Conduzida por Gonçalo Sobral Martins e José Guilherme Sousa
Também incluída no FEPIANO 5, publicado em Novembro de 2013
Normalmente, és o entrevistador. Aqui surges como entrevistado. Onde é que te sentes mais à vontade e o que te dá mais prazer?
Tanto num como noutro. Enquanto entrevistado és mais surpreendido – a surpresa é algo de que gosto. No entanto, aprecio ouvir os outros e sinto que aprendes mais a ouvir do que a falar.
A tua carreira começou como DJ no Algarve. Porque respondeste àquele anúncio do Expresso?
Eu nasci em Angola, mas vim para Portugal – Proença-a-Nova – com a minha família quando tinha apenas quatro anos. Aos treze anos, comecei a fazer rádio, mas sempre tive dificuldade em aceitar o que me era oferecido por uma terra pequena. Além disso, sempre orientei a minha vida em função de uma premissa – faz tudo o que te apetece. E aos dezassete anos apeteceu-me ir para o Algarve e por lá fiquei durante mais doze.
Como foi essa aventura de 480 km que te levou desde Proença-a-Nova até ao Algarve, numa moto DT LC?
Percebi que foi apenas uma aventura parva, porque teria feito melhor se tivesse ido de comboio. Eu adorava dizer que foi espetacular, que passeei imenso, mas não. Ainda por cima, quando cheguei ao Algarve, fiquei sem a minha moto, apesar de ter acabado por aparecer ao final de quinze dias. Não sei se há relação, mas a Yamaha convidou-me para ser embaixador da marca, em Portugal. É engraçado como, passados tantos anos, temos este casamento. E, sim, diria que essa DT LC foi a minha primeira moto e aquela que, hoje, me permite ter uma garagem mais recheada.
Como é visto o mundo da noite por alguém, como tu, que não tem qualquer ligação ao tabaco, ao álcool, a drogas e que tampouco toma café?
Aos dezasseis anos, apanhei uma bezana, mas depois percebi que era mais inteligente embebedar os meus amigos e eu ficar com as miúdas. Além disso, a cocaína é cara para caraças e isso já não me envolvia só a mim, mas também à minha família. Eu adorava poder orientar os sortudos da Santa Casa, porque tenho mesmo jeito para gastar dinheiro. Apesar deste talento, tenho juízo e sei fazer bons investimentos. Por isso, quando penso em cocaína, vejo-me como uma pessoa extremamente forreta. Mas não fiquem tristes, porque não falta gente a consumir a minha parte. Infelizmente, já tive que lidar com essa situação e apercebi-me que quem tomou essa opção acabou por se desviar dos seus objetivos. E, na minha opinião, há alguma incompatibilidade entre uma ligação a tudo isso e uma carreira de sucesso com base no trabalho.
Como é que surgem as tuas personagens?
As minhas personagens são sempre caricaturas do povo português. «O que estás a fazer?» é uma sátira do português curioso que quer sempre saber da vida dos outros. Eles surgem para avaliar a reação dos portugueses a essas perguntas. E consigo dividir essas reações em três grupos: a passiva, que normalmente não tem piada; a reativa, que requer algum cuidado – no Porto, já levei com uma mão cheia de dedos na cara; e tens a ativa que gera uma abordagem participativa na conversa. Tenho um sketch – do «És o Fernando?» – em que abordo um Fernando desconhecido, que encontrei na rua, e o indivíduo meteu na cabeça que eu o conhecia e foi-me dando “troco” apenas por lhe ter perguntado, no seguimento do sketch, se «ainda vives lá em cima?» e «trabalhas ali no coiso?». Espremendo tudo não disse nada, mas, por vezes, basta questionar algo vago e sem conteúdo para conseguir estar largos minutos à conversa com algumas pessoas.
Há algum género de “tuga” que gostes mais?
Gosto do tuga que é afável e que sabe brincar consigo próprio. Embora o humor parta da degradação, não suporto o escárnio e o mundo em que tudo é mau das redes sociais. O tuga parte do princípio que o outro é sempre inferior e nós, humoristas, somos para eles muitas vezes burrinhos que estão ali para entreter e acabamos por sofrer um bocado com isso. Por outro lado, eu acabo por chocar com esta lógica, porque, para mim, as pessoas são sempre boas e vejo as coisas de uma forma muito positiva.
Sendo um homem dos sete ofícios, qual deles te dá mais gozo?
Cada um deles tem a sua magia. Atuar ao vivo, num palco, dá uma adrenalina brutal, porque não tens contracena. Tens que controlar uma plateia e procurar que reajam ao teu humor, o qual surge muitas vezes de improviso. Na rádio, podes despultar a maior máquina de efeitos especiais, que é o teu cérebro. No relato, este tem de estar ativo, tem que imaginar “o bombeiro a descer a falésia para salvar a criança”. Em relação à televisão, podes ir mais longe e fazer muitas mais coisas, porque tens tudo à tua frente. No entanto, todos se complementam. Se tivesse mesmo que escolher, talvez a escrita com um pezinho no palco.
Quais as pessoas e os trabalhos que mais marcaram, até agora, a tua carreira?
As pessoas que mais marcam a tua vida são invariavelmente a família e os teus amigos. Ainda assim, sou e tenho de estar aberto a novas relações, o que me tem permitido conhecer gente fantástica. Em relação a projetos, passei por inúmeros e grandes que ocuparam a minha vida por vários anos e apenas sinto a força destes quando chega a despedida. Na SIC, estive três anos; na RFM, estou quase há dois; na RTP1, no 5 para a meia-noite, há quatro anos; e todas estas experiências foram únicas e sempre envoltas de pessoas incríveis. Como tal, acredito mesmo que nós devemos estar sempre abertos ao contacto com qualquer pessoa e não definir um estereótipo assente em ideias pré- -concebidas. Por exemplo, as pessoas mais inteligentes com quem privei até hoje foram um relojoeiro que conheci numa taberna, em Portimão, e um empregado de hotel que tinha uma cultura e raciocínio soberbos.
Não há razão para o Noah se queixar da pouca presença do pai?
Não é uma questão que goste de abordar, mas vocês não são uma revista cor de rosa. Por exemplo, hoje é sábado e não vou poder estar com ele. Ainda assim, tenho feito um esforço para trabalhar durante a noite e tenho conseguido levá-lo e ir buscá-lo à creche, todos os dias. A verdade é que os meus horários já são naturalmente anormais – escrevo todas as noites das 4h às 5h30, para depois ir para a rádio.
Como gostarias de ver o Noah daqui a uns anos?
Feliz. Acho que os pais devem dar liberdade aos filhos, mas orientá-los, claro, com os princípios e premissas que vêem como mais apropriados. Neste contexto, o Presidente da Câmara de Cascais, pai de cinco filhas, é um bom exemplo para mim. Quando cada uma delas completa dezoito anos, este escreve-lhes um livro que passa uma mensagem muito simples: “Vai, sê feliz e volta a casa sempre que quiseres, independentemente do que faças”. No entanto, podes sempre dizer ao teu filho que seria porreiro que ele fosse cirurgião porque, normalmente, ganham para caraças e têm todos uma vida formidável… O chato é que também trabalham muito.
Achas mesmo que em Portugal «quem “Papa” nunca abdica»?
A verdade é que, em Portugal, há muitos a ganhar pouco e os poucos que ganham muito querem, naturalmente, ficar agarrados ao lugar. Aqueles de esquerda, por exemplo, antes de se sentarem na cadeira, garantem que não vão fazer isto e aquilo, mas, quando chegam à Assembleia da República e se sentam, percebem que a cadeira, afinal, até é confortável e quentinha e, como tal, até já se pode dizer que “sim”.
Como vês um país em que se candidatam mais pessoas à Casa dos Segredos (80 mil pessoas) do que ao Ensino Superior (45 mil “imbecis”)?
Estamos num país em que há mais cromos do que gajos com juízo. Além disso, pensam que ser famoso é caminho para alguma coisa. E esses famosos acabam por ser reconhecidos por serem, apenas, isso: cromos. A meu ver, o reconhecimento deve surgir com base no trabalho e em algo que deste à sociedade, sendo como enfermeiro ou como matemático. Ali é tudo porque sim e constrói-se um reconhecimento em cima de nada. Mas, como disse, que sejam todos felizes!
Neste governo achas mesmo que «é tudo à grande»?
Diria que este governo está a fazer um dos trabalhos mais ingratos, com políticas que se baseiam no cortar e no tirar. E acabam por levar por tabela quando são muito menos culpados do que aqueles que conduziram o país ao estado actual. As pessoas têm memória curta e preferem criar páginas contra o Passos do que contra pedófilos.
O que é para ti a inteligência?
Tens seres inteligentes que não se safam na vida e seres espertos que se safam na vida. Darwin dizia que as espécies que avançam são as que se conseguem adaptar e não as mais fortes. Posto isto, avalio a inteligência pelo desempenho das capacidades de adaptação de cada um.
O que realmente vale a pena na vida?
Quando chegares aos noventa anos, não vais pensar no dinheiro que ganhaste, nem no que gastaste, mas nas experiências e bons momentos que tiveste. Então, é isso mesmo que vale a pena na vida, desde que não entres em conflito com o bem-estar dos outros. Além disso, poder ajudar os demais também dá sentido à vida. Neste momento, estou num processo de legalização de uma associação, em que procurarei ajudar pessoas que se encontrem em situações de emergência – como ter necessidade de ser operado no próximo mês, na Alemanha.
O que te move e comove?
A felicidade e a tristeza. Por isso, acho que se deve brincar com tudo, mesmo com a desgraça. A minha mãe teve um cancro e fiz muitas piadas sobre o assunto. Costumo dizer que seria humorista, se não fosse humorista. Parece uma contradição, mas a verdade é que teria o mesmo sentido de humor se fosse pedreiro. Portanto, vivo para ser feliz e para me divertir.
É fácil levar o Nilton a sério?
Normalmente, sim. Mas não deixo de ser aquele maluquinho que diz umas palhaçadas. Por exemplo, por estes dias, telefonei para o Blatter e encarnei uma personagem que tinha um inglês indecente. Pouco depois, já tinha as pessoas a queixarem- -se, porque estava a pôr em causa o nível de inglês dos portugueses e a denegrir a imagem que lá fora têm de nós. No entanto, vou estar agora em Bruxelas e na Irlanda para dar conferências enquanto humorista, em inglês, e consequentemente passar uma boa imagem de Portugal no estrangeiro. Por vezes, posso ser confundido com algumas das minhas personagens.