Conduzida por Clara dos Reis, Duarte Brito e Gonçalo Pé D'Arca
Com o apoio de João Tavares
Também incluída no FEPIANO 38, publicado em Outubro de 2019
A Betmarkets está a desenvolver uma plataforma digital que permite a qualquer pessoa investir em apostas desportivas através da replicação automática de apostadores profissionais. Esta startup, criada por Afonso Vieira, um dos fundadores do Fepiano, venceu o prémio de Most Favourited Startup no Web Summit 2018, e já conta com mais de 6.000 utilizadores ativos.
Onde começou a história da Betmarkets?
É uma pergunta difícil. O meu gosto pelo desporto, por probabilidades, e por investimentos é já bastante antigo. Ainda assim, foi na FEP que, em conjunto com o Alexandre, “criamos” o FID, Fundo de Investimento Desportivo. Tinha um nome giro, parece profissional, mas não passava dum fundo informal em que os nossos amigos podiam comprar UP’s – unidades de participação – e tomar conhecimento da sua valorização diária através dum grupo no Facebook. Estamos a falar de meados de 2014. O FID esteve ativo durante cerca de 2 anos, mas cedo apercebemo-nos que o mercado das apostas desportivas é mais complexo do que parece, com muitas semelhanças face aos mercados financeiros, e que, para sermos bem-sucedidos, teríamos de encontrar traders – ou apostadores profissionais – que se dedicassem, em exclusivo, à procura de apostas de valor (apostas onde há uma falha de mercado, isto é, onde os ganhos sobrevalorizam a probabilidade dum acontecimento). Olhando para trás, penso que podemos dizer que criamos uma espécie de fundo de investimento marketplace, onde apenas necessitávamos de captar investimento e aplicá-lo onde os apostadores profissionais sugerissem. Para rematar, diria que foi a experiência a gerir o FID que me deu a validação necessária e os pain points para criar a Betmarkets, daí tudo ter começado na FEP.
O mercado das apostas desportivas tem os ingredientes necessários para ser um mercado de investimento
Como é que se deu a transição do FID para a Betmarkets?
Nós começamos o FID pela vontade de fazer algo diferente. Os resultados foram bastante encorajadores e validaram as nossas presunções de que o mercado das apostas desportivas tem os ingredientes necessários para ser um mercado de investimento: é líquido, tem diversidade, e algumas ineficiências. O momento zero da Betmarkets terá sido algures em 2016, altura em que tinha de decidir o tema da minha tese de mestrado na Nova SBE, que teria de estar relacionada com empreendedorismo. A escolha foi óbvia assim que falei da minha experiência com o FID ao meu futuro mentor da tese, o Miguel Muñoz Duarte. Em 25 páginas, utilizei a framework Business Model Canvas para pensar, considerar e desenhar aquele que seria o modelo de negócio duma plataforma que fizesse, de forma automática, aquilo que fazíamos no FID: uma plataforma onde o utilizador final pudesse ver os perfis dos apostadores profissionais, selecionar quais queria “seguir”, e ter as apostas colocadas assim que estes as sugerissem.
Esta empresa é bastante recente, não tendo sequer completado os 2 anos de vida. Quais são os desafios que desenvolver uma plataforma online traz? Quais as vantagens e desvantagens?
Estamos a falar duma plataforma intensiva a nível tecnológico – não é algo que alguém consiga desenvolver em WordPress ou noutras plataformas que facilitam o desenvolvimento de websites e apps. O passo óbvio, que prossegui, foi falar com amigos que percebessem de programação e “vender-lhes o meu peixe” para que se juntassem à equipa, a custo zero. Algures no final de 2016, convenci um antigo colega do 12.º ano a começar a desenvolver a plataforma; pouco avançou num mês e a vontade de continuar no projeto desvaneceu. Pensei que a minha aventura no empreendedorismo teria ficado por aí, até que, em janeiro de 2017, semanas após defender a tese, convenci outro amigo, que já trabalhava como programador; passadas duas semanas, disse-me que não conseguia conjugar a sua situação profissional com o nosso projeto. Para mim, o negócio que projetei na tese de mestrado morreu aí. O meu percurso académico terminara, não tinha dinheiro para contratar um programador, pelo que optei por começar a trabalhar na empresa da minha família. Num daqueles dias em que acordamos e pensamos “que se lixe, tenho de tentar”, em meados de junho de 2017, registei-me em várias plataformas de cofundadores e enviei dezenas de mensagens a quem tinha perfis tecnológicos. Acabei por receber uma resposta, dum freelancer lisboeta que tinha acabado de criar a sua própria empresa de desenvolvimento de plataformas digitais. Depois de discutirmos todas as necessidades de desenvolvimento, assinamos um contrato para desenvolver uma primeira versão da plataforma em 6 meses.
O grosso do nosso trabalho, e o que mais valor tem trazido, passa pela simplificação da ideia inicial
A Betmarkets tem apoio de entidades investidoras, nomeadamente a Shilling Capital Partners e o programa Zero Gravity Acceleration (criado pela Nova SBE). Como surgiram estas parcerias e qual o output de cada uma para a empresa?
Com os primeiros passos a serem dados a nível de desenvolvimento do produto, foi necessário começar a estudar os trâmites legais desta ideia. Estamos a falar dum produto que, não se enquadrando nos moldes habituais dum website de apostas desportivas, tem uma ligação óbvia com as mesmas, ao mesmo tempo que pode estar relacionado com os regulamentos financeiros. O David, um dos meus melhores amigos, que estava a terminar o curso de Direito, deu-me uma boa ajuda numa primeira fase de contactos com instituições reguladoras e advogados locais. Consideramos, desde logo, que seria praticamente impossível estabelecer este produto em Portugal. Desenhando uma roadmap legal onde os custos excediam, em grande escala, aquilo que podia pagar, tive de começar a minha primeira procura por capital externo.
De todas as pessoas que conhecia, creio que a única que realmente tinha alguma experiência nesta matéria seria o meu mentor da tese de mestrado. Falei com o Miguel e tive sorte: a Nova SBE estava a criar o seu próprio programa de aceleração – Zero Gravity Acceleration –, sob a alçada do próprio Miguel, que iria investir 40.000€ em 10 startups. Fiz a candidatura em outubro de 2017 e, no início de janeiro de 2018, chegou-nos a boa notícia de que tínhamos sido selecionados e iríamos receber os 40.000€. Esse foi um daqueles dias em que nos deitamos à noite e parece que estamos a deitar-nos nas nuvens. No entanto, no dia seguinte, o freelancer, que deveria entregar a primeira versão da plataforma dentro de um par de semanas, disse-me que não o iria fazer, e que ia parar de trabalhar no seu desenvolvimento. Tão rápido se vai às nuvens, como se cai num buraco. Com os 40.000€ assegurados, assim que o freelancer me comunicou a sua decisão, não tinha outra alternativa senão considerar a contratação dum primeiro programador a tempo inteiro. Através do LinkedIn, enviei dezenas de mensagens a pessoas que me pareciam adequadas, e obtive duas respostas. Não me recordo ao certo, mas o João, a primeira contratação da Betmarkets, que ainda hoje trabalha connosco, foi contratado num ou dois dias.
Tão rápido se vai às nuvens, como se cai num buraco
Em março, lançámos uma primeira versão beta da plataforma e, em maio, contratámos um segundo programador, o Tadeu, que ainda hoje trabalha connosco. Com a plataforma desenvolvida, tínhamos de resolver as questões legais para começar a aceitar depósitos dos clientes e, novamente, fomos bafejados pela sorte: o Manuel Sena, cofundador da Weeel, meu mentor através do programa de aceleração, revelou-se um grande amigo, sem me conhecer previamente, e ajudou-nos, em dois momentos, sem esperar qualquer contrapartida. Em primeiro lugar, introduziu-nos a um dos melhores escritórios de advocacia em Portugal, que nos ajudou a definir uma roadmap mais clara sobre os aspetos que teríamos de resolver para “legalizar” o nosso negócio. Quando nos apercebemos de que necessitaríamos de mais fundos para fazer face a estes custos, teve um papel muito relevante na ronda de financiamento de 150.000€ que fizemos com a Shilling Capital Partners, em agosto de 2018. A Shilling investiu em startups como a Uniplaces, a Unbabel e a Zaask e, hoje, coloca-nos em contacto com praticamente quem nós quisermos e/ou precisarmos. Estamos, agora, um ano depois, a entrar em processo de licenciamento, enquanto implementamos uma forma provisória para começar a operar enquanto não temos a nossa própria licença.
Como foram os últimos 12 meses fora questões legais?
Embora os sucessivos atrasos nos estejam a fazer “perder tempo”, temos sorte de poder ter no ar uma versão da plataforma praticamente igual à versão final da mesma, em que a única diferença reside na utilização de dinheiro virtual ao invés de depósitos reais. Tendo isto em conta, estamos a trabalhar exatamente como se a parte legal não estivesse em falta: testamos táticas e estratégias de aquisição da forma menos custosa e mais rápida possível, e iteramos a plataforma com base no feedback que recolhemos dos utilizadores que já usam a plataforma. Para além do nosso produto ser bastante simples, também podemos basear-nos em plataformas semelhantes como a eToro para fazer benchmark, mas, curiosamente, ao longo destes últimos 12 meses, o grosso do nosso trabalho, e o que mais valor tem trazido, passa pela simplificação da ideia inicial. Não considero que tenhamos colocado a “carroça à frente dos bois” quando começamos a desenvolver a ideia, mas, pelo que nos apercebemos ao estudar o utilizador, quanto menos funcionalidades a plataforma tiver e mais clara for, melhor é o resultado final para todos. Em termos de conferências e prémios, exibimos no Web Summit em 2018, onde fomos uma das três startups que mais encontros teve com investidores durante o último dia da conferência, para além de termos sido finalistas no evento Startup Avalanche, da Techsylvania, em Cluj, na Roménia, e no Startup Launchpad, da iGB Live, em Amsterdão, na Holanda. De 17 a 19 de setembro, estivemos na conferência Betting on Sports, em Londres, e no início de novembro voltaremos ao Web Summit, desta vez como startup de categoria Beta. Relativamente à equipa, de 3 elementos passamos para 5, com as contratações do André, que é, agora, meu cofundador, e da Gaya, que integra a equipa para se dedicar à experiência de utilizador.
Seria praticamente impossível estabelecer este produto em Portugal
Como foi a tua experiência no programa de aceleração?
Recomendo vivamente a qualquer empreendedor passar por um programa de aceleração. Tanto a minha licenciatura como o meu mestrado foram feitos na área de gestão, sabendo que queria estar ligado ao mundo empresarial, mas a aprendizagem em nada se comparou com os seis meses em que estive no programa de aceleração. Estamos a falar de seis meses onde, todas as semanas, conhecia dezenas de pessoas que já tinham passado por diversas experiências similares àquelas que eu enfrentava ou estava prestes a enfrentar, onde partilhei escritório, todos os dias, com outras equipas fundadoras, cada uma com a sua experiência e ambição, e onde tive acesso a uma rede de mentores que se afirmou de grande relevância. Se há algo que aprendi no programa de aceleração, é que o nosso sucesso depende das pessoas que conhecemos e que estão disponíveis para nos ajudar.
Que conselho darias a alguém que esteja a criar a sua startup?
Ler e falar. Por outras palavras, aprender. Não é à toa que temos, na Betmarkets, uma mini estante com alguns livros. Estar familiarizado com o conceito Lean também é fundamental: estar preparado para ser ágil, fazer microexperiências e iterar com frequência é necessário para qualquer projeto. Fazer coisas que não escalam, resolver problemas relevantes, executar pequeno enquanto se pensa grande, aprender com quem já passou por experiências semelhantes são alguns conselhos que daria a qualquer aspirante a startup founder. Mais importante ainda, rodear-se de pessoas capazes e em quem confie a 100%.
O nosso sucesso depende das pessoas que conhecemos e que estão disponíveis para nos ajudar
E ao estudante Fepiano?
Embora ainda tenha 25 anos, parece que a minha passagem pela FEP foi noutra vida. Fiz parte da AEFEP, criei o jornal Fepiano e joguei nas seleções de futebol da FEP e de ténis da UP, enquanto treinava e jogava no circuito internacional de ténis. O meu conselho irá sempre nesse sentido: aproveitem para fazer muitas coisas, diferentes. Principalmente coisas que gostem. E não atirem a toalha ao chão à primeira, nem à segunda: se não tivesse sido rejeitado para a FJC ou para o FICT, provavelmente não teria criado o jornal Fepiano, pertencido à AEFEP, e jogado ténis. Se uma das potenciais experiências interessantes passar por um estágio numa startup, estamos a recrutar duas pessoas (tempo parcial, posição remunerada, sem experiência necessária) para se focarem em métricas de crescimento na Betmarkets – podem contactar-me através do email afonso@betmarkets.io.