosso sistema fundacional tem um grande potencial, que eu acho que se vai revelar no dia em que o Estado cumpra melhor o seu papel.
Considera que as universidades e respetivas comunidades académicas já compreendem o papel do Conselho Geral, que emana do RJIES (Regulamento Jurídico das Instituições de Ensino Superior) aprovado somente em 2007?
O Conselho Geral tem o papel mas a grande figura da universidade é a mesma, é o Reitor e a equipa reitoral. Portanto o papel do Conselho Geral, no nosso caso Conselho de Curadores – porque são dois órgãos que têm funções distintas mas que contribuem para o mesmo -, é mais de supervisão da gestão estratégica, ajudar na gestão estratégica da universidade, e o papel corporacional mais importante que tem é o de eleger o Reitor. Em tudo o mais é um órgão de aconselhamento e de supervisão. Mas também com o papel muitas vezes esvaziado, porque aquilo que nós aprovamos, de planos e processamentos, de planos operacionais, anuais, orçamentos anuais, planos estratégicos, processamentos plurianuais, exige diálogo e cumplicidade com o poder central.
Teremos em breve a eleição para os representantes dos estudantes no Conselho Geral. Como avalia a participação dos estudantes e sua importância na composição do Conselho Geral de qualquer universidade?
A minha experiência quer em Coimbra quer aqui é muitíssimo positiva. O que me impressionou mais foi sobretudo o facto de não procurarem defender interesses corporativos, no sentido mais genérico da palavra. Procuram, nas suas tomadas de posição, pensar na universidade e no que é melhor para a universidade. Evidentemente que em certas matérias são mais sensíveis do que noutras. Exatamente porque são eles a razão de ser da universidade, porque a primeira missão, a primeira, é uma missão mais formativa. E portanto surpreende-me, quer na minha experiência em Coimbra quer agora aqui, mas o que eu tenho sempre visto é os estudantes sempre com os olhos postos no que importa e no que é importante que seja feito para a universidade ser uma universidade melhor. Não são palavras de circunstância, estando eu falar para o Fepiano, são palavras sinceras. É o que eu tenho visto. Os estudantes estão representados do meu ponto de vista muito bem no Conselho Geral porque as pessoas que os representam têm um papel que eu posso avaliar de um modo muito positivo.
Não considera que a restante academia, nomeadamente os estudantes, vive um pouco afastada dos processos de decisão, seja no Conselho Geral seja em órgãos consultivos e de governo dentro das faculdades?
No resto das faculdades não sei como é. Mas no Conselho Geral têm uma representação bastante importante. Eu acho que em termos relativos até é superior a Coimbra porque em Coimbra eram 5 em 35 e cá acho que são 4 em 23. E o que eu vejo é que há interesse. As pessoas estudam os problemas que são discutidos no Conselho Geral e, sobretudo nas questões que estão ligadas ao processo de planificação e de acompanhamento, estudam bem os assuntos e fazem as suas intervenções de uma maneira muito fundamentada. Por aí não vejo que haja afastamento. Agora não conheço o que se passa noutros níveis. Ao nível deste órgão de topo, da Universidade do Porto, eu avalio de uma maneira muito positiva e o estado de espírito e a maturidade dos estudantes que foram eleitos para isto. Eles têm uma legitimidade muito clara porque foram eleitos para exercer estas funções.
Como vê os habituais resultados de afluência às urnas e elevada abstenção que normalmente ocorre nestes processos eleitorais a nível académico? O Conselho Geral prevê alguma ação para tentar elevar a participação da restante academia nestes processos de eleição dos seus representantes?
Eu acho que isso deve estar no nosso horizonte de preocupações. Como fazer para que a identidade que os estudantes têm ao nível das escolas passe para a universidade. Penso que tem que haver aí um reforço dos elementos identitários. O papel da cultura na unidade, o papel do desporto, por exemplo, são dois domínios que ajudam a ter uma camisola comum. No meu tempo, com uma universidade muito pequena – porque hoje nós temos mais de 400 mil alunos nas universidades portuguesas, no meu tempo eram menos de 30 mil – em Coimbra havia dois grupos de teatro de uma qualidade excecional, havia agrupamentos musicais de grande qualidade. Isso tem que ser reforçado porque é identitário.
O cinema, a fotografia, a música, o teatro – o teatro é muito importante do meu ponto de vista. E portanto acho que mais vida cultural ajudará a sentirmo-nos mais dentro da mesma universidade porque de facto nós tempos um “campus” muito partido. Geograficamente estamos muito espalhados. Vi com muita pena sair a universidade do centro da cidade, porque uma universidade numa zona histórica dá uma autossustentabilidade muito grande a essa zona. Hoje isso está menos visível, a requalificação que se fez trouxe muitos serviços à zona histórica do Porto. E portanto eu acho que os elementos e a identidade no caso da Universidade do Porto estão espalhados hoje por um território muito vasto.
É preciso arranjar denominadores comuns, mais conferências sobre questões do nosso tempo, mais iniciativas desse tipo, mais oportunidades para as pessoas fazerem teatro, e o teatro ajuda imenso nos dias de hoje em que a comunicação é fundamental, a capacidade de comunicar é fundamental. Portanto, uma preocupação que tem que haver é a de criar mais elementos de identidade. O desporto, a cultura e as questões do nosso tempo devem atrair- -nos a estar mais próximos da universidade. A relação com o meio envolvente também é muito importante. Embora haja muita gente que está na Universidade do Porto e que não é do Porto, eu acho que deve ser uma grande preocupação essa de reforçar os laços identitários