O setor funerário em Portugal tem vindo a incorporar práticas modernas, mantendo-se robusto e lucrativo. A crescente atenção à sustentabilidade tem redefinido o modo como encaramos os serviços relacionados à morte.

A morte é um tema complexo e, por mais que desejemos ignorá-la, ela faz parte do ciclo inevitável da vida. Em Portugal, a morte está naturalmente ligada a rituais funerários tradicionais, mas, ao olhar mais de perto, vemos que o processo de luto também envolve um grande negócio, que parece estar longe de grandes riscos. Afinal, a morte é inevitável, e, como tal, a procura por serviços funerários está assegurada. Mais de 120 mil óbitos ocorrem anualmente em Portugal e o custo médio de um funeral gira em torno dos 2200 euros, embora, evidentemente, existam funerais para todos os bolsos. O mercado funerário português movimenta anualmente cerca de 30 mil milhões de euros. A indústria funerária prospera num país envelhecido e permanece uma das mais lucrativas.

Para muitos, inclusive para mim, é inquietante perceber como, muitas vezes, a morte é tratada como um produto. Esse processo de mercantilização da dor e do luto é um tema delicado e, para muitos, desconcertante.

A indústria funerária envolve margens de lucro significativas. Não estaremos nós perante um aproveitamento da vulnerabilidade das pessoas em momentos de perda? Nesse sentido, não deixa de ser inquietante que as empresas funerárias procurem constantemente “inovações” que, embora possam oferecer vantagens, também contribuem para um processo cada vez mais comercializado. De facto, para que um negócio exista, este tem de ser rentável. No entanto, quando penso no mercado lutuoso, é difícil não me deparar com uma certa incompatibilidade de valores: como podemos lidar com a morte, um evento de luto e tristeza, ao mesmo tempo que a transformamos em algo que gera lucro? Vejo aqui um confronto inevitável entre negócio e ética.

Inovações como a introdução da cremação, o desenvolvimento de serviços de tanatopraxia e, mais recentemente, a busca por soluções sustentáveis, estão a ganhar terreno. Empresas como a PerPETuate, a primeira funerária animal ecológica em Portugal, são um exemplo claro de como a sustentabilidade pode ser uma parte do mercado funerário. Mas será que a sustentabilidade se tornou uma verdadeira preocupação ambiental ou simplesmente mais uma estratégia de marketing? Esta questão não se aplica só a este tipo de negócio, mas devo dizer que, neste âmbito, inquieta-me particularmente.

A ideia de um funeral ecológico, com árvores que crescem das cinzas, urnas biodegradáveis ou caixões feitos de cartão (por vezes mais caros do que os tradicionais caixões de madeira), tem vindo a crescer e muitas empresas tentam adaptar-se a essa tendência. Por um lado, vejo um aspeto interessante e positivo nessa abordagem: a possível redução do impacto ambiental das nossas práticas post mortem. Contudo, voltamos ao mesmo raciocínio: estamos a falar de uma verdadeira “revolução verde” ou simplesmente de uma nova forma de lucrar com as preocupações ambientais? A sustentabilidade nos funerais, embora bem-vinda, está claramente a ser aproveitada para fins comerciais, onde a preocupação com o meio ambiente acaba por se misturar com o interesse financeiro.

O que realmente importa, no entanto, é o tempo de luto e o respeito pelo momento de perda – valores que são violados quando há angariação funerária dentro de hospitais ou quando agências ligam para idosos a oferecer os seus serviços. Acredito que há uma linha muito ténue entre respeitar o luto e explorar as fragilidades emocionais dos familiares para fins lucrativos.

O mercado funerário, embora envolva uma necessidade real, parece, muitas vezes, transformar a dor em consumo, o que me parece não só desconfortável, mas desrespeitoso. O funeral e o momento de luto – que muitas vezes começa antes mesmo da morte de um ente querido – deveriam ser uma oportunidade para refletirmos sobre a vida e a morte e para homenagearmos quem partiu de forma digna. É um momento que não devia ser sufocado por uma situação de pressão para comprar produtos ou serviços inovadores e que estão na “moda”, cujo valor verdadeiro é questionável.