Conduzida por Gonçalo Silva e Maciel Sacramento
Também incluída no FEPIANO 51, publicado em Maio de 2024
Tem ligações à Nova SBE, FEP e à LSE. Começou por ser assistente na Nova SBE, decidiu ir para Londres dar aulas e é agora professor convidado do departamento de gestão na LSE, enquanto é professor auxiliar e dá aulas na FEP. Já teve experiência no Millennium, Novo Banco, CMVM e no Banco de Portugal.
Licenciado, mestre e doutorado sempre na área da Economia. Fez Mestrado na Nova SBE com uma tese que lhe valeu nota máxima, mas não se contentou e decidiu fazer um novo mestrado na LSE, no qual ganhou o balanço e doutorou-se nessa mesma casa.
Já participou em várias atividades de voluntariado, tem ligações à Aliança Democrática, já marcou presença na televisão nos programas 3 às 11, 3 às 14, “É ou não é?” da RTP3 e comentários na CNN.
Como surgiu o gosto pela economia?
Foi mais um acidente. Primeiro queria ser jornalista, depois advogado e acabei a estudar economia porque era a última vaga possível na escola secundária onde queria estudar. Como tinha boas notas a matemática, acabei por estudar economia. É uma área extremamente importante e nunca me arrependi do acidente que tive.
Qual é a sua filosofia de ensino e como ela influencia a sua abordagem na sala de aula?
Tem evoluído imenso. Dei aulas desde cedo e segui os modelos que há na academia, pois ninguém nasce professor. Na altura era algo mais rígido e focado em cumprir metas. A preocupação hoje em dia é que a mensagem passe e que haja verdadeiramente um trabalho em equipa. O ensino clássico em que há uma distância grande entre aluno e professor, entre a cadeira do professor e a primeira fila dos alunos não é a melhor maneira de trabalhar, nem as aulas meramente expositivas o são.
Começo por fazer a construção das UCs, tornando-as atuais e mais aplicáveis, tento que os tópicos sejam as coisas do dia a dia. O facto de termos tido algum atraso educacional, fazia com que as poucas mentes brilhantes que chegavam e se tornavam professores tivessem uma vida de bajulação contínua por turmas sucessivas de alunos. Em países desenvolvidos os professores são tratados por “tu” e não se perde o respeito.
Em Londres, eu era capaz de estar na mesa com o prémio Nobel da Economia e ele tentar perceber as minhas ideias e às vezes achar que tinha razão. Temos de compreender as transições geracionais, não digo aos alunos para não ter telemóvel, porque isto é o panorama do futuro, devem usá-los ativamente, aliás, tento colocar testes de consulta nesta fase dos estudos e não através da capacidade de memória. Além de fomentar o pensamento crítico, estratégico e skills que não se aprendem por horas e horas em sala de aula, algo muito comum em Portugal.
A LSE tem menos um mês e meio de aulas e não é o motivo para não aprenderem, apenas é preciso um maior trabalho autónomo. Uma transformação que nem todo o corpo docente estará disponível. Apesar de termos exigência e rigor, e isso é bom, falta uma parte mais pedagógica na forma de construir professores. Nós somos investigadores, ser professor universitário é um part-time.
Quais as principais diferenças que notou entre o ensino em Portugal e, por exemplo, em França e no Reino Unido, e qual considera mais adequado?
O nosso ensino é muito parecido ao francês e muito diferente do inglês. O inglês é muito mais autónomo. Nós aqui preparamos os alunos para os exames e é um escândalo saírem questões que não foram trabalhadas em aula. No Reino Unido, mesmo indo às aulas todas, é difícil aprender tudo. Até há uns anos não havia avaliação contínua, eram exames anuais. Lá é um ensino mais autónomo, com menos carga letiva e nas áreas de gestão muito mais colaborativo. Tem uma vertente em certos programas muito mais customizada e onerosa com turmas mais pequenas, mas com o objetivo de fomentar capacidade reflexão e trabalho, e até fomentar soft-skills, algo muito comum, pois as mais tradicionais ainda estão definidas por “colleges”.
O ensino português tem menos exigência e o francês também é muito heterogéneo. A FEP é uma faculdade de excelência, não podemos pedir à Universidade de Évora que também o seja, porque não o é nem nunca vai ser, pois é normal existir heterogeneidade nos países. No ensino francês, a elite é fundamentalmente marcada com 8-10 escolas muito mais exigentes que trabalham esta elite de uma forma muito mais intensa, enquanto nós procuramos ser mais democratas, procuramos diminuir as diferenças e não ser um sistema tão dual. É também logicamente uma questão de recursos, um programa no Reino Unido, comparando a FEP e a LSE, ambas faculdades de elite respetivamente, não temos o mesmo ritmo de inovação. Lá, é muito comum haver vários professores a dar a mesma cadeira no mesmo semestre, em que dão 5 semanas e passam a pasta a outro, isto porque não são especialistas em tudo, por exemplo, na macroeconomia.
Como as mudanças demográficas, como o envelhecimento da população, estão a impactar a economia e quais medidas políticas podem ser adotadas para lidar com esses desafios?
O inverno demográfico é um dos principais desafios dos países desenvolvidos, mas em particular de Portugal. Não é sustentável o ritmo de envelhecimento populacional que temos. Nós fomos bem-sucedidos a aumentar a formação das novas gerações e não fomos capazes, por falta de conhecimento e falta de capacidade das anteriores gerações, de transformar a economia de forma que o talento e a capacidade tenham lugar nesta economia, neste país. Portanto, nós formamos demasiado depressa e procuramos dar um salto educacional que foi demasiado rápido. E agora o que está a acontecer é que temos fluxos de emigração substanciais e não somos capazes ainda de aumentar a produtividade das novas gerações e o valor que são capazes de produzir. Atualmente, é assim vocês saem daqui altamente preparados e tirando algumas organizações que já são internacionais, uma grande parte do tecido empresarial português e da própria administração pública é anacrónica e burocrata.
Nós olhamos para a Universidade do Porto e é um anacronismo constante. Não dá para fazer nada, nós somos uma instituição de inovação e para conseguir inovar é preciso morrer numa tonelada de papel, antes de conseguir fazer o que quer que seja. E porquê? Porque ainda é governada por pessoas e por uma cultura organizacional de há 30, 40 anos. Embora estejamos a formar cada vez melhor, estamos a perder recursos para o exterior e depois isso impacta na demográfica. Cada vez temos menos jovens, há uma percentagem significativa de jovens que se vai embora, cada vez ainda vamos ter menos jovens num processo contínuo. Depois há transformações culturais que impactam ainda mais. Nós tivemos as gerações de há 30/40 anos, a demografia corria bem porque nós tínhamos uma forma cultural de nos organizarmos em sociedade que fomentava isso. Havia um grande ênfase numa família tradicional, na criação de uma família cedo, independentemente se as pessoas estavam felizes ou não, esse era o caminho esperado. A mulher estava em casa e era obrigada a estar em casa muitas vezes e, tomava, naturalmente, conta da família. Portanto, a família era cada vez mais numerosa, os filhos não eram um grande investimento que se fazia. Agora não começam a trabalhar nem aos 14, nem aos 16 anos, como acontecia há 40 anos. Houve uma grande transformação. Uma transformação muito positiva em todas estas dimensões, mas sem dúvida que não conseguimos transformar a economia ainda.
A esperança e a expectativa do país é que esta geração muito mais capacitada que as anteriores chegue às lideranças das organizações e as mudem e as coloquem a funcionar. De outra forma não é possível, é um combate constante, não há nada pior do que o medo do desconhecido e à medida que envelhecemos o medo do desconhecido aumenta e é muito normal que as anteriores gerações tenham muito receio de pessoas que chegam e dizem “vamos fazer diferente, vamos mudar, vamos arriscar”. Se vai correr mal? Vai correr mal às vezes, mas também há de correr bem outras. Depois há interesses instalados, que é um problema. Como é que temos lidado com tudo isto? Com imigração. A imigração tem sido cada vez maior. O problema é que se nós não tivermos cuidado na forma como o fazemos, podemos ter retrocessos civilizacionais importantes, porque se nós não conseguimos integrar os imigrantes e não trabalhamos para que venham somar em valor acrescentado, o esforço que fazemos para nos desenvolvermos, e com desenvolvimento combater o inverno demográfico, voltamos para trás. Acabamos por preencher algumas funções, que nos são úteis e, eventualmente, que não são qualificadas, mas não conseguimos desenvolver o país. É extremamente cómodo termos os Uber, os Uber Eats a distribuir-nos comida a um preço muito barato, mas isso tem um custo para o desenvolvimento do país. É preferível pagar-se o dobro, se o país se estivesse a desenvolver e depois, obviamente, que isto impacta até nas gerações mais velhas, naturalmente.
Porque as gerações mais velhas ficam no país, há uma imigração relevante e depois de jovens e jovens adultos que ficam, começam a ter menos produtividade do que o que trabalhamos para ter, e as contas não fecham, a SS fica em grandes problemas, e portanto, começamos a ter convulsões sociais, começamos a ter populismo. O tecido social do país começa a deslaçar. Como isto se resolve? Não é algo para se resolver em 2 / 3 anos. Temos de começar a dar mais peso aos jovens na sociedade, e pelo menos foi essa a intenção, nunca se falou tanto de jovens em campanhas eleitorais e em programas de governo como agora, há 20 anos os jovens não interessavam para nada.
Qual é a sua opinião sobre a relação entre sustentabilidade ambiental e crescimento económico e como podemos equilibrar estes objetivos? Podem andar de mãos dadas ou primeiro uma visão económica para depois ter ferramentas para uma preocupação ambiental?
Elas têm que andar de mãos dadas porque a Economia é uma análise de bem estar. Há um erro muito grande de achar que a economia é uma análise de orçamentos de estado, de balanços, demonstrações de resultados, produtividade… Nada disso é tão importante como a análise de bem-estar.
A sustentabilidade é fundamental, mas a qualquer preço é um problema, porque no horizonte de médio prazo vamos ter que nos deparar com questões muito sérias de recursos. Podemos fazer uma transição energética e um caminho para a sustentabilidade muito mais forte se assim quisermos. Mas isso tem custos muito elevados. Por exemplo, conseguimos, na cidade do Porto, imediatamente proibir os carros em algumas zonas ou começar a cobrar 10€ ou 15€ por entrada de carros da VCI para dentro. Isso pode ser já implementado, como existe em Londres. Qual é o problema? Há custos, e um custo social significativo. Podemos falar na habitação, que é fundamental, quer dizer, pessoas sem casa vivem em tendas, e, portanto, é um atraso civilizacional terrível. Nós podemos construir habitações altamente sustentáveis. Custam é 50 ou 60% mais de preço. No dia em que nós quisermos andar demasiado de pressa no âmbito da sustentabilidade, vamos deslaçar o tecido social e no dia em que tivemos muitas pessoas que sejam os perdedores da sustentabilidade, acabou- -se o tema da sustentabilidade. Neste país, na Europa e nos EUA.
E, portanto, não basta nós sermos ceguinhos e dizermos que queremos a sustentabilidade a qualquer preço, pois as coisas têm que ter ritmo próprio. Não é por acaso que os países do Sul global, com alguma razão, dizem: “Então, esperem lá. Não fomos nós que trouxemos o mundo esta situação de ruptura. Há países que beneficiaram de décadas e séculos em que nem sequer a palavra sustentabilidade havia com esta acessão. E agora é que não pode ser?”. Eu acho que, no caso português, nós devemos ter a ambição de estar nos primeiros pelotões, sem dúvida.
Mas temos que ter cuidado. Não podemos deixar as pessoas para trás. Se calhar, as grandes questões que se têm que perguntar são, por exemplo, questões muito práticas: estamos disponíveis para abdicar de critérios de sustentabilidade de ponta e ter casas mais baratas e conseguir construir mais e mais rapidamente em vez de ter A++, assumir que o B está bom por agora e fazer caminho gradual, e se calhar daqui a 50 anos, tentarmos re-transformar este parque para ser mais perto do A++? Ou vamos já avançar para o A++? Vamos ter grupos populacionais que obviamente não vão ter capacidade de comprar casa. Esta é a escolha. Estamos disponíveis a pagar a fatura energética? Repare-se, a fatura energética que nós pagamos até correu bem.
Hoje, porque há uma guerra na Ucrânia, há problemas energéticos graves e nós não estávamos tão dependentes. Parte, vamos ser sinceros, pela nossa geografia, que nós íamos buscar o gás noutro sítio, não íamos buscar gás russo porque a geografia não funcionava e nós estamos numa ilha energética. Mas nós, durante décadas, pagamos as energias mais caras da Europa e pagamos esse preço. E quando fizemos a transição para as renováveis, isso teve custo, e ainda hoje tem custo. Será que fizemos na altura certa? Será que devíamos ter esperado um pouco? Hoje em dia, não faz sentido tomar decisões onde essa prioridade não esteja claramente em cima da mesa, mas não pode ser a única.
E esse é o jogo da economia, por isso é que eu acho que a sustentabilidade tem que estar dentro da economia, porque o economista é aquele que tem recursos, tem prioridades e tem que balancear umas coisas com as outras. Juntamente, naturalmente, com os políticos, que depois têm que ser eleitos. No dia em que começamos a deixar pessoas para trás, corremos mesmo o risco de o próprio caminho da sustentabilidade voltar para trás. Não é por acaso que os países do sul global, que ainda não atingiram nível de desenvolvimento elevado, a sustentabilidade não é a primeira prioridade, não é a segunda, não é a terceira, mas nós não podemos pedir a líderes políticos, onde lidam com a fome de forma muito substancial, que se preocupem com a sustentabilidade e que aumentem os seus custos de energia, e que façam uma transição, por exemplo, ao nível das frotas automóveis, para serem elétricas.
Quer dizer, pedir isso na Índia, pedir isto mesmo uma China, que tem muito dinheiro, mas a distribuição não é propriamente fácil, ou a um Brasil que o faça, não é propriamente fácil. E nós, à nossa dimensão, estamos aqui um bocadinho no meio termo, porque ainda temos realidades sociais complexas, e neste país ainda tem de haver caminho forte para se viver melhor aqui.
Atualmente, fala-se muito na importância dos valores e no custo das medidas eleitorais. O Dr. Cavaco Silva, recentemente desvalorizou este conceito de “contas certas”. Qual a sua opinião?
Eu percebo este conceito e faz sentido as declarações. “Contas certas” é um pressuposto e não pode ser um objetivo político. O estado deve ter contas equilibradas sempre e a boa teoria económica diz que devemos robustecer as contas públicas em momentos de expansão económica para termos “poder de fogo” e capacidade em intervir quando há recessões e crises. É suposto ter défices quando há crises económicas.
Este “mantra” que se criou vem de uma crise que nos levou à bancarrota e de adotarmos políticas públicas que protegem quem vota e fica no país, garantindo que o dinheiro existe em caixa para essas pessoas e nesse sentido, temos hoje em dia um ambiente demasiado crispado e logicamente percebo esta crítica. Acho um erro descomunal chegarmos a um excedente de 1,2% na ressaca de uma crise inflacionista, qualquer economista sabe que numa crise inflacionista o rácio dívida/PIB cai mecanicamente. O PIB aumenta nem que seja pela parte nominal e a dívida não aumenta porque já foi emitida, além dos gastos públicos aumentarem mais lentamente. A política perto do ótimo é procurar ter um superavit perto do zero, até porque temos problemas sociais, problemas na administração pública e uma elevada carga fiscal.
Estar a acumular margens orçamentais é um erro. Mas é algo que “vende”, mas acho que a história vai mostrar que não “vende” assim tanto. Em momentos de crise, deve haver um défice controlado, em momentos de expansão, um superavit baixo e políticas moderadas.
O Ministro das Finanças num governo está interessado é que as contas fechem e se der superavit colocam logo no currículo. Aconteceu com Mário Centeno, embora em 2019 o superavit foi pequeno e era importante equilibrar as contas, e aconteceu agora com Fernando Medina.
Portugal teve pela segunda vez um excedente orçamental. Deve ser utilizado para abater a dívida pública ou canalizar para investimento?
Ou utilizado, por exemplo, para implementação de medidas eleitorais? Há três caminhos possíveis: abater a dívida, aumentar a despesa ou baixar os impostos. O ritmo de consolidação orçamental de rácio dívida/PIB deve ser adequado. Se for rápido estamos a onerar a geração que está a chegar ao mercado de trabalho com impostos e com um desgoverno de há 10 ou 20 anos atrás. Se este declínio do rácio é rápido, não estamos a preparar o país de amanhã.
Desde 2008, só olham para as contas do país de “hoje”. Será relevante baixar impostos, melhorar os serviços públicos sem descontrolar as contas públicas, mas esses milhões todos de superavit fazem falta para a estabilidade social, bastando que alguém governasse. Deve-se projetar a redução da dívida mas é a 10, 20, 30 anos, não queremos corrigir os erros de décadas em 5 anos. Deve-se investir estrategicamente e o estado deve olhar o que faz falta ao setor empresarial e deve apoiar.
O estado é incompetente a gerar valor, é normal porque não é para isso que serve, deve apenas apoiar a iniciativa para que o valor se gere. O estado demasiado envolvido com os negócios em particular tende a correr mal. E depois temos de ser ambiciosos, pois aquilo que mais me causa desconforto é sermos com orgulho o país das PME e acharmos que é mau ter grandes empresas. As pessoas esquecem-se que são as grandes empresas que pagam melhores salários e as que mais inovam.
As micro empresas sobrevivem, as grandes vivem. Eu prefiro 10 “Auto Europas” em vez de ter 50 mil microempresas, com todo o respeito. É necessário investir e atrair investimento, baixar o IRC e se correr mal, volta- -se atrás, porque o certo é que não estamos a seguir o caminho adequado.
O mundo no séc. XX passou pela crise da Grande Depressão, a gripe espanhola e guerras mundiais. Neste século já enfrentamos a crise mundial de 2008 e a pandemia da Covid-19. Acredita que “a história não se repete mas rima” e estaremos prestes a assistir a uma Terceira Guerra Mundial?
Como avalia o panorama geopolítico internacional? Historicamente a guerra sempre foi algo comum. Houve apenas duas pequenas mudanças, especialmente no nosso caso – Europa, que permitiram criar, talvez, um dos períodos de paz mais generalizado de sempre nos últimos dois mil anos: a União Europeia, a impossibilidade material de fazer a guerra, através da integração europeia e, acima de tudo, por isso é que ela começou com o aço e com o carvão; e a Energia Nuclear, que dava a garantia, e aí bastante económico-matemática, quase em teoria de jogos, de destruição completa de ambos os lados de forma quase instantânea. A situação está a mudar. Se calhar por erros próprios do Ocidente, também, porque as esferas de poder sempre existiram e as instituições ocidentais não têm de ser impostas. Até pela sua própria definição e nós temos aqui um choque cultural bastante forte e um choque organizacional e de instituições bastante forte.
Houve um período em que o Ocidente dominava o mundo, mas hoje estamos num fenómeno de retrocesso, absolutamente. Isto vai ter impactos do ponto de vista do desenvolvimento económico: no caso português, eu até acho que a geopolítica nos traz benefícios imediatos, neste ponto de vista económico, porque se calhar alguns países que procuraram ter o bónus do offshoring e da globalização, já perceberam que com esse bónus vem um custo e, portanto vão olhar para os seus parceiros tradicionais.
E Portugal, pela sua posição, é um país mais do que “europeísta”, nós somos “atlanticistas”. Provavelmente vamos beneficiar deste processo de globalização, que já vinha a acontecer bem antes da pandemia. O mundo hoje em dia é um mundo muito mais polarizado: nós temos a Guerra da Ucrânia, que foi algo que correu extremamente mal, mas que, por outro lado, era algo expectável, não chocou verdadeiramente ninguém. Se olharmos de uma forma mais holística, porém, torna- -se cada vez mais complicado que o mundo adira a uma coisa tão simples como a Carta da ONU. Não é nada óbvio que, por exemplo, a Rússia olhe para a Carta das Nações Unidas e pense que aquilo seja para cumprir; se tiver oportunidades de invadir um país e esta invasão lhe trouxer benefícios económicos, a Rússia vai fazê-lo e vai ficar com esse país, num sentido imperialista. Nós (Portugal) também já fomos imperialistas.
A China vai fazer exatamente a mesma coisa, não tenhamos a menor das dúvidas, portanto, é um mundo cada vez mais perigoso. Honestamente, eu acho que não vamos chegar a ter uma Terceira Guerra Mundial. Agora, os blocos vão fortalecer-se e deles vão nascer muros. A partir daí, o mundo vai deixar de ser global, nós teremos de abandonar a ideia de que somos todos amigos e temos uma visão comum. Aliás, tudo isto foi uma construção que nós quisemos auto-impôr e acreditar, vinda em parte do sucesso do fim da II Guerra Mundial e do predomínio dos Estados Unidos da América (EUA). Os Estados Unidos que depois tiveram uma confrontação com a União Soviética (URSS), mas esta confrontação era relativamente civilizada, ou seja, eles não se “colocavam no quintal uns dos outros”: os EUA faziam o que queriam na sua área e a URSS fazia o que queria na área deles. Assim foi, mesmo na década de 80, e aqui na Europa nunca houve guerras com sentido imperial porque nunca houve uma Ucrânia que fosse capaz de resistir.
Em condições normais, a Ucrânia teria caído numa semana, nós chorávamos durante um mês e aquilo era russo, há dois anos. Desta vez só correu mal porque os russos foram incompetentes e não o conseguiram fazer, mas é preciso perceber que este tipo de processos vai acontecer cada vez mais. No caso português, a geografia beneficia-nos, talvez seja esta a nossa grande vantagem. Nós somos, como sempre fomos, alinhados com um lado, eu acho que nós não podemos esquecer quais são as nossas alianças estratégicas. Essa deve ser, na minha opinião, a nossa prioridade. Nós somos um Estado Nação há nove séculos, e há quatro ou cinco séculos que nos relacionamos de forma próxima com os mesmos e em momentos de aflição vamos bater à porta dos mesmos, não é agora que a coisa há de mudar.
Portanto, se tivermos que meter as nossas fichas vai ser no sítio do costume, diria eu. Se devemos ser os campeões da política externa? Não, não temos peso nem importância para isso. Podemos fazer alguma diplomacia mas, na minha ideia, nós beneficiamos mais em ser um construtor de pontes e ser um player relativamente moderado que percebe as mudanças e que tenta ser uma plataforma sobre a qual as partes falam. Não se espera, de todo, que os próximos anos e décadas sejam de paz. Há aqui confrontos crescentes e o mapa do mundo vai se formar de outras formas. No caso ucraniano, infelizmente, eles têm uma geografia difícil, estando ao lado de uma potência que é imperialista, e que aliás sempre foi. Ao contrário do que os polacos fizeram, ao correr e tentar proteger-se no outro hemisfério, os ucranianos mantiveram-se numa posição ambígua durante demasiado tempo e quando quiseram sair dessa já não era possível. Na altura da queda da União Soviética, talvez, se tivessem escolhido um lado de for ma mais determinante, provavelmente atualmente não estariam nesta situação. Estou a falar do caso da Ucrânia, como poderia falar de muitos outros, o caso da Georgia, da Moldávia, …. Há um conjunto de países cuja soberania não é nada certa, e não é nada óbvio, sejamos claros, que caiba à NATO ou ao Ocidente ir resolver esses assuntos. Historicamente, sempre houve esferas de influência e o mundo sempre esteve dividido desta forma.
A lei da força sempre foi o princípio basilar das relações entre os Estados: “Eu tenho mais força que o meu vizinho e tenho um incentivo enorme em entrar pelo seu país e chegar à capital, então entro com a expectativa que passem décadas ou séculos eles não se revoltem e que aquilo se consolide como nosso”. Foi assim que Portugal se fez. Maciel: Mas a Ucrânia não faz parte da NATO… Eu não estou à espera que a NATO entre na Ucrânia, sinceramente. Tal como não estou à espera que a Ucrânia entre na União Europeia nos próximos muitos anos. Aqui entre nós, eu acho que a Ucrânia nunca vai entrar na União Europeia, porque eu não vejo o destino da Ucrânia como questionável: é inevitável, que no longo prazo, a Rússia ganhe a guerra. É muito difícil estar a travar uma guerra por procuração, à distância; é muito difícil estar a travar um guerra entre um país que conta com 40 ou 50 milhões e outro que tem o triplo ou o quádruplo, que tem recursos acumulados e que está disposto a pagar o preço económico, por um lado, mas também disposto a viver mal para ganhar aquela guerra. Sejamos sinceros e claros, nós não estamos dispostos a viver mal para defender a Ucrânia, não estamos.
No dia em que a escolha for defender a Ucrânia ou viver mal, o que acontecerá é: a Ucrânia é entregue à Rússia com uma nota em letras maiúsculas de que existe uma fronteira bem delineada. Isto foi, aliás, o que aconteceu, antes da Segunda Guerra Mundial. Atualmente, para a Rússia invadir um país da NATO haveria duas hipóteses, em que ambas acabariam com a Rússia a ser completamente destruída: numa guerra convencional, os russos seriam destruídos; numa guerra atómica também, só que seriam os dois lados; os russos não têm exército para combater a NATO nem tão pouco para combater os EUA, materialmente. Agora, no que diz respeito à Ucrânia, nós vamos, muito provavelmente, ter um acordo de paz qualquer, em que alguma coisa do país sobreviverá. Não acredito que a Ucrânia caia como um todo, porque os russos não têm essa capacidade, por enquanto. No longo prazo, a Rússia tomará a Ucrânia, tal como acontecerá com a China o fará com Taiwan (e esta última só não fica com o Japão porque os japoneses e os chineses têm uma história económica que os separa e, também, o mar no seu meio; ser uma ilha tem as suas vantagens). Taiwan é uma ilha demasiado pequena para sobreviver a um conflito com a China, é só uma questão de tempo. Os chineses fazem o jogo mais longo, esperam desestabilizar o regime e, depois, o momento em que o regime cai para o lado deles. Depois disso, simplesmente acaba Taiwan, e volta a ser, como nunca deixou de ser inteiramente, território chinês. No caso ucraniano, isto até poderia ter acontecido, mas a Rússia, ao longo dos anos tem se mostrado incompetente e, agora, com este golpe mais óbvio, utilizando a força bruta demonstrou-o, uma vez mais, mas é, também, apenas uma questão de tempo até à conquista de uma parte relevante do território ucraniano.
Eu não sou muito otimista, nas relações internacionais, eu acho que o melhor guião é ser pragmático. Obviamente, todos nós defendemos os direitos humanos e, por isso é que eu digo que prefiro um milhão de vezes viver no Ocidente do que noutro sítio qualquer, mas o mundo não é só o Ocidente. Os russos têm força, têm vontade. Se nós olharmos para a nossa história, também o fizemos no passado, também subjugámos os povos, à luz da carta dos Direitos Humanos. Se olharmos, por exemplo, para o caso israelita, este é um caso muito complexo. Também não nos podemos esquecer que os americanos entraram por um país adentro, despedaçaram tudo, alegando que eles tinham armas nucleares e afinal não tinham nada. Fizeram-no porque era necessário para eles arranjar um inimigo externo. As potências cometem erros! Às vezes nem são erros, é intencional: é isto que nós queremos fazer, exercer o nosso poder.
“O problema não é apenas salários, não começa em salários, não termina em salários.” Os jovens emigram para países às vezes com menos Estado Social ou que nem usufruem do Estado Social. Se não começa nos salários, então começa por onde?
Esta é uma questão de projeto de vida, quando eu disse que não começa em salários e não termina em salários foi porque as pessoas muitas vezes acham que se eu chegar ao pé de vocês e vos aumentar o salário em 20% vocês deixam de emigrar e está tudo resolvido, mas não está.
Porque hoje em dia, na minha opinião, para manter ou atrair as novas gerações a ficarem no país é preciso mais do que salários, é preciso um propósito, um projeto interessante, eu até hoje posso não pagar tão bem, mas se vos der um projeto interessante, que seja cativante a nível profissional e pessoal, algo transformador, seja algo com o impacto social e profissional se calhar ficam, se vos contratar para tirar cafés, porque acho que vocês são puramente desqualificados, até vos posso pagar bem, mas estou a convidar-vos para irem embora. Eu já tive empregos extremamente bem remunerados, mas não fazia basicamente nada, e exerci durante pouco tempo, ou seja, quando digo que não começa e não acaba nos salários, digo porque não se trata exclusivamente de dinheiro, de bens materiais.
Tem de haver habitações, cidades que sejam apelativas para se morar lá, tem de haver medidas políticas que encorajem as famílias a terem filhos, a possibilidade de equilibrar a vida pessoal e profissional, terem um tecido empresarial que os acolha e valorize, ter um desenvolvimento de carreira constante, ter verdadeiramente um país que se esteja a construir todos os dias. A realidade é que as diferentes gerações têm objetivos diferentes, a geração que “criou” a democracia não vivia melhor que esta, vivia mal, mas tinha aspirações, e fizeram as décadas seguintes. Temos sido governados com um foco nos últimos 50 anos, mas se perguntarmos a um político como vão ser, ou quais são os planos para os próximos 50 anos ninguém sabe responder, é uma pergunta em aberto.
Nenhum dos últimos primeiros ministros mencionou os seus planos para o futuro, estão sempre focados no passado. Até já houve tentativas de medidas para manter os jovens no nosso país, como o IRS jovem, para que paguem apenas um terço das taxas sobre os salários até aos 35 anos, mas chega para manter os jovens cá? Não chega. Se o governo tem capacidade para tornar o país apelativo para os jovens? Não. Pode contribuir, mas não tem a capacidade para o fazer sozinho, todo o tecido empresarial também tem de mudar. Nós já temos centros de excelência, mas há mais a mudar.
Em 2013 a sua tese de mestrado teve o título “The sources of the union wage gap” Como considera que esta diferença salarial tem evoluído desde que realizou a sua tese, principalmente no que diz respeito à descriminação por género?
Quanto às diferenças sindicais julgo que esteja mais ou menos igual. O desaparecimento dos sindicatos e o desenvolvimento de movimentos inorgânicos foi fomentado por erros de perceção económica ao longo dos anos. Hoje em dia mais discutidos, tivemos por exemplo, o presidente dos Estados Unidos, ou a comissão europeia, a falarem sobre isso e sobre a importância do equilíbrio a relação laboral porque as empresas tornaram capazes de explorar poder monopsónio, como por exemplo, ainda recentemente havia empresas da nossa esfera pública, que estabeleciam acordos para não contratarem funcionários das empresas envolvidas, para não terem de subir salários, se calhar ainda existem, o que é vergonhoso.
Isso leva a que as áreas mais desprotegidas do mercado de trabalho, porque não têm sindicatos, acabem por ter salários mais baixos, e aliás, várias destas empresas necessitaram de subir salários porque já não conseguiam contratar trabalhadores, ou contratavam por períodos curtos, de um ano, ou ano e meio e as pessoas eventualmente saíam da empresa. No que diz respeito à desigualdade de género, não, não temos feito suficiente, mas não é apenas uma questão de fazer o suficiente, porque agora os problemas são sérios. Resolver os problemas de descriminação é relativamente fácil, o problema é resolver a desigualdade e uma coisa não é igual à outra.
O que acontece é, um empregador que paga menos a mulheres, porque são mulheres, que são as situações antigas, é fácil de combater, e nós temos feito pouco, porque quando se acaba com a transparência salarial, e quando se anda a esconder salários, é mais difícil de perceber se as pessoas estão a ser pagas a um preço justo. Portugal fez um retrocesso, durante muitos anos tivemos os quadros do pessoal, ainda hoje existem, mas não são públicos. Antes, os trabalhadores tinham direito a ver as folhas salariais que eram praticadas dentro da empresa, e não vejo problema nenhum com isto. Lembro-me de um diretor de recursos humanos de um organismo público, se ter enganado e enviar um pdf com todas as folhas salariais de todos os trabalhadores, a todos os trabalhadores, e ter surgido uma enorme confusão na empresa. Se toda a gente soubesse destes salários desde o início, talvez houvessem decisões remuneratórias que não teriam sido feitas. Nesta faculdade, há uma transparência salarial quase absoluta.
Depois, a diferença salarial entre homens e mulheres hoje em dia vem de outras coisas que são muito mais difíceis, como, por exemplo, da maternidade, ou seja, enquanto não formos capazes de fazer pela nossa organização social, que as mulheres não assumam o custo quase sozinhas, como antigamente, das crianças e da maternidade, invés de ser parentalidade, hoje em dia ainda é maternidade, há custos para as suas carreiras. Por isso é que por vezes nos perguntamos porquê que as mulheres não assumem tantos cargos de liderança, ou porque não têm maior progressão de carreira. Esses custos existem e justificam uma parte muito substancial das desigualdades salariais e isto não é fácil de resolver, porque não é andar em busca de bandidos, mas qual é a alternativa? Não termos crianças? Temos de nivelar um plano social biologicamente inclinado, que, a este ritmo, vai levar para aí 150 anos a ser implantado.
Tivemos um grande ganho na parte da discriminação, tivemos um avanço no que diz respeito aos homens não serem donos das mulheres, mas estamos a chegar ao passo seguinte, que é complicado e necessita de uma abordagem diferente, que preencha dois requisitos, a pensar na política da segurança social deste país, é necessário mais crianças, e garantir uma igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, que ainda não temos. Não somos dos piores, mas temos de melhorar.
Uma sociedade cada vez mais polarizada em Portugal e que segue uma tendência europeia, quais os riscos associados? Onde anda o Centro? O que está a falhar?
É cada vez mais difícil o exercício da moderação. Na minha opinião, o problema é que os extremos são quase como os pólos físicos: quando um extremo se extrema, o outro extrema-se também. Infelizmente, aquilo que a história europeia e ocidental nos diz é que quando a Extrema-Esquerda e a Extrema-Direita entram em confronto, a Direita ganha na esmagadora maioria das vezes.
Muitas vezes, o problema é que quando nos impomos num exercício, queremos ser demasiado progressistas, andar mais rápido do que podemos, corremos o risco de perdemos a sociedade. Nos nossos regimes, e em qualquer um, quando as lideranças perderam a sociedade, deixou de haver, na sua verdade, regime. Há depois uma revolução e surge uma outra coisa, nova, que vem após a queda do regime anterior.
Nós (Portugal) ainda não estamos aí mas não podemos ter, de forma tão marcada, lideranças “moucas”, que não ouvem, não percebem e que, no fundo, não querem compreender. O resultado destas eleições merece uma profunda reflexão! Nós estamos a fazer o “caminho comum”: num primeiro momento, negamos, achamos que somos uma ilha, vemos os movimentos de direita a avançar pela Europa inteira e pensamos “Isto a nós não nos há de chegar!” Entretanto, olhamos para o panorama eleitoral atual e já pensamos que isto não é tão irrealista quanto isso. Percebemos então que termos um partido de Extrema-Direita a ganhar as eleições e um Primeiro- -Ministro chamado André Ventura, pode estar apenas a uma eleição de distância, dependente da performance do atual Governo. Em grande medida isto é auto infligido.
É verdade que as lideranças devem ter ambição, tanto que às vezes informam a sociedade e fazem-na habituar-se a algo que é bom para elas próprias, mas não é muito democrata quando impomos algo que não represente o espírito social. Em particular, nestas eleições, o movimento de queda da abstenção muito substancial que houve e o facto de muitas pessoas saírem do seu sofá, pessoas estas que já não votavam há muito tempo, para votar Extrema-Direita (embora não tenha visto os números de forma concreta, este parece ser o panorama geral) deve ser ouvido, estas pessoas devem ser ouvidas, valem tanto como qualquer um.