Quem é Rui Rio para lá da figura pública?

É uma pergunta difícil. O Dr. Fernando Neves de Almeida, Presidente da Boyden – onde eu trabalho –, e que é uma pessoa próxima da área da Psicologia, diz que, comigo, “what you see is what you get”, ou seja, aquilo que é a figura pública está muito próximo daquilo que eu sou verdadeiramente. Diria que a única característica que não sobressai tanto e que distingue a figura pública da figura não pública é a componente do humor. Brinco mais em privado do que no exercício de um cargo público. Sou, talvez, mais bem- -disposto e humorado como pessoa.

Após a sua passagem pelo Colégio Alemão do Porto, ingressou na FEP, onde foi Presidente da Associação de Estudantes, membro do Conselho Pedagógico e da Assembleia de Representantes. Que momentos recorda desse tempo?

No Colégio Alemão do Porto, também quase fui Presidente de uma Associação de Estudantes. Quase, porque o frequentei antes do 25 de abril. Quando se deu a Revolução, iniciaram-se mil e uma movimentações e alguns professores, ligados ao SPD (Partido Social Democrata da Alemanha), tentaram convencer-me a criar uma Associação de Estudantes, o que não chegou a acontecer.

Mais tarde, na FEP, lembro-me de perdermos as eleições para a Assembleia de Representantes, quando nos candidatávamos pela lista da JSD (Juventude Social Democrata). Levávamos uma “banhada” das listas de Esquerda, representadas pelo PCP (Partido Comunista Português), pela antiga UDP (União Democrática Popular), pelo MES (Movimento de Esquerda Socialista), pela FEC (marxistas-leninistas), muitos deles já extintos. A Esquerda tinha cerca de 70% dos votos e nós apenas 30%.

Quando nos candidatávamos à Associação de Estudantes, era difícil constituir uma lista, porque as pessoas não estavam dispostas a integrá-la. Por um lado, a maioria era comunista e, por outro lado, os que se identificavam connosco receavam “dar a cara”. Finalmente, conseguimos ganhar, em fevereiro de 1981, pela primeira vez, vencendo novamente no ano seguinte. Lembro-me de termos tido uma vantagem de apenas 4 votos e de a Esquerda se recusar a sair da Associação de Estudantes, durante dois ou três meses, porque não tínhamos tido 50% dos votos, na medida em que havia mais votos brancos e nulos do que os 4 votos que nos separavam. Eu consegui utilizar bem esse tempo, porque foi no final de um semestre e, portanto, aproveitei para estudar, enquanto eles não queriam sair. (risos) Nas segundas eleições, a diferença entre os votos que conseguimos e os votos da Esquerda foi superior aos votos deles. Naturalmente, constituiu um ponto muito importante, mesmo em Portugal, porque a isso se somou uma vitória que tínhamos tido na Associação Académica de Coimbra. As forças comunistas perderam o grande poder que tinham no meio estudantil.

Quais as lutas mais marcantes que protagonizou nesse tempo?

No Conselho Pedagógico, lembro-me das lutas que tivemos contra as reprovações, que apresentavam um nível absolutamente estúpido, que é o termo exato para classificar o que acontecia. No meu ano, ingressaram cerca de 800 alunos na FEP. Passados cinco anos, em julho, de entre esses alunos, terminaram apenas 4. Nalguns exames, havia menos do que cinco positivas e, por vezes, os Professores, administrativamente, tinham que atribuir mais dois ou três valores para haver mais alguns alunos admitidos a exame oral. Foi como Presidente da Associação de Estudantes que efetivei uma luta pesada. Surtiu efeito, uma vez que as notas melhoraram, as reprovações diminuíram e houve uma maior consciencialização para o disparate que aquilo era. Dizer que a Faculdade era muito boa porque reprovavam muitos alunos é um absurdo.

Na verdade, se, geração após geração, o problema se repetia era porque os alunos não estavam a ser devidamente preparados. Dou-vos um exemplo: se me mandarem decorar a lista telefónica, considero ser algo muito difícil e sou capaz de chumbar; ainda assim, saio mal preparado, porque o produto do trabalho não serve para nada. Fazia-se um grande esforço em matérias que, muitas vezes, tinham pouca adesão à realidade e não nos preparavam da melhor maneira. Não considero que, na minha altura, o curso estivesse otimizado entre o que era o esforço do aluno e o benefício em termos de grau de conhecimento.

Não teme que, atualmente e fruto do afastamento dos jovens das questões políticas, o papel das Associações de Estudantes possa ser desvirtuado e se resuma, quase em exclusivo, à organização atividades festivas?

Quando fui estudante na FEP, nos fins dos anos 70 e inícios dos anos 80, ou seja, no pós-25 de abril, as Associações de Estudantes eram muito politizadas. As listas estavam tipicamente associadas às juventudes partidárias. Hoje em dia, é completamente diferente: as listas nada têm a ver com os partidos políticos. E acho que está bem assim. Acho que estava bem no meu tempo e acho que, agora também está bem; cada coisa no seu tempo. Eu não tenho uma opinião muito avalizada sobre o funcionamento atual das Associações de Estudantes, mas, na minha percepção, tendem mais a ser organizadoras de eventos e de animação. No entanto, são o último reduto que os estudantes têm para a defesa dos seus interesses. Algumas talvez façam menos do que aquilo que seria bom que fizessem, mas, como é lógico, não são todas iguais.

Que diferenças e semelhanças descortina na FEP do seu tempo de estudante e na FEP atual?

Daquilo que conheço, a FEP, hoje, é uma Faculdade muito mais aberta ao exterior e muito mais próxima da realidade empresarial. No meu tempo, era uma Faculdade fechada por completo ao mundo real, diria 100% fechada. Tínhamos uma formação iminentemente teórica e, quando terminávamos o curso, não só não conhecíamos ninguém como não conhecíamos a realidade. Atualmente, a Faculdade está entrosada com a sociedade e com a própria economia.

Como nasceu a sua consciência política?

Claramente, no Colégio Alemão, ainda antes do 25 de abril. É evidente que nunca teria enveredado pelo caminho da política se não tivesse essa apetência natural, mas as circunstâncias são decisivas. Também acho que tinha muito jeito para ter sido jogador de hóquei em patins, mas o meu pai nunca me deixou sê-lo. Se calhar, teria sido um excelente jogador de hóquei…

Considera, então, que a sua predisposição natural para a atividade política foi um fator determinante para o desenvolvimento dessa consciência?

As apetências naturais são importantes, mas também precisamos de ter circunstâncias que o permitam. O Colégio Alemão foi uma dessas circunstâncias, porque os miúdos do meu tempo que andavam nas escolas portuguesas não tinham noção nenhuma do que era a democracia, o fascismo, o comunismo, as eleições. Ninguém ensinava nada sobre isso. No Colégio Alemão, sabíamos exatamente o que isso era, porque o estudávamos nas aulas de História e porque os próprios professores conversavam sobre o assunto. Entrei para a política ainda antes do 25 de abril, embora muito jovem, e era contra o Estado Novo, precisamente por ser democrata e não concordar com tudo aquilo que se estava a passar. O facto de poder ter estado um pouco mais adiantado que os meus amigos portugueses também foi um impulso para me interessar pela política. Aquilo em que, eventualmente, possamos ser um bocadinho melhores tende a ser o nosso caminho. Não estou a dizer que eu era melhor, tinha era vantagens comparadas e, portanto, sobressaía mais.

Foi eleito presidente da Câmara do Porto, em 2001, e reeleito, sempre com maioria absoluta, em 2005 e em 2009. Qual é o seu segredo?

O meu segredo tem de ser inserido no contexto. O mesmo segredo não pode ser aplicado em 2030 e em 1930. Penso que aquilo que constituiu o segredo foi agir ao contrário do que é mais vulgar, ou seja, em vez de fazer a política muito por via das palavras, fazê-la mais por via dos atos, sendo as palavras apenas complementares a estes. Falar pouco e, quando se fala, explicar aquilo que se está a fazer. Do ponto de vista da comunicação, é muito mais eficaz do que gastarmos rios de dinheiro em anúncios e em jornalistas a dizer bem de nós. Talvez esteja aí a principal diferença daquilo que é o mais comum: a comunicação social atacar e o político tratar, logo, de tentar dar-lhe a volta para dizerem bem dele. Isso eu não faço.

Lembra-se de algum caso particular que exemplifique esse paradigma de atuação?

Posso exemplificar uma situação em que tomei uma atitude importantíssima do ponto de vista estratégico para a cidade do Porto e que, ainda hoje, muita gente tem dificuldade em entender, mesmo tendo formação em Economia. Tratou-se de eu não permitir que o El Corte Inglés se instalasse na Boavista. De uma forma primária, as pessoas diziam que eu tinha desprezado um investimento de grande envergadura, com muito emprego.

Contudo, ter decidido de outra forma seria um erro estratégico brutal, porque todo o desenvolvimento da cidade, no meu programa, era voltado para a Baixa do Porto, que, na altura, estava completamente abandonada. Portanto, nunca mais conseguiria cumprir o desígnio estratégico e seria um boicote ao meu próprio programa, se não tivesse impedido a instalação. Apesar de ter sido difícil, hoje os resultados são visíveis, mas nem sempre os atos são completamente entendidos. No fim de contas, mantenho a opinião de que é preferível fazer por atos do que por palavras; menos palavras e mais atos.

Alguma vez sentiu que a sua capacidade de atuação política estivesse limitada pela legislação adotada pelo Governo?

Claro. Muitas vezes, tanto com Governos PS (Partido Socialista) como com Governos PSD (Partido Social Democrata). Dou dois exemplos, um para cada partido. Relativamente a um Governo PS, deparei-me com o decreto do fim do Programa Porto Feliz, que permitia tirar arrumadores e toxicodependentes da rua, tratá-los e inseri- -los na sociedade. Isto não quer dizer que o grau de êxito fosse de 100% – longe disso –, porque é muito difícil recuperar um toxicodependente para a vida normal. Contudo, em 2002, quando eu cheguei, havia muitos arrumadores nas ruas do Porto e em 2005 praticamente não havia. Esta cessação aconteceu devido a questões partidárias e a guerras dentro do próprio lobby do combate à toxicodependência.

O Programa era uma parceria entre a Câmara Municipal do Porto (CMP), a Segurança Social e o Ministério da Saúde. Por razões contrárias ao interesse público, o Ministro Correia de Campos, pura e simplesmente, acabou com o programa e voltou a abrir as ruas aos arrumadores. Hoje, o resultado disso pode constatar-se in loco nas próprias ruas da cidade. No caso do atual Governo do PSD, tenho o exemplo da Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa do Porto (SRU), que o Governo nunca entendeu, em particular a Ministra das Finanças – na altura, Secretária de Estado do Tesouro – que tinha essa tutela.

Maria Luís Albuquerque nunca foi capaz de entender o efeito multiplicador de um pequeno investimento público, relativamente ao investimento privado, na Baixa do Porto. Uma economia a decrescer na altura – e, mesmo hoje, sabe Deus – precisa de projetos que induzam o crescimento económico de forma direta e indireta. Incapaz de entender isso, o Governo boicotou quanto pôde o trabalho da SRU, que tinha resultados notáveis em termos de indução do crescimento económico. Foi confrangedor tão grande falta de visão e tão forte impreparação. Uma situação muito triste.

Algumas vozes criticam a sua atuação no domínio da Cultura. Reconhece- lhes legitimidade?

Em primeiro lugar, são pessoas que têm fraca noção do que é a cultura. Para essas pessoas, cultura pode ser só “tocar viola e dar dois acordes”, cantar bem ou pintar bem, mas, como é lógico, não tem a ver com isso. A cultura é o nível de conhecimento que nós temos para compreender a sociedade em que nos inserimos. Somos tanto mais cultos, quanto melhor entendermos o mundo que nos rodeia, quanto melhor percebermos porque é que é assim e não é de forma diferente, quanto melhor soubermos como é que chegámos até aqui e para onde é que podemos ir.

De certa forma, é a nossa bagagem de conhecimento. Posso saber muito, muito de uma coisa e não ser nada culto, porque só sei daquilo. No entanto, posso não ser especialista em nada, mas ter uma bagagem cultural muito grande, que me permite ter uma grande capacidade para entender aquilo que nos rodeia. A cultura, mesmo ao nível Municipal, deve fazer uma ligação, como eu a fiz, entre a Educação e a Ação Social. Esses “cultos” dizem que, no meu tempo, não havia pelouro da cultura, porque acham que ele teria que se designar por Pelouro da Cultura. Não conseguem ir mais longe.

O meu pelouro da cultura estava no Pelouro do Conhecimento e da Coesão Social, ou seja, toda a política cultural era canalizada em articulação, por um lado, com o pelouro da Educação e, por outro lado, com o pelouro da Ação Social, interagindo os objetivos de cada área. Em termos práticos, envolvia, por exemplo, levar miúdos (e graúdos) que vivem em bairros sociais e em meios familiares desestruturados a conhecer realidades que, de outra forma, nunca conheceriam.

Na minha opinião, a verdadeira política cultural é aquela que consegue interligar as duas coisas. Essas vozes críticas confundem, muitas vezes, política cultural com animação, que são coisas diferentes, apesar de se intersetarem nalgumas circunstâncias. O que verdadeiramente gostariam era que eu tivesse tido os impostos das pessoas ao serviço dos subsídios e de desígnios que têm mais a ver com o seu próprio interesse setorial particular do que com ajudar a enriquecer culturalmente as pessoas. É hipócrita, mas, infelizmente, é assim.

A gestão do Teatro Rivoli terá sido um dos temas mais polémicos…

Quando eu cheguei à CMP, o Teatro Rivoli tinha uma transferência municipal de 3 milhões de euros e as receitas próprias de bilheteira acrescentavam 6%. Isto quer dizer que os contribuintes pagavam 3 milhões de euros para salas vazias. E isso era cultura… cultura com as salas vazias! Coisa diferente foi quando os 3 milhões passaram a 500 mil euros, em termos líquidos (entre o que pagávamos e o que recebíamos de receita), e tínhamos o Rivoli, numa primeira fase, com Filipe La Féria, com taxas de ocupação de 90% e, depois, com taxas superiores a 80%. Passaram muitas peças e eventos de qualidade com custos muito mais baixos para o contribuinte e com o benefício adicional de ter sido uma das primeiras âncoras para o desenvolvimento da Baixa do Porto. Poderão dizer que a Eunice Muñoz – que lá actuou diversas vezes – não tem qualidade, que não é de Esquerda, que não é culta… Enfim! Temos de ser sérios e ver as coisas com cabeça, tronco e membros; não podem ser só bocas mediaticamente corretas para fazer simpáticas manchetes de jornal.

Apesar de não ter disputado as últimas eleições legislativas para o Porto, não teme ter sido uma da principais vozes a opor-se a Luís Filipe Menezes?

Isso tem a ver com a minha postura na vida. Acho que, na política, temos que ser coerentes, ou seja, temos que ter uma convicção e segui-la. Isso, para mim, é sagrado. Se eu estive na CMP durante doze anos e segui uma dada linha, ninguém acharia normal que fosse, por exemplo, apoiar o Bloco de Esquerda, que tinha uma linha exatamente contrária, tendo-me feito oposição permanentemente. Dentro do meu próprio partido, devo ser coerente ou fechar os olhos hipocritamente? Nunca os fechei na vida, portanto, não o vou fazer agora.

Passado um ano sobre a eleição de Rui Moreira como seu sucessor, como olha para o seu trabalho?

Não olho. (risos) Durante 12 anos, fui o portuense e o homem no mundo com mais voz nos temas da cidade do Porto, por ser o Presidente da Câmara. Pelo facto de isso ter terminado, hoje sou a pessoa no mundo que menos o deve fazer. Acho, aliás, que, eticamente, durante um larguíssimo período de tempo, me devo abster de falar da cidade do Porto, mesmo que discorde de qualquer coisa. Tive o benefício, agora pago-o, por contrapartida. Só admito o contrário se tiver de o fazer em legitima defesa, ou seja, se tiver de repor a verdade relativamente a alguma matéria do passado que, entretanto, possa ter sido maldosamente deturpada por terceiros.

Como foi regressar às empresas após 22 anos de atividade política?

Foram 22 anos de política em full time, mas sempre com um pé na minha profissão. Quando estive no Parlamento, foi na Comissão de Economia, depois fui Secretário- -Geral do PSD durante 1 ano e meio, fazendo a gestão do partido, e, enquanto estive na CMP, era, também, Presidente do Conselho de Administração dessa unidade produtiva. Nunca me afastei e tive sempre o cuidado de me valorizar profissionalmente. Apesar disso, não é fácil a adaptação. Independentemente do sítio de onde se vem e o sítio para onde se vai, a diferença é tal que, objetivamente, exige uma adaptação psicológica só ultrapassável com o tempo.

Salva a devida distância, imagine-se o que é alguém que é Presidente da República dos 40 aos 50 anos e que, de repente, cessa funções e tem que ir trabalhar para um outro local normal. Entende-se tão bem que a pessoa não vai. Não fui Presidente da República, mas o princípio é o mesmo, a uma escala inferior. Não é fácil a adaptação a uma vida completamente diferente.

Exerce, atualmente, o cargo de consultor sénior da Boyden e da Neves de Almeida, empresas de recursos humanos. Qual é a principal competência de que carecem os recursos humanos do tecido empresarial português?

A Boyden atua no segmento de recrutamento de topo, enquanto a Neves de Almeida faz, igualmente, recrutamento, acrescido de assessoria no campo dos recursos humanos. A minha maior utilidade está relacionada com a minha experiência de vida, principalmente na avaliação das pessoas, não no seu perfil técnico, mas como pessoa para o exercício do cargo que estiver em apreço. Com certeza, temos que ter formação, sendo esta uma base para compreender as coisas, mas só a vida é capaz de nos dotar da faculdade de perceber melhor as pessoas e onde estas se encaixam.

Ao nível dos recursos humanos, no tecido empresarial português, não há, ainda, uma compreensão para este aspecto, ou seja, de que uma empresa é aquilo que forem os seus recursos humanos. Pode ter muito ou pouco capital, muito ou pouco mercado, boas ou más instalações e tudo isso é muito relevante, mas uma empresa é um conjunto de pessoas que têm que ter condições. As pessoas são o ponto de partida para qualquer empresa. Muitos empresários mais evoluídos já perceberam isso e recorreram a serviços de empresas dessa área como, por exemplo, de formação para melhor exercerem as suas funções.

Um gestor ou um empresário que não entende a inadmissibilidade da existência de um clima negativo de trabalho que possa existir na sua equipa é um péssimo gestor. Acima de tudo, é importante as pessoas serem mais felizes, porque não vivemos só para trabalhar. É um misto das duas coisas. Reconheço melhorias quando comparado com há 30 anos, mas, ainda assim, há um défice bastante grande para entenderem a importância da gestão dos recursos humanos no equilíbrio global da empresa e no seu desenvolvimento.

É mais feliz na política ou nas empresas?

Não me podem fazer essa pergunta neste período de tempo. A fase de transição nesta idade não são 30 ou 60 dias… é mais comprido. Portanto, a fase de transição é o pior momento para fazer essa pergunta, porque tem uma carga emocional que retira racionalidade à resposta. Há vantagens e desvantagens em ambos os casos. Em valor absoluto, eu diria que sou mais feliz na política, no serviço público.

Em valor relativo, isto é, no quadro do que é a política atual, eu não consigo dar uma resposta linear, porque a vida política, hoje, é mal compreendida, está descredibilizada, é mal paga, é injustiçada, é um conjunto de aspectos negativos muito grandes. Isso, naturalmente, afasta as pessoas da política, mesmo aquelas que têm não só uma apetência natural, como uma vida ligada a isso. Resumindo, em valor absoluto, se a política fosse igual às empresas, a forma como eu estou moldado é mais para o serviço público; não sendo assim, é mais difícil responder, apesar de eu ser um dos políticos que, atualmente, se pode queixar menos disso.

O grau de reconhecimento que há para com o meu trabalho ultrapassa muito o normal e, nesse sentido, eu também não quero ser injusto com as pessoas. Não só me foram dando resultados eleitorais cada vez mais altos, demonstrando entendimento e apoio à minha governação, como, à saída, houve um sentimento de gratidão que é o máximo que se pode esperar da política. Sou dos que menos se pode queixar, mas, ainda assim, passei momentos complicados, ao longo da vida, e sei que, se um dia regressar à política, os vou passar outra vez.

Há meses atrás, antes do Governo comunicar a sua decisão acerca do fim do programa de ajustamento, defendeu que o programa cautelar seria “bem mais prudente do que ir de peito às balas”. Como avalia o processo de “saída limpa” que acabou por se concretizar?

O termo “limpo” procura comunicar por oposição ao sujo, ou seja, “nós somos bons, saímos limpos”. Obviamente que o risco inerente a uma saída sem rede é muito maior do que a uma com rede. Eu teria preferido, se possível, sair com rede. Uma vez que não foi assim, espero que corra bem. Nunca disse que da forma contrária à que defendi seria mau de certeza. Havia risco e a verdade é, que, até à data, não houve problemas e esperemos que não continue a haver.

Em declarações acerca da saúde da democracia portuguesa, defendeu a ideia dos “votos brancos e nulos elegerem cadeiras vazias”. Considera que, se não forem adoptadas medidas arrojadas desta natureza, a democracia pode estar ameaçada?

Absolutamente. Isso parece-me evidente. Nós, portugueses, quando decidimos e votámos o modelo que hoje temos de sistema político, na Constituição de 76, fizemo-lo bem. Sabendo o que sei hoje, se tivesse sido deputado constituinte, votaria o sistema que temos atualmente. O problema é que, entretanto, se passaram 40 anos, tudo isto se desgastou e, consequentemente, tem que ser revitalizado para melhor. Se, efetivamente, não mudarmos as regras de jogo, continuaremos, de descrédito em descrédito, até ao descrédito final, sendo que já não estamos longe disso.

A medida referida em que os votos nulos e brancos ajudariam a determinar a dimensão da Assembleia seria, obviamente, um passo positivo. Essa medida, tal como muitas outras do género, não resolve nada, se aplicada individualmente. Aquilo que eu entendo é que devemos fazer uma reforma que mude o sistema. Aí podemos ter aspirações e esperança de que as coisas mudem.

Defendeu, também, que quem falhar duas ou três eleições deve perder a “capacidade eleitoral ativa e passiva”. Não considera que tal se possa traduzir numa subversão da liberdade do direito ao voto?

Essa sugestão vem por contraposição ao voto obrigatório, com o qual não simpatizo muito, mas também não simpatizo com o facto de as pessoas, pura e simplesmente, se absterem. Então, dou-lhes a liberdade de irem ou não votar. No entanto, se não o fizerem, têm um tratamento diferenciado relativamente àquelas que participam, até porque, se eu disser que os votos brancos e nulos elegem cadeiras vazias, dou-lhes uma oportunidade: votar no partido A, B, C, D, E, F, G ou em nenhum. Votar branco ou nulo não tem efeito, hoje em dia. Segundo o que defendo, passaria a ser diferente: elegiam-se menos deputados e os eleitores sentiam que tinham algum poder. Ainda assim, se continuassem sem querer participar, teriam a penalização de não poderem ser eleitos para nenhum cargo público e de não poderem votar durante um período de tempo. É uma ideia.

Qual o papel da comunicação social na criação de figuras mediáticas, capazes de capitalizar o descontentamento generalizado dos portugueses em relação à política?

Eu responsabilizo muito a comunicação social pelo estado a que o regime chegou e pelas agressões permanentes que faz à liberdade das próprias pessoas. Como sabem, a minha liberdade não é absolutamente infinita. A minha liberdade não pode invadir a dos outros. A comunicação social tem fracas regras, fazendo o que quer e lhe apetece, e a tudo isso chama liberdade de imprensa. Nem todos têm o mesmo acesso à atenção da comunicação social. Contra mim falo, na medida em que sou um privilegiado, já que, se quiser ter acesso, tenho-o facilmente. Podem impor-se algumas regras para procurar uma maior igualdade nesse acesso, mas uma solução absolutamente infalível não existe, visto que não se pode impedir as pessoas de opinarem na televisão por existirem outras que não têm essa oportunidade. Coisa diferente é o povo distinguir ou não a qualidade do mediatismo. A minha percepção é que, apesar de tudo, o povo distingue melhor do que a opinião pública pensa, ou seja, não é por um indivíduo aparecer muito na televisão que o povo o escolhe para aquilo que ele pretende ser.

Está preparado para assumir responsabilidades políticas num futuro próximo?

Nem estou, nem deixo de estar. Na nossa vida toda, mas particularmente na política, 30 dias é um tempo infinito. Quase me atreveria a dizer que “o futuro a Deus pertence”. Não faço a mínima ideia se vou voltar à política e, caso volte, não estou muito preocupado com as circunstâncias. O destino há de dizer como é.

O que o move e o comove?

Move-me endireitar o que está torto. Olhando ao longo do tempo, o que mais me realizou, quer nas empresas quer na vida pública, foi isso. O que me comove mais é o sofrimento humano e a injustiça e, por simetria, conseguir aliviar esse sofrimento é uma grande alegria.

O que vale realmente a pena na vida?

Vale a pena sentirmo-nos bem. A felicidade em valor absoluto não existe; existe, sim, o somatório de momentos felizes e mais tranquilos. Vale a pena construir esses momentos felizes em harmonia com os que respeitam o próximo e que não pretendem conseguir o seu bem-estar à custa do sofrimento dos outros. Vale a pena sermos úteis.