Opinião de Maciel Sacramento
Também incluído no FEPIANO 51, publicado em Maio de 2024
O maior problema estrutural de Portugal a ser projetado nas próximas décadas é a sustentabilidade demográfica. O envelhecimento da população, a diminuição da taxa da natalidade e a elevada emigração de jovens qualificados. Existe solução?
Desde o período do Condado Portucalense até 1297, quando Portugal estabilizou finalmente as fronteiras, e mesmo na Era dos Descobrimentos, um período de ouro, o país nunca se destacou pela sua densidade demográfica, nem nunca teve uma vastidão territorial se pensarmos apenas nas suas fronteiras. O país europeu com as fronteiras mais antigas e que sempre foi palco de grandes feitos mundiais, mas que, em termos de população, nunca foi algo exorbitante para as suas dimensões.
Embora não haja nada intrinsecamente negativo em ser um país de dimensões modestas, a mudança demográfica coloca desafios que exigem atenção e planeamento cuidadoso para garantir a sustentabilidade e o progresso contínuo de Portugal. No entanto, ao longo das últimas décadas, surge uma preocupação crescente à medida que a pirâmide etária começa a inverter-se.
Desta forma, Portugal enfrenta uma série de desafios demográficos que têm implicações profundas em várias áreas da sociedade. A baixa taxa de natalidade é uma das principais causas desses problemas, refletindo-se na diminuição da população jovem e no envelhecimento da população. Fatores como a instabilidade económica e o aumento da idade média para o primeiro filho contribuem para esta tendência preocupante. Consequentemente, o país enfrenta o desafio do envelhecimento populacional, o que coloca pressão sobre os sistemas de saúde e de segurança social.
Em média, os jovens portugueses saem da casa dos pais aos 34 anos e um em cada três já optou por emigrar. Além disso, Portugal ocupa o quarto lugar entre os países da União Europeia com maior esforço fiscal, ao passo que o PIB per capita está entre os mais baixos, sendo ultrapassado por nações do leste europeu que até há pouco tempo estavam sob a cortina de ferro. Estes são apenas alguns dados que desincentivam qualquer jovem a construir família, num país com um enorme legado, mas que tanta dificuldade oferece às suas gentes.
Por outra perspetiva, alguns especialistas afirmam que a imigração é uma possível solução para os problemas demográficos. Por um lado, a imigração legal e planeada pode trazer benefícios económicos e culturais para o país, revitalizando a força de trabalho e promovendo a diversidade. Não obstante, a gestão adequada da imigração é essencial para maximizar os benefícios e minimizar os custos associados à chegada de novos residentes. Notemos, por exemplo, que existe muita falta de mão de obra em certos setores de atividade, muitas vezes trabalhos desonrosos, mas que são em boa medida o sustento da segurança social, de forma a garantir as pensões. No entanto, a entrada descontrolada de imigrantes pode sobrecarregar os serviços públicos e criar tensões sociais.
Dados do Pordata revelam que o número de estrangeiros em Portugal duplicou, ao longo de uma década. Alarmantemente, um em cada três estrangeiros no país enfrenta o risco de pobreza. Além disso, as redes de tráfico humano e a imigração ilegal também representam desafios significativos, em que os governantes não podem limitar-se a “assobiar para o lado”. Apesar de Portugal ter uma longa história de imigração e embora possa continuar a beneficiar-se dela, é crucial ponderar sobre a importância de critérios de entrada. Existe o risco de Portugal se tornar um país que se nivelará por baixo, onde a entrada de mão de obra barata prevalece em detrimento da saída de jovens qualificados.
“A entrada de mão de obra barata prevalece em detrimento da saída de jovens qualificados”
Será que os imigrantes de culturas onde há tendência a ter muitos filhos irão manter esses ideais em Portugal? Existirá espaço e recursos para acolher a todos de maneira equitativa, tendo em conta que é necessário investimento na adaptação destes? Os portugueses não deveriam ser prioridade no país? Ou haverá espaço para todos? Portugal deve ter as portas escancaradas ou deve exigir um contrato de trabalho e meios de subsistência? Isto são apenas algumas perguntas que devem ser tidas em conta.
Além das questões demográficas, Portugal também enfrenta desafios no campo das relações familiares. O número de divórcios tem aumentado ao longo dos anos, refletindo mudanças nas dinâmicas sociais e culturais. A falta de apoio ao casamento e à resolução de conflitos conjugais pode contribuir para a instabilidade familiar e, por sua vez, afetar a saúde demográfica do país.
Segundo dados do Pordata, verificou-se um aumento significativo do número de divórcios, ao longo das últimas décadas. Em 2020, mesmo sendo um ano atípico, para cada 100 casamentos registados, ocorreram 91 divórcios. Embora em 2022 esse número tenha sido reduzido pela metade, permanece um valor consideravelmente alto. De facto, a quantidade de casamentos não indica necessariamente um aumento na taxa de natalidade, mas é sabido que uma relação estável entre os cônjuges, geralmente, promove um ambiente mais propício para a decisão de ter filhos. Além disso, crianças criadas num ambiente familiar estável tendem a ter um desempenho académico melhor.
Adicionalmente, salários inadequados, falta de planeamento para o futuro e pouca literacia financeira surgem como elementos cruciais na compreensão e na resolução dos problemas demográficos em Portugal. A falta de educação financeira pode desencadear stress económico nos casais, aumentando a probabilidade de conflitos e divórcios. Além disso, a incapacidade de gerir eficazmente as finanças pessoais pode desencorajar os casais de terem filhos, exacerbando ainda mais os problemas demográficos do país.
Segundo uma notícia do ECO publicada em dezembro de 2023, Portugal é o segundo país da União Europeia com os piores níveis de literacia financeira, ainda que tenha registado melhorias muito pouco significativas nos últimos três anos. Todavia, se compararmos ao ano de 2016, o país terá recuado nos índices. Embora o governo tente desculpabilizar estes resultados com o facto de este tema já estar inserido nos programas escolares, é, no entanto, claramente insuficiente e é necessário um maior investimento. São muitos os jovens e adultos que não sabem sequer o poder da inflação, distinguir taxa de juros nominais e efetivas ou até saber como funcionam os escalões de IRS.
Como é suposto um jovem, após mais de uma década no ensino, tentar entrar no mercado de trabalho e não ter os mínimos conhecimentos nesta área? Talvez seja precisamente por vontade própria, dado que populações mais letradas no foro económico tendem a ter mais espírito crítico e poder de decisão, por exemplo, aquando da escolha dos novos governos. Ou é talvez uma forma de as elites tentarem manter o poder, a oligarquia e a cleptocracia, que tanto tem dominado Portugal nas últimas décadas.
“Uma forma de as elites tentarem manter o poder, a oligarquia e a cleptocracia”
Em suma, os desafios demográficos em Portugal estão interligados com questões relacionadas com as baixas condições económicas, bem como fatores mais externos, como a imigração, os divórcios e a literacia financeira. A discussão destes problemas requer uma abordagem holística e coordenada, que leve em consideração os diversos fatores envolvidos. Assim, ao enfrentar esses desafios de forma proativa e colaborativa, Portugal pode construir um futuro mais próspero e resiliente para as gerações vindouras.
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