André Vieira de Almeida
Também incluído no FEPIANO 52, publicado em Outubro de 2024
Apesar das várias semanas de campanha eleitoral para as eleições legislativas, as regiões administrativas não foram discutidas por nenhum dos principais rostos políticos do país, dando lugar à incerteza quanto ao futuro da reforma administrativa.
Um dos chavões mais utilizados durante as campanhas eleitorais no interior do país é a crítica ao excessivo centralismo existente. Em 2018, um estudo da Universidade do Minho concluía que Portugal era o país mais centralizado da Europa, tendo, à época, analisado cerca de 85 mil contratos públicos feitos pelo Estado e verificado que existia uma elevada concentração dos mesmos na região de Lisboa. Quatro anos depois, aquando do lançamento do programa de estágios na administração pública EstágiAP XXI, financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência, essa tendência tornou-se bastante visível com 884 de 1658 vagas a serem destinadas para o distrito lisboeta, representando mais de 50% das mesmas.
É principalmente no interior do país que se sentem os impactos de um Estado pouco distribuído pelo território, tendo-se intensificado a desertificação dos municípios mais a leste de Portugal nos últimos anos. Nos Censos de 2021 fica evidente essa tendência, com todos os concelhos dos distritos não litorais, à exceção de Viseu e Sernancelhe,
“A última vez que se discutiu com maior rigor estes problemas foi na década de 90”
a perderem população. Aliada a isto está também a taxa envelhecimento, o que torna a economia do interior português cada vez menos dinâmica.
A última vez que se discutiu com maior rigor estes problemas foi na década de 90, aquando da realização do referendo sobre a regionalização. Desde o 25 de abril de 1974 que a reforma administrativa tinha sido posta em cima da mesa. Em 1980, quando Francisco Sá Carneiro era primeiro-ministro português, referiu a importância de uma “democracia regional”, que não tinha o mesmo apoio por parte de Mário Soares, líder socialista. Já em 1991, com o governo da Aliança Democrática (AD) encabeçado por Cavaco Silva, aprovou-se a Lei-quadro das Regiões Administrativas, tendo-se aberto um caminho para a efetivação da reforma. No entanto, na revisão constitucional de 1997 o PSD recuou e impôs a realização de um referendo obrigatório.
“Serviço inestimável” – foi assim que Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e outrora a principal cara pela rejeição da regionalização, descreveu a reforma administrativa, caso seja bem executada e aceite pelos portugueses. Mais de vinte e cinco anos depois do referendo que culminou no “Não” do país à proposta de criação de regiões, o tema voltou a estar em cima da mesa em 2022, quando António Costa, primeiro-ministro à época, apontou um novo referendo para 2024, que tinha a abertura por parte Rui Rio, antigo líder dos sociais-democratas para avançar com criação do terceiro nível de governação, previsto na Constituição.
Contudo, a discussão esmoreceu quando Luís Montenegro assumiu a presidência dos sociais-democratas e, no seu discurso de posse, se afirmou contra a realização do referendo e da discussão sobre a regionalização. Desde então a reforma administrativa parece ter sofrido um forte revés, não figurando na campanha eleitoral como aconteceu em 2022.
Nos programas dos partidos também não se vislumbram grandes avanços sobre a discussão regional no curto prazo. O Partido Socialista assumia o compromisso de estabelecer um roteiro para a regionalização, com o ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, prometendo um novo referendo sem apontar uma data concreta.
“A regionalização é um dos instrumentos importantes para empoderar as nossas regiões e, naquilo que elas fazem melhor, poderem elas gerir os seus próprios destinos”, declarou Pedro Nuno Santos, reforçando a importância de cumprir a Constituição e garantir a realização do referendo.
“Essa tendência tornou-se bastante visível com 884 de 1658 vagas a serem destinadas para o distrito lisboeta”
Por outro lado, a Aliança Democrática, liderada por Luís Montenegro, que se mostrou contra a realização do referendo em 2024, alertando ainda para a dificuldade de encontrar uma oportunidade adequada nos anos subsequentes, dadas as eleições europeias, regionais nos Açores, autárquicas, presidenciais e legislativas, remeteu esse tema para o futuro.
“Haveremos de discutir em Portugal um dia um eventual processo de regionalização. Não vale a pena estarmos aqui a perder tempo com discussões que não levam a lado nenhum”, referiu o líder social-democrata.
O Chega diz-se contra a regionalização e, por sua vez, propôs a revisão das competências das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) para reforçar os poderes municipais, visando uma gestão mais próxima e menos centralizada. Além disso, defendeu a criação de novas NUTs.
O Bloco de Esquerda propôs um processo participado, aberto e democrático para a regionalização, destacando a necessidade de dotar as estruturas intermédias do Estado de legitimidade democrática, a fim de adequar os serviços públicos ao nível mais ajustado e transparente.
“A nova legislatura começa assim com poucas certezas sobre qual será o futuro da regionalização”
Já a Iniciativa Liberal apostou por pôr a tónica na descentralização do país, retirando pressão urbanística dos grandes centros urbanos. Propôs uma rede de transportes abrangente e a transferência efetiva de competências para o poder local, visando aumentar a eficiência na gestão dos recursos públicos.
A CDU (Coligação Democrática Unitária) destacou a importância de políticas integradas e dinamizadas por um poder regional, aliado às autarquias locais com autonomia administrativa e financeira. O partido apontou para a necessidade de uma política de desenvolvimento regional que combata as assimetrias territoriais, o despovoamento e a desertificação.
O PAN propôs um debate alargado sobre a regionalização, envolvendo a administração pública, academia e sociedade civil, destacando a importância de eliminar bloqueadores através de uma revisão constitucional.
Por sua vez, o Livre posicionou-se a favor da regionalização, defendendo a criação da primeira assembleia cidadã em Portugal para discutir o tema. A concretização desta proposta fazia parte do programa eleitoral do partido.
A nova legislatura começa assim com poucas certezas sobre qual será o futuro da regionalização, apesar de as CCDR já terem, desde dezembro último, um papel bastante amplo, próximo ao que seria de um governo regional, tendo sido transformadas em institutos públicos, com a tarefa de execução dos fundos europeus do PT2030. O processo de descentralização de competências para os municípios também foi praticamente concluído, faltando apenas oito concelhos assumirem novas pastas.
No que concerne ao território, a próxima discussão na Assembleia da República dirá respeito ao processo de desagregação de freguesias, que apenas poderá ser aprovada entre julho de 2024 e março de 2025, considerando o calendário eleitoral previsto para os próximos anos.
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