Tal como um verdadeiro português, o cinema “made in Portugal” é contraditório – apesar de celebrar o país e de defender as suas tradições, é também um dos principais métodos de crítica ao povo e às figuras no poder.

O Novo Cinema Português surgiu durante os anos 60 como uma resposta direta ao Estado Novo, em que muitos cineastas aproveitaram a grande tela para se rebelarem contra a situação política que decorria no país. Paulo Rocha, José Ernesto de Sousa, e António de Cunha Telles são reconhecidos como os pioneiros deste movimento, tendo utilizado técnicas e estruturas narrativas vanguardistas para retratar as complexidades da sociedade portuguesa. Filmes como “Os Verdes Anos” (1963, Paulo Rocha), “Dom Roberto” (1962, Ernesto de Sousa), e “Domingo à Tarde” (1965, António de Macedo) destacam-se como monumentos da fase inicial do Novo Cinema, tendo capturado o zeitgeist de uma nação em transição.

“Ao documentar os eventos históricos em tempo real, a equipa por trás do filme deu voz ao povo português e solidificou o cinema como uma ferramenta de resistência e de mudança.”

A Revolução dos Cravos contribuiu para a popularização do cinema militante e dos documentários. De facto, o filme “As Armas e o Povo” (1975), que marcou o início desta “moda”, foi realizado em conjunto por diversos cineastas e começou a ser gravado a 25 de abril de 1974. Esta longa-metragem capturou a euforia e a esperança da sociedade portuguesa após a queda do regime ditatorial. Ao documentar os eventos históricos em tempo real, a equipa por trás do filme deu voz ao povo português e solidificou o cinema como uma ferramenta de resistência e de mudança. A partir de ’74 destacam-se Rui Simões (“Deus, Pátria, Autoridade”, 1976), Pedro Vasconcelos (“Oxalá”, 1981), Lauro António (“Manhã Submersa”, 1980), e António de Macedo (“As Horas de Maria”, 1976), que alcançaram a fama com as suas obras neorrealistas que desafiavam as noções de autoridade e exploravam o psicológico coletivo de uma nação oprimida.

Com a formação de escolas do cinema pelos cineastas mais antigos, e à medida que o país se adaptou à liberdade, emergiu uma nova geração de cineastas, na sua maioria alunos do Conservatório Nacional. Pedro Costa (“No Quarto da Vanda”, 2000), Miguel Gomes (“Aquele Querido Mês de Agosto”, 2008), e Teresa Villaverde (“Os Mutantes”, 1998) destacam-se nesta renascença cinematográfica, cativando as audiências com representações realistas da vida urbana (“Zona J”, 1998, Leonel Vieira) e com a exploração da identidade (“O Fantasma”, 2000, João Pedro Rodrigues). Se antigamente o cinema ensinava o público a confrontar a autoridade, agora instiga-o a confrontar o próprio e as suas complexidades humanas únicas.

Destarte, no seu íntimo, o cinema português espelha a identidade multifacetada de uma nação em transição, tendo a história do país inspirado gerações de cineastas – desde o seu passado colonial até às cicatrizes da ditadura e aos desafios da modernidade.