Já é sabido que, em todos os filmes de Tarantino, o tema cinema premeia a sua narrativa. No entanto, em Era uma vez em Hollywood, essa obsessão é uma premissa. Já desde o primeiro segundo de exibição, o filme escancara o amor do diretor pelo cinema. Esta obra de metalinguagem está longe de ser o filme mais redondo de Tarantino, mas chega a ser bonito ver um cineasta a colocar na tela todas as referências que admira, sem se preocupar com um caminho linear, tanto no enredo, quanto na imagem. Fica claro que as diferentes nuances de fotografias, qualidade de imagem, trilhas e maneiras de contar uma história que foram usadas por Tarantino seguiram somente uma regra: aquilo que ele sempre amou em ver na tela do cinema.

Era uma vez em Hollywood desenrola-se no final dos anos 60. Ironicamente, momento em que Hollywood passava uma crise. As pessoas não queriam ver no cinema o Western Americano da época de ouro hollywoodiana. Além disso, a TV estava a ganhar força com as suas séries. É nesse contexto que Tarantino conta a história do seu anti-herói e seu duplo. Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é um ator que fez a sua carreira na época dourada de Hollywood, representando sempre o macho alfa do Western americano, e que, face às mudanças do mercado, vê sua carreira em plena derrocada. Dalton, junto do seu fiel duplo Cliff Both (Brad Pitt), protagonizam diálogos a la Tarantino sobre esse mundo em plena mudança. DiCaprio interpreta de forma hábil a sua personagem, conferindo-lhe uma certa dicotomia entre o seu lado hilariante e o triste desespero de um ator acostumado ao sucesso e que, agora, o perdeu. Brad Pitt empresta todo o seu charme e carisma ao seu papel, que mais parece um espectador calmo e silencioso de tudo que está a passar no mundo. A sua personagem deixa a mensagem clara de que todos nós somos um pouco descartáveis.

Algo que é importante saber: Tarantino mescla a sua história com um dos acontecimentos mais arrepiantes da época. Quem não conhece Sharon Tate e a família Manson provavelmente não irá perceber a mensagem real do filme; mas calma! A história é famosa e 30 minutos na Wikpédia são mais que suficientes.

Sharon Tate foi brutalmente assassinada enquanto grávida de nove meses na sua mansão em Bel Air. Casada com Roman Polanski, o casal representava a nova cara do cinema hollywoodiano, que estava em busca de uma nova linguagem. Sharon era a representação de liberdade dos anos 60. Tarantino acerta e faz uma homenagem a essa mulher tão cativante da época. Margot Robbie interpreta com maestria uma Sharon doce, suave, com olhares eletrizantes.

Não é por acaso que Tarantino junta num mesmo filme essas duas histórias. Ambas representam o fim de uma época. A derrocada da personagem de DiCaprio representa o fim da época onde tudo era brilho e glamour no cinema. A morte de Sharon Tate representa o fim da inocente mensagem de paz e amor da cultura Hippie. Tarantino, no seu nono filme, o penúltimo segundo ele, demonstra uma saudade, uma saudade daquilo que ele não passou, mas ouviu falar; visto que em 1969 tinha apenas 6 anos. O filme não deixa de ser “tarantinesco”, mas apresenta uma certa melancolia. Talvez a melancolia de um grande cineasta que tanto deu o que falar com Pulp Fiction e Kill Bill e que, agora, sente que seu tempo está a passar. Viva Tarantino sempre!