Conduzida por Catarina Ribeiro e Maciel Sacramento
Também incluída no FEPIANO 52, publicado em Outubro de 2024
Licenciou-se em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Desde muito novo que era bom aluno. Trabalhou numa rádio local e começou a carreira na Rádio Comercial em 1989. Em 1991, passa para a RTP, onde se tornou pivô de vários espaços informativos. Em 2000 transferiu-se para a SIC, onde esteve até 2001, no qual apresentou o Jornal da Noite ao fim de semana. Nesse mesmo ano regressou à RTP, tendo sido Subdiretor de Informação entre 2001 e 2006. Foi também Diretor-adjunto da RTPN entre 2008 e 2010.
Moderou vários programas de debate político, como: “Debate da Nação”, “Ordem do Dia”, “Termómetro Político” e “As Palavras e os Actos”.
Quanto ao futebol, já colaborou com a TSF Rádio Notícias, onde fez relatos de jogos de futebol. Já colaborou com o Canal 11. Bem como já apresentou o Trio d’Ataque. De vez em quando comenta futebol no programa Grande Área e comenta jogos da Liga dos Campeões. Além disso, já escreveu um livro intitulado: “Futebol a sério”.
Atualmente é diretor da RTP Porto. Apresenta o Jornal da Tarde da RTP1. Modera o debate semanal “É ou Não É?- O Grande Debate”. Modera também debates políticos em altura de eleições.
Colabora também com o ZeroZero e de vez em quando comenta futebol no programa Grande Área e jogos da Liga dos Campeões.
Porquê a sociologia? O que o levou a escolher esta área na faculdade?
O jornalismo na altura não existia em termos de universidade pública, só existia um curso privado, que veio a estar na origem do atual curso de jornalismo da FLUP, mas que no final dos anos 80 era um curso privado e que não garantia licenciatura, apenas bacharelato. Eu estava inclinado a fazer Direito que era o que via alguns jornalistas destacados fazerem como formação de base. Depois tive a oportunidade de entrar na Rádio Comercial. Estavam a recrutar colaboradores para o desporto, enviei alguns trabalhos que fazia na Rádio Paredes (a rádio da minha terra onde tudo começou) e quando me chamam para colaborar eu já não quis sair do Porto, porque não queria deixar a rádio. Como o curso de Direito era em Coimbra, procurei uma alternativa que me ajudasse a ter ferramentas que pudessem ser úteis ao jornalismo e a sociologia apareceu assim. Olhando para o currículo da sociologia concluí que me iria ajudar, que era muito diversificado de matérias – permitia-me continuar a aprender inglês, voltar à matemática, à estatística, história, além das diversas disciplinas propriamente sociológicas, da comunicação, da cultura, do trabalho e das empresas, etc.
Quais são, na sua ótica, os valores do jornalismo?
Os valores do jornalismo, no seu essencial, estão estudados e têm sido, felizmente, atualizados ao longo do tempo. Eu creio que acima de todos os outros estão dois. Um é o respeito pela verdade, naturalmente a verdade
quotidiana e não filosófica, mas a que está subjacente a cada notícia e sempre a uma noção de rigor na avaliação dos factos. Respeitar o que nos parece ser a verdade e, nesse sentido, ter a convicção, em cada momento, de que o que estamos a contar às pessoas corresponde rigorosamente a uma realidade em concreto. A segunda é o grande respeito pelas pessoas, tanto pelo público, ou públicos, a quem um jornalista deve a maior lealdade, como pelos protagonistas das notícias, porque cada vez mais devemos questionar sobre como os protagonistas são tratados e o impacto que uma notícia pode vir a ter na vida de alguém, para mais quando a internet tornou mais difícil o “esquecimento”, por ser verdadeiramente um poço sem fundo. É evidente que o jornalismo e o dever de informar, colidem muitas vezes com outros direitos, e não raras vezes é impossível não influenciar a vida e o futuro de algumas pessoas, mas tudo deve ser feito com ponderação e respeito pelas regras éticas da profissão.
O que lhe dá mais gosto na sua carreira? Ser pivô do telejornal, moderador ou comentador? O que lhe mais entusiasma nestes diferentes papeis?
Eu gosto de tudo o que vou fazendo, tenho alguma dificuldade em escolher. Há momentos em que estou mais realizado a fazer mais uma coisa do que outra. Jornais gosto sempre de apresentar, tenho feito menos porque a apresentação do programa semanal, o “É ou não é?” absorve muito do meu tempo, a que acresce o lugar de Direção (do Centro de Produção do Norte da RTP) que ocupo há dois anos. Hoje porventura é aquilo que me testa mais é moderar um debate porque considero que, do ponto de vista técnico, é um exercício particularmente difícil e mais exigente. Um jornal, mesmo com várias entrevistas ou onde seja preciso lançar vários diretos, é diferente de estar uma hora e meia ou mais, com cinco, seis, sete convidados, a ter que cruzar conversa sobre temas diferentes todas as semanas. Eu diria que o “É ou Não É?” me dá um gozo muito particular no momento em que o estou a fazer, mas que me provoca sempre alguma ansiedade anterior. O comentário de futebol, tenho feito principalmente em Mundiais e Europeus ao longo dos últimos anos, porque o tipo de análise que prefiro é o da essência do jogo, as questões técnico-tácticas, se torna um exercício mais valorizado e útil nesses momentos
em que a maioria dos espectadores se despe da clubite e está mais disposta a olhar para o jogo sem, à partida, já estar convencidos de que há bons e maus.
Existe ainda algum papel ou vertente do jornalismo que gostaria de explorar no futuro?
Sim, gostaria de ter feito mais reportagem no terreno e gostaria de poder fazer mais algumas, de fôlego, eventualmente entrando no documentário informativo, voltando ao gozo de “construir” histórias. Não fiz muita reportagem, mas alguns dos momentos que mais valorizo na minha carreira aconteceram no terreno. No futebol gostava de ter/participar de um grande programa, mas em que fosse possível mostrar e analisar imagens, acrescentando aos públicos conhecimento sobre o jogo, mas de uma forma ilustrada, mais atrativa. No entanto, hoje em dia a questão dos direitos torna difícil que uma casa como a RTP possa ter esse tipo de conteúdos com regularidade, até porque estão cada vez mais em canais específicos de futebol, como sabemos.
Como é o seu processo de preparação no trabalho? Que estudo prévio adquire? Com quanto tempo se prepara, por exemplo, para moderar um debate ou para fazer comentário?
Isso varia de tema para tema. Na última semana, fiz um programa sobre o regresso às aulas, no próximo será provavelmente sobre o Orçamento do Estado. Posso dizer que deverá demorar menos tempo a preparar a questão do Orçamento do Estado, que é uma questão eminentemente política e de grande atualidade, que todos os dias está a ser debatida. Além de que gosto particularmente de acompanhar a atualidade política. Já sobre a matéria educativa tive de ler mais, uma vez que não sou especialista em educação, para poder falar com pais, professores, sindicatos, governo, especialistas. É evidente que a relevância maior é a das respostas, mas acredito que quanto melhores as perguntas, melhores as respostas. E, nesse sentido, dá-me mais trabalho preparar. Há uma outra dimensão, que cansa ainda mais, que passa pela escolha dos temas, tentando que sejam os de maior interesse em cada semana. E a definição dos convidados, em que se busca sempre um equilíbrio, social ou ideológico, paridade de homens e mulheres, ter também gente mais jovem a participar, há uma série de preocupações que duram vários dias e consomem mais energia que apenas a minha preparação individual. Posso dizer que, a partir do momento que se fecha o tema e o painel dos convidados, 75% das minhas preocupações acabaram.
Como é que o Carlos Daniel lida com a exposição mediática no seu dia a dia? Recorda-se de algum momento inconveniente ou alguma situação que o tenha afetado psicológica ou emocionalmente?
Considero que é cada vez mais difícil lidar com a exposição mediática. É evidente que com o tempo nos habituamos a lidar com isso. Mas isto é a resposta óbvia. Por exemplo, quando comecei só havia a RTP e toda a gente via a RTP. Tratou-se de deixar de ser um anónimo que vai comprar um jornal ou vai à padaria e passar a ser identificado quase em todos os lados. Mas no contacto direto, pessoal, a esmagadora maioria das pessoas é afável. A situação mudou muito na última década, por via das redes sociais mas não apenas, e admito que convivo relativamente mal com o julgamento muitas vezes apressado e sobretudo injusto que se faz do nosso trabalho, para além de alguma crítica particularmente mal intencionada. Quando dizem que não gostam do que eu faço eu aceito, é normal que o nosso trabalho, que é público, seja alvo de crítica. Coisa diferente é quando se coloca em causa a nossa seriedade e a honestidade com que exercemos uma profissão que é a nossa vida.
Acredita que o papel do moderador, mais do que deixar falar e controlar o tempo, é confrontar com dados e ideias cada pessoa, num estilo mais agressivo?
Os debates não são todos iguais. Uma entrevista de um (entrevistador) para um (entrevistado) é uma realidade diferente de um debate com várias pessoas. Acredito que a agressividade deve estar mais no que se pergunta do que na forma como se pergunta. Nos debates eu não gosto apenas de ser o gestor de tempo. Imaginemos os debates que fiz aquando das últimas legislativas, parto sempre de um prisma de respeito idêntico sobre todos os candidatos, dos maiores partidos aos mais irrelevantes. Não digo que o consiga sempre, talvez ninguém consiga, mas garanto que as questões da equidistância e da imparcialidade estão sempre no topo das minhas preocupações nesses momentos. Eu procuro as melhores perguntas dentro de cada tema e para cada um dos candidatos, normalmente uma pergunta que obriga a que um candidato se exponha porque se trata de matéria não resolvida publicamente ou na qual há dúvidas sobre o pensamento da pessoa ou do partido. Os debates dos partidos sem representação parlamentar são debates ainda mais difíceis porque os protagonistas são pessoas que conhecemos pior e algumas com características singulares. Mas garanto que a minha intenção de abordagem é a mesma.
Acha que os canais deviam ter mais tempo para os debates em tempo de campanhas ou pré-campanhas eleitorais ?
Se nós aumentarmos muito o tempo de debate, vamos provavelmente reduzir o interesse e a atenção dos públicos, que devem ser os objetivos finais. A verdade é que os principais canais de televisão em Portugal (RTP, SIC e TVI) têm sido capazes de se entender de modo a ser possível que a esmagadora maioria dos candidatos vá várias vezes à televisão para haver confronto das diferentes ideias e isso deve ser muito valorizado como contributo para a democracia e a cidadania. Acresce que a capacidade das pessoas prestarem atenção a algo que está a dar na televisão é cada vez menor. Se nós transformarmos um frente a frente de 25 minutos num debate de 45 ou 50 minutos, por exemplo, eu tenho a convicção de que não teria a mesma audiência e sobretudo não mereceria a mesma atenção. Em resumo, parece-me que temos um bom modelo e que devemos tentar preservá-lo. Não me parece que, juntando todos os debates, fique no fim alguma coisa muito relevante por dizer. Eu confesso que, como espectador, também prefiro um debate mais ritmado e enxuto, com dois ou três temas bem escolhidos.
Como é que o jornalismo tradicional pode combater a desinformação? Acredita que os media estão a adaptar-se a esta nova realidade, ou estão a ser apanhados de surpresa?
É uma adaptação difícil. Estão naturalmente a adaptar-se mas não deixa de ser muito difícil, porque a mudança para o digital nunca foi tão acelerada como é agora. Nós podemos discutir o facto de os media terem, durante anos, dado notícias de forma gratuita, já no advento do online e isso criou um hábito, designadamente em Portugal, de se obter sempre informação de forma gratuita. Ora, se as pessoas se habituarem a que a informação lhes chegue gratuitamente, têm menos propensão para pagar por ela. Se somarmos a isto o escasso hábito de leitura português em comparação com a esmagadora maioria dos países da Europa, é evidente que temos aqui uma dimensão ainda maior da crise do modelo de negócio dos media. A desinformação é uma outra dimensão e parece-me que o jornalismo nunca foi tão necessário, o jornalismo bom, sério, que investiga, que tem de investigar também o pseudo-jornalismo. Uma das grandes missões do jornalismo, hoje, é desmontar aquilo que parece jornalismo, mas não é.
Atualmente assistimos ao fenómeno da “cultura de cancelamento” e à limitação de discursos de ódio. Até que ponto considera aceitável este mecanismo? Acredita que a liberdade de expressão está em risco, especialmente quando se trata de plataformas digitais?
Esse é um tema que está a ferver. Temos o caso recente do Brasil e do X. Parece-me que é um tema que devemos analisar com algum distanciamento, mas não tenho dúvida nenhuma de que os perigos para a democracia espreitam e tanto podem existir na dimensão do cancelamento como da libertinagem. A liberdade é um bem preciso, cuidar dela também é respeitar regras de convívio público e particularmente de respeitar leis, para quem acredita no Estado de direito democrático. Vivemos um tempo perigoso e devemos estar atentos a isso.
O jornalismo tem um papel de ‘watchdog’ da democracia, fiscalizando o poder político. Na sua opinião, os media portugueses conseguem manter a independência necessária para este papel? Existe pressão para moderar críticas ao poder?
O jornalismo deve fiscalizar todos os poderes: político, económico, judicial, desportivo, religioso, cultural, porque em todas essas dimensões, incluindo as dos poderes não eleitos, há decisões muito relevantes para a vida dos outros e o jornalismo é, na essência, um espaço de crítica e escrutínio essencial à democracia. Em Portugal, há um indiscutível grau de liberdade com que se pode trabalhar, reconhecido aliás em estudos e rankings internacionais, publicados ao longo dos últimos anos. Obviamente não se faz jornalismo sem riscos e com imunidade garantida a pressões, mas um jornalista em Portugal – salvo situações muito específicas – não lida com pressões de uma escala que o impeçam de realizar o seu trabalho. É evidente uma impressão minha, mas que resulta também do risco óbvio que é o de realizar o mesmo ofício em democracias menos maduras, autocracias e outros regimes de tendência iliberal que infelizmente são crescentes na Europa e no mundo. Em Portugal respira-se um clima em que é possível a crítica a todos os poderes, mesmo se algumas vezes há um preço a pagar por isso. Mas insisto que é muito mais difícil ser jornalista noutras latitudes.
Como vê o futuro económico do jornalismo, tendo em conta a crise financeira que os meios tradicionais enfrentam?
Entendo que essa é uma das questões mais difíceis de resolver. Há, genericamente e sobretudo, uma transferência das receitas anteriormente alocadas ao exercício do jornalismo por via da publicidade, que hoje deixaram de financiar o jornalismo e se dividiram, designadamente, por grandes plataformas tecnológicas, grandes distribuidores de conteúdos e nas redes sociais. Quando os distribuidores de notícias não pagaram nada, ou quase nada, pela sua produção, e os algoritmos permitem que os anunciantes se dirijam diretamente a grupos específicos, em função do que sabem dos nossos perfis e dos nossos hábitos, o modelo tradicional dos média e do jornalismo em particular está obviamente em causa. No fundo, estamos a assistir ao fim de um modelo virtuoso, em que os anúncios garantiam em simultâneo o pagamento do exercício do jornalismo – o trabalho dos profissionais – e rendimento aos detentores dos media. No fundo, o conteúdo podia ser uma preocupação quase isolada das preocupações comerciais, porque o saldo era por regra positivo para todos. Hoje, com a diminuição flagrante desse tipo de renda, é lógico que o jornalismo tem de encontrar formas alternativas de se financiar. Mas não é fácil. E faz sentido discutir que tipo de financiamento público é preciso, e possível, garantir, seja aos meios de comunicação, seja aos públicos, como os jovens, por exemplo, para reforçar o consumo de informação e prover a sustentabilidade de vários meios.
Qual a sua opinião sobre uma possível privatização da RTP?
Sou necessariamente suspeito, mas sempre fui defensor da existência de uma televisão pública, o que considero ainda mais relevante nos tempos que correm, até pelo que decorre da resposta anterior. A diferenciação de conteúdos que é garantida pelos órgãos de comunicação públicos, seja na informação, no entretenimento ou na ficção é uma missão que, no curto prazo, me parece até ser injusto que se exija aos privados. Acresce que me parece que se otimizou, nos últimos anos, a relação da televisão e da rádio públicas com a tutela, o que reduziu bastante o ruído sobre alegada interferência do poder político. Concretamente no caso da RTP parece-me muito relevante que continue a ser, como tem sido, referida pelos portugueses como uma marca de confiança.
Acha que o jornalismo investigativo e de qualidade pode sobreviver num ambiente digital cada vez mais dependente de cliques e anúncios?
Eu sou otimista. O momento é delicado, como já disse, mas se há um tipo de jornalismo que me parece que pode sobreviver, é esse, pois é o que se vai diferenciar, claramente, do jogo de click baits, de procura de reações imediatas e emocionais, do leitor que vê apenas o título e depois já não se interessa pelo resto da história. Mas isto não pode ser um esforço só do jornalismo, senão está condenado ao insucesso, é precisa a colaboração dos poderes públicos, das escolas, das faculdades, uma atenção das famílias, desde logo, para a importância do consumo de (boa) informação. Tem havido muitos estudos – faço vários programas com dados de estudos que saem das universidades, que são completamente decisivos para um retrato do país, mas é preciso que as pessoas, os públicos se interessem por eles. Parece-me que as universidades em Portugal, várias delas, já perceberam que há aqui não só uma oportunidade de mostrar o que produzem, mas de interferir na sociedade, no melhor sentido, formando a opinião com base em dados concretos e trabalhados empiricamente. Não tenho dúvida – o exercício do jornalismo é uma responsabilidade da sociedade, de todos mesmo.