Um dos mais conhecidos e acarinhados professores da FEP, Filipe Grilo deixou uma grande marca na faculdade, pelo seu método de ensino inovador, a sua paixão pelo estudo da Economia e pelas revolucionárias aulas digitais que disponibilizou aos alunos. Contudo, além de professor, Filipe Grilo é também um empreendedor. É Head of Simulation and Forecasting na Watson & Noble, startup em que ingressou depois de terminar a licenciatura. Nesta entrevista, fala-nos um pouco mais sobre si: o seu percurso na FEP, a sua experiência enquanto professor, bem como a sua aventura de empreendedorismo.

O que o fez escolher a licenciatura em Economia, e em particular, porquê na FEP?

A parte da Economia é muito simples – eu já queria Economia desde o oitavo ano. Isto é uma coisa muito rara e eu sei o que é a sorte em ter sentido isto. Tive diferentes fases de conceção sobre o que é a Economia. No oitavo ano, quis Economia porque adorava matemática e detestava ciências. Não tinha ninguém da área na minha família, e, portanto, foi estranho, foi quase um chamamento, que eu não consigo explicar. Porquê a FEP? Sou de Gaia – a FEP era uma escolha óbvia, quer pela proximidade, quer pela reputação que tem a nível nacional no ensino da Economia.

Pegando ainda na questão da “conceção” da Economia – tinha uma conceção no oitavo, completamente diferente da que tinha no secundário. Entro na licenciatura e volta a mudar. Entro no doutoramento e a conceção muda outra vez. O que é a Economia, acredito, vai mudando consoante a maturidade da pessoa. Mas, cada vez que avanço mais no seu estudo, mais confirmação tenho de que, de facto, é a minha área de eleição.

O que é a Economia, acredito, vai mudando consoante a maturidade da pessoa

O que sente que mudou nos 12 anos que passaram desde a sua entrada na FEP, no plano de ensino da Economia e Gestão? Acha que a globalização, a crise económica de 2007-2008 e outros fenómenos tiveram algum impacto na maneira como a Economia e a Gestão são ensinadas?

A parte final de Macro II, em Gestão, são as Políticas não Convencionais. Trata-se de algo tão único e tão recente que tivemos de o incluir no plano de estudos. Se é suficiente? Não sei…até porque isto é tão experimental que a única coisa que podemos dar é “o que aconteceu”. Nós não sabemos as consequências. Nós ainda estamos muito neste campo experimental. Não se esqueçam que o que damos em Macro é teoria de 1930/40, e depois vamos até 70. Estes modelos já foram ensinados, testados, modificados…, mas a política não convencional foi há 10 anos. Atualmente, a grande questão é “o que é a normalização da política monetária?”. O que é o novo “normal” desta política?

Bolonha provocou algumas alterações. Entrei no início do processo de Bolonha, que ainda não estava finalizado – aconteceu quando passei do primeiro para o segundo ano, onde acabei por ter 7 cadeiras. Antigamente, a grande vantagem comparativa que as pessoas da FEP gostavam de afirmar ter era que o curso de Economia tinha várias cadeiras de Gestão, e Gestão tinha várias cadeiras de Economia. Existia algo que era híbrido. Se isso é bom ou não é muito relativo, e depende sempre do aluno. Continuo a achar que a maior parte das pessoas que vai para Economia vai “enganada”, porque, lá está, a tal conceção muda quando se chega ao ensino superior e, portanto, as tais cadeiras de gestão eram boas para amortizar esta diferença de conceção. Para aqueles que realmente gostam da área, ter um curso mais focado na Economia acabaria por ser melhor.

Pegando um bocadinho nisso que referiu, o que quer dizer com “pessoas que não gostam da Economia”? Há uma relação entre esta preferência e, por exemplo, a componente teórica do seu ensino na FEP?

Sim, isso é uma das grandes críticas (por parte dos alunos). É uma opinião recorrente, que o curso é demasiado abstrato e não permite aos alunos perceberem na verdade o que estão a aprender. Eu tenho que ser abstrato, e explico já porquê, mas há algo que eu sempre fiz (e sei que muitos professores não fazem), que se traduz em trazer algo “lá de fora” e dizer aos alunos: “Atenção, isto é abstrato mas eu consigo aplicá-lo a este problema real, específico”. Um economista não é nada e, ao mesmo tempo, é quase tudo. Pode ser um auditor, consultor, programador, data scientist, quase engenheiro, gestor, otimizador de processos produtivos, … consegue ser uma quantidade absurda de profissões. Se quiserem ser verdadeiros economistas, têm de ter estas ferramentas que vos permitem permutar entre tarefas. A dificuldade prende-se, uma vez mais, no nível de abstração que é necessário para que possam desempenhar qualquer uma destas tarefas. Daí a importância da teoria e da abstração. Vejamos, por exemplo, o curso de Medicina. Enveredando por esta área, não há outra hipótese – um médico é um médico. Há sempre a especialização, obviamente, mas o conhecimento base é só um. Não há muita variabilidade. Em Economia, a história é completamente diferente, daí termos uma carga teórica e abstrata muito grande – as tarefas que podem desempenhar são muito diferentes, e esse leque de escolhas reflete-se no método de ensino. Pode parecer que andamos “perdidos”, a aprender coisas sem qualquer aplicação, e grande parte das pessoas que não conseguem encontrar aquela “paixão” na Economia acabam mesmo por se perder.

Um economista não é nada e, ao mesmo tempo, é quase tudo

O Prof. Filipe passou de licenciatura para doutoramento, algo que não é muito comum acontecer. O que o motivou a tomar esta decisão e o que pode um aluno esperar de um doutoramento, caso um dia o deseje fazer?

É uma boa pergunta. Quando entrei na FEP, lembro-me perfeitamente de um colega que me contou a história de um amigo que tinha passado diretamente para doutoramento. Inicialmente, não dei muita atenção, mas cheguei ao segundo ano e tive o privilégio de participar numa bolsa de investigação lançada pelo LIAAD (Laboratory of Artificial Intelligence and Decision Support), que financia iniciativas na área da engenharia, programação e Economia. Na primeira investigação, explorei o conceito de dados simbólicos, algo completamente metafísico, da área da estatística. Com isso, fiz uma ponte com o inquérito de emprego, de forma a perceber padrões de comportamentos de vários grupos de pessoas e como é que a crise de 2008 influenciou o desemprego desses mesmos grupos. Com isto, desenvolvi um abstract que apresentei em Los Angeles. Por causa disto, tive acesso a outra bolsa de investigação no terceiro ano com a professora Sandra Silva e Isabel Campos, em que estivemos a fazer um estudo sobre os autores que publicavam em economia regional. O produto final foi um paper que está publicado. 

Estas duas investigações deram-me o “bichinho”. A professora Sandra, que dava aulas no doutoramento, incentivou-me a candidatar-me ao doutoramento. Na altura, o requisito mínimo era ter média igual a 16. Era um processo muito facilitado, porque, entrando naquela altura no doutoramento, quase que era garantido obter uma bolsa. Essa tal bolsa consistia, na prática, em 980€/mês, que correspondia a um salário atribuído para o aluno em questão. Foi talvez o último ano em que isso foi feito, portanto considero-me um felizardo pelo timing da minha entrada.

O que é esperado no doutoramento? Eu achava, ingenuamente, que ia aprender mais sobre Economia. Na verdade, o que aprendi – e esta é a grande vantagem do doutoramento – foi a usar os instrumentos que permitem criar Ciência na Economia. O que fiz baseou-se em pegar em modelos Económicos e desenvolvê-los matematicamente. Depois de perceber o modelo nessa ótica, consigo criar modelos parecidos se pretender inovar. O doutoramento deu-me ferramentas para criar Ciência Económica. Se decidirem enveredar por este caminho, terão de escolher uma área dentro da Economia que queiram explorar, perceber a abordagem da literatura e depois concluir que coisas é que ainda faltam fazer. E de que forma é que conseguimos fazer isto? Pela nossa vivência. Pela nossa experiência. Cada pessoa pode ter contributo pela sua maneira única de ver as coisas. O desafio baseia-se, então, em perceber de que forma é que a nossa vivência consegue contribuir para a Economia.

Depois da licenciatura, ingressou na Watson & Noble, uma empresa que oferece sofisticados serviços aos seus clientes, que vão desde análise de risco com recurso a simulações de Monte Carlo, até à avaliação de negócios usando a Real Options Valuation ou até à previsão do preço de bens com recurso a métodos econométricos. O que o levou a tomar esta decisão? Qual é, fundamentalmente, a proposta de valor da sua empresa?

A proposta de valor é fazer o caminho entre a Ciência Económica e as empresas. Há uma expressão muito conhecida que diz que “o caminho entre a ciência e as empresas demora 10 anos”. Acredito que, se conseguirmos encurtar este espaço, temos valor acrescentado. Esta, de forma muito simples, é a nossa proposta de valor.

Das três coisas que referiste, sou responsável pela última. As opções reais dizem respeito a uma análise diferente do VAL (Valor Acrescentado Líquido). A ideia é avaliar as decisões que poderão ser tomadas ao longo de um projeto que, inevitavelmente, trazem valor ao projeto em si. Quando queres construir uma casa, podes fazê-lo já, como daqui a um ano, dois ou três. Mas por que razão podemos esperar? Esta é a grande questão. Porque podes, por exemplo, estar numa recessão. A espera tem valor – é isto que as opções reais fazem, avaliar esta decisão de construir a casa. 

Com base nisto, o meu colega decide construir a empresa e chama o segundo stakeholder, porque tinha a base de simulação vinda da aprendizagem do doutoramento. A partir daí, e usando as simulações de Monte Carlo, criou-se uma ferramenta que permitiu vender as Opções Reais. Por via desse meu amigo de doutoramento, acabei por receber um convite para ingressar na equipa e fui de “arrasto”.

É engraçado, porque, na verdade, fazia-me sempre alguma “comichão” a palavra “empreendedorismo”. Eu via aquele show-off do “vamos bater punho”, aquela coisa do “temos o melhor produto e vamos vendê-lo”. Esta espécie de ilusionismo sempre me fez confusão, e, portanto, pus essa ideia sempre de lado. Quando recebi o convite, porém, decidi experimentar essa via.

No início, a nossa única meta era vender as Opções Reais. Nós vendemos a empresas, portanto, temos de oferecer um retorno bastante considerável. Acontece que inovação em empresas é algo extremamente complicado. Nós, ao dizermos que vamos inovar, estamos a dizer ao empresário que vamos mudar alguma coisa. Se o vamos fazer, então: 1) Alguma coisa estava mal (algo que não gostam de ouvir), e 2) vamos mudar (incerteza e risco, algo a que o empresário português é muito avesso). A comunicação, aqui, é essencial. Podem ter um produto muito bom, mas pode não ser suficiente. Lembro-me de um exemplo – uma amiga minha trabalhava numa empresa de bebidas. Estava a fazer um estágio (era aluna de Engenharia e Gestão Industrial) e, no decorrer desse estágio, descobriu uma forma de mudar o processo industrial de uma certa bebida, o que permitira poupar até 20% nos custos. Resultado? O processo não foi para a frente. Porquê? É muito fácil de explicar… 20% implica que muita coisa está a ser mal feita. Se o gestor vai à administração mostrar uma forma de poupar 20%, ele é imediatamente despedido. Para isso acontecer, ele estava de certeza a fazer alguma coisa errada. Qual foi o problema aqui? Comunicação. Ela não deveria ter proposto uma inovação que poupasse 20%. Devia ter proposto, antes, pequenos passos. Primeiro vamos poupar 1% ou 2%. O endgame é chegar aos 20%, mas, inicialmente, temos de começar aos poucos. Até porque, provavelmente, o teu gestor não tem o “à vontade” matemático para perceber se aquilo que lhe estão a propor bate certo. O valor é tão ridículo que ele não vai ter capacidade para chegar lá – vai logo descartar a proposta.

O problema é que, mesmo que os 2 pontos acima não sejam problemáticos, o terceiro consiste em verificar se os pressupostos são verdadeiros. É a tal questão da teoria vs prática, um chavão que eu odeio: “Ah, isso é na teoria, na prática não é assim!” Se mudares algo no modelo, o que te garante que alguém que tem o 9.º ano de escolaridade consegue acompanhar essa mudança?

É comum ouvir: “Se isto está a funcionar, porque é que devemos mudar?” Isto é o mais importante: a aversão ao risco dos empresários portugueses. Embora possa parecer simples, julgo que este é um dos principais fatores da nossa baixa produtividade.

Há uma reunião que vai ficar sempre guardada na minha memória, com o diretor financeiro de um grupo de hotéis que não posso dizer o nome, em que eu vou lá falar e ele diz-me: “isso é demasiado complexo; para investirmos em hotéis temos apenas três indicadores; se cumprirem estes três indicadores, nós investimos”. Portanto, a abordagem deles é esta: se cumprirem estes três indicadores, têm garantidamente lucro. Isto faz com que quase todas as decisões tenham risco zero. Mas qual é o problema dessa abordagem? O problema é que está a ignorar muitas situações que lhe poderiam dar lucro, mas que envolvem risco.

Fazia-me sempre alguma “comichão” a palavra “empreendedorismo”

Quebrar esta mentalidade, eu não diria que é impossível, mas a estratégia para o quebrar deve ser um a um. É tentar apanhar o cliente certo. Depois, mostrar os seus resultados a outros e, assim, a coisa começa a quebrar: podemos dizer que a concorrência deles está a fazer diferente e a ter melhores resultados. A inovação tem de ser assim: passo a passo. A grande dificuldade é trilhar o caminho certo. Isto requer tempo e paciência.

Outra coisa que também aprendi no meio empresarial é que isto é preciso muito tempo. Quando a decisão está do vosso lado, tem de ser rápido; mas, quando está do outro lado, a decisão vai demorar muito tempo. É preciso criar uma relação de confiança pessoal e só a partir desse momento é que têm a vossa oportunidade.

Quais foram os principais desafios na criação e desenvolvimento da Watson&Noble?

A inovação. “É mais fácil seres o segundo no mercado do que criares o mercado”. Criar o mercado tem potenciais gigantescos, mas, para se criar o mercado, tem de se criar a necessidade do mercado.

Tendo em conta que, no meu caso, é um produto inovador, complexo para a indústria, torna a comunicação muito importante. Por mais complexo que seja o produto, tens de o simplificar, para encaixar na necessidade do cliente. Por exemplo, a Uber foi criada já a pensar nos carros autónomos, mas primeiro desenvolveu-se neste modelo, com condutores, para criar o mercado e para mais tarde, quando já houver carros autónomos, já ter a plataforma suficiente e os clientes já terem a necessidade.

Um desafio é quebrar a relação entre inovação e risco. É preciso simplificar e melhorar a informação. Precisamos, enquanto cientistas, de simplificar e de explicar os dados, a informação e o que se pode tirar deles utilizando os modelos econométricos.

Como vê o empreendedorismo em Portugal? Sente que o ambiente de incentivo ao empreendedorismo em Portugal podia fazer mais pela criação de novas empresas, ou é da opinião que cabe aos criadores das empresas descobrirem formas de se diferenciarem para criarem maior valor acrescentado?

É uma boa pergunta. Primeiro, existem várias dimensões. Por exemplo, a cultura. Em Portugal existe ainda muito a cultura do medo do fracasso.

Nos EUA há muitos empreendedores que falharam nove vezes, mas à décima tem sucesso. Em Portugal, se fores ter a um empresário e disseres que tiveste nove empresas e que todas falharam, mas que esta é que vai ter sucesso, ele não te vai ouvir [risos]. Nos EUA, o fracasso até é bem visto: significa que aprendeste, que tentaste. Portanto, existe este choque cultural. Nós importamos muito esta cultura do empreendedorismo, mas temos de perceber que a importação não pode ser de forma linear, tem que depois ser inserida num contexto cultural.

Depois há a questão das regras e das leis. O Simplex ajudou muito. É possível criar uma empresa numa hora, mas há vários problemas. Primeiro, precisas de ter um contabilista – todos os meses tens de pagar, pelo menos, 100€. Depois, mesmo que seja só um sócio, um sócio-gerente, mas sou obrigado a receber salário e, portanto, és obrigado a pagar segurança social. Logo, com o salário mínimo és obrigado a pagar 120€ todos os meses. Portanto, esses 220€*12… digamos que 3000€ por ano. São menos 3000€ que podiam ser empregues em cartões de negócio, em ir a uma feira, e não podes porque o governo pensa que a empresa é aquela empresa tradicional, que tem necessariamente trabalhadores e que, portanto, tem de lhes pagar salário e segurança social. Portanto, não existe esse modelo que possa servir de incubadora, em que, por exemplo, nos primeiros 2 anos seria possível não pagar salário para livrar de encargos. Esse é um problema, [o empreendedorismo] exige investimento.

Na faculdade, hoje em dia, é fundamental saber “googlar”

Agora, o empreendedorismo está na moda, o que tem vantagens e desvantagens. Por um lado, é bom porque as pessoas estão mais abertas ao empreendedorismo. Por outro lado, o facto de estar na moda atrai pessoas que, se calhar, não deviam ser empreendedoras, o que pode destruir um pouco a ideia do empreendedorismo.

Portanto, as pessoas que queiram entrar no empreendedorismo devem entrar nesse circuito de conferências de empreendedorismo, cuja existência já demonstra a existência de uma certa cultura do empreendedorismo em Portugal. Agora, não aconselho a irem à Web Summit e a gastarem 3000€, acho um desperdício. A Web Summit é a Liga dos Campeões, mas primeiro estás nos juniores de um clube de 3ª divisão. Tens de fazer todo o percurso até chegar lá. Mas, para chegares lá, tens muito caminho para percorrer. O Empreendedorismo, apesar de tudo, é uma carreira potencial para quem acaba licenciatura em Economia.

Criar uma empresa que ofereça serviços sofisticados como os da sua empresa requer aprendizagem profunda de conceitos complexos, que de forma alguma podem ser lecionados num plano de estudos de 3 anos. Desta forma, o quão importante considera ser o conhecimento obtido de forma “autodidata” e qual o papel da curiosidade?

Eu vou dar o meu exemplo. Eu tive uma cadeira de Economia da Programação. O que eu aprendi lá foi o básico de programar e, com isso, não conseguia fazer nada. A partir daí, foi a curiosidade: saquei um código online e tentei percebê-lo. Demorei duas semanas a tentar percebê-lo e depois fui fazendo mais. Aliás, o primeiro algoritmo que criei na Watson & Noble demorou-me 6 meses a fazê-lo, e foi apenas para chegar a um nível.

Isto que nós criamos não foi ensinado por ninguém, mas tínhamos bases. Isso é que é importante. Por isso é que vos digo, a licenciatura é diferente de pessoa para pessoa. A nota quer dizer muita coisa, mas o que se retira da licenciatura depende muito de pessoa para pessoa, depende da seriedade.

Na faculdade, hoje em dia, é fundamental saber “googlar”. Por exemplo, o Scholar, que é o Google com artigos, é uma excelente fonte. Mas é muito importante saber ler artigos, que não se leem do início ao fim. Mesmo os investigadores só leem um artigo do início ao fim se ele se referir especificamente à sua área de interesse. Basta ler o abstract para se localizar. Depois lê-se a introdução, vai-se ler a conclusão e só se estiver mesmo na nossa área de interesse é que o vamos ler do início ao fim. Nós não vos ensinamos isto na licenciatura. Porquê? Não sei. Isto faz parte da metodologia em Ciência: como ler artigos. É algo que, mesmo em doutoramento, não é ensinado de forma clara – vai-se falando com pessoas e a informação vai veiculando.

Outra coisa que também vos faz bem, e esta já começamos a fomentar, é a leitura em inglês. Já disponibilizamos alguns livros como biografia adicional, em que vos digo “de 17 para baixo, não vale a pena ler; de 17 para cima, aconselho”. Lá está, mesmo que não seja para obterem a nota, se quiserem criar os hábitos, é um bom início. Ler algo básico, para começar a perceber o jargão, criar os padrões, os hábitos, para que, depois, quando começarem a fazer mestrado (que tem uma carga horária bem mais reduzida), comecem a pensar em questões mais sérias. A tese de mestrado não vos exige criar conhecimento, mas exige perceber a fundo a área para a qual vocês querem, provavelmente, contribuir. Trata-se de ler, mas também pensar. Quem está apenas a reagir, “temos teste, vamos estudar; temos teste, vamos estudar”, não vai ter tempo para assentar, e não vai ter tempo para a pergunta de seleção, porque exige “se eu vos mudar isto, o que acontece”, e só consegue responder a isso quem pensa.

A aversão ao risco dos empresários portugueses é um dos principais fatores da nossa baixa produtividade

Qual o maior conselho que poderia deixar a alguém que queira enveredar pela jornada empreendedora?

Vai parecer um clichê, mas persistência. Muita persistência mesmo. E desconforto, muito desconforto. Eu, por exemplo, devorava os livros, raramente saía e, para mim (pode parecer um bocadinho estranho, já que dou aulas), falar com pessoas frente a frente, pela primeira vez, foi muito difícil. Falar com pessoas pode correr mal, mas tem de acontecer. Vocês têm de se expor, falar, conversar. Outra coisa que também recomendo é entrar no circuito. Pode parecer inútil, mas há algumas mensagens que vão entrando no subconsciente. A ANJE (Associação Nacional de Jovens Empresários) organiza, todos os meses, uma business drink aqui no Porto. Basicamente, é um encontro. Vocês até podem nem ter negócios – chegam lá, vão falando com as pessoas e vão ouvindo o que elas têm a dizer sobre as suas experiências. Imediatamente, até podem nem retirar grande valor, mas, quando começarem a ter uma ideia, o caminho começa a ficar mais claro.

Portanto, são esses os meus conselhos: persistência, desconforto e ir a esses encontros.

Qual é a importância da previsão económica com base em instrumentos econométricos? Acha que no futuro vamos ter métodos matemáticos altamente avançados que nos permitirão fazer previsões económicas fiáveis, apesar da instabilidade dos mercados e da incerteza subjacente à ação humana?

Excelente pergunta. Não há uma resposta certa, mas duas visões – uma pessimista e uma otimista. Como sabem, eu sou um otimista. Muitos dos economistas simplesmente não acreditam na previsão. É altamente incerto, portanto não acreditam. Eu acredito, mas conheço as suas limitações. Qual é o problema da previsão em Economia? Vamos imaginar a Amazon, que tem um conjunto de dados com biliões de observações e conseguem fazer previsões quase perfeitas. Porque têm acesso a milhões de dados. Nós não. As melhores séries económicas começam em 1950, mas a maior parte das séries começam em 1995 ou em 2000. Isso apenas nos permite trabalhar com 15 a 20 anos de dados, o que não dá uma grande profundidade para os métodos econométricos reconhecerem padrões. Portanto, atualmente (e eu acredito que ainda durante os próximos 20 anos) a capacidade de previsão depende da arte do artesão, o econometrista. Eu não quero que seja assim. Agora, com maior capacidade computacional, consegue-se construir novos modelos, mas tudo ainda é muito fresco. Portanto, há aqui um grande potencial da ciência para a previsão. Acredito que, com mais dados, se conseguem previsões de maior qualidade, porque o modelo vai ter capacidade para analisar melhor os padrões. Porque é que eu sou otimista? Voltamos à questão da racionalidade. Eu acredito que 90% das decisões são racionais. Assim, se eu souber a informação que tu usas para tomar a tua decisão, consigo prever 90% das tuas decisões. A questão é: que informação é que tu usas na tua decisão? E é aqui que o mundo dos dados está a avançar. É tentar encontrar informações tuas, pessoais, para entrar na tua cabeça e perceber a tua decisão. É por isso que há todo este problema em torno da proteção de dados.

Em Portugal existe ainda muito a cultura do medo do fracasso

O falhanço em prever a crise económica de 2007-2008 aumentou a desconfiança generalizada em relação à competência dos economistas. Como pode esta desconfiança ser combatida?

Essa é a minha área de investigação – crises económicas. Dizer que a crise não foi prevista, de um ponto de vista geral, é falso. O filme A Queda de Wall Street (The Big Short) mostra que houve gente que previu a crise. Contudo, a maior parte dos economistas não previu a crise. Porquê? Porque os modelos (e essa é a grande crítica aos economistas) não incluíam os mercados financeiros (agora já, mas eu discordo da forma como eles os incluem), porque não se consegue replicar as flutuações do mercado financeiro. Porquê? Regressamos à questão da racionalidade – se todos os agentes forem racionais e dispuserem da mesma informação, sabe-se automaticamente o preço de uma dada ação, mas assim não se consegue replicar flutuações no preço da ação. Portanto, não se consegue introduzir o mercado financeiro no modelo. E, assim, não se consegue prever a crise financeira, porque veio do mercado financeiro. Logo após o início da crise, em 2009 ou 2010, começam a aparecer os primeiros papers que introduzem as fricções financeiras em modelos macroeconómicas. Não acho que seja suficiente, mas, lá está, se vão acontecendo coisas, as pessoas vão investigando e aquela área vai aumentando. Se estamos em condições de prever a próxima crise? Tenho dúvidas. Mais uma vez, voltamos à questão das políticas não convencionais. Eu não sei quais são as consequências destas políticas. Ninguém sabe. Portanto, ninguém sabe se a próxima crise poderá ser causada por este pacote de medidas não convencionais. Portanto, conseguimos prever uma crise igual à de 2007? Sim, conseguimos! Mas, provavelmente, ela não será igual à de 2007.

Quais são para si os principais desafios que a ciência económica enfrenta?

Neste momento, em termos de política monetária, o maior desafio é a questão da normalização. O que é o novo normal? Esta foi uma política completamente extraordinária, com dimensões de moeda a serem introduzidas de forma colossal, nunca vista. Outra coisa que também se vê é que, apesar da moeda ter sido introduzida, a inflação não subiu absolutamente nada. Portanto, não sabemos bem o que fazer com isto. Podemos olhar para o Japão, que também enfrenta uma armadilha de liquidez há muitos anos, com ameaças de deflação, e tentar aprender com eles. Mas eles também não têm uma solução – neste momento, eles continuam com uma armadilha de liquidez e com uma dívida pública gigantesca.

Em termos de política monetária, o maior desafio é a questão da normalização

O segundo desafio não é bem económico, mas mais bancário: qual será o novo modelo de negócio dos bancos? Isso é algo que ainda não tem sido muito falado, e que ainda não se sabe muito bem, porque os bancos nunca tiveram taxas de juro tão baixas. O que eles têm feito é aumentar comissões. Também não se sabe bem as consequências de gigantes como a Google e o Facebook quererem entrar nesse negócio. O que nos leva, também, às cryptocurrencies. Não se sabe bem qual será o papel disto na economia.

Há outra tendência que também está relacionada com isto, que é o capital por trabalhador das empresas, nos últimos anos, ter diminuído de forma significativa. Aliás, em Portugal, o investimento líquido é negativo desde 2012, ou seja, as nossas empresas estão a ficar descapitalizadas. Não sei porquê, nem que consequências terá.

Como vê o seu futuro profissional? Planeia voltar para o meio académico?

Eu não quero sair do meio académico. Dá-me muito prazer dar aulas. Portanto, vou querer, de alguma forma, dar aulas. Neste momento, quero terminar o doutoramento. 

Eu tenho muitos projetos. A empresa é um deles, mas tenho também alguns projetos no futebol – aplicar a estatística ao futebol também me parece ser promissor. E vamos ver, eu gosto de manter as minhas opções em aberto.

Eu sei que pode parecer estranho, mas esta é a melhor altura para vocês arriscarem, sentirem-se desconfortáveis. Temos de estar desconfortáveis para melhorar. A partir do momento que tiverem responsabilidades, vão deixar de arriscar! Não fará sentido arriscar! Aliás, quando se arrisca aí, pode correr mesmo muito mal. Neste momento das vossas vidas, não têm quase risco nenhum. O que é que vos acontece, estar um ano parados? Mas não estiveram parados, estiveram a procurar novos projetos, a perceber coisas, a errar, a aprender…; a evoluir. Eu ainda estou nesta fase, de investimento. Por mais estranho que pareça, eu, a chegar aos 30 anos, ainda estou em investimento. A maioria de vocês tem 20-21. Portanto, mais nove anos de investimento! Eu sei que parece assustador, mas cada vez mais é assim. A palavra-chave é adaptabilidade. Portanto, arrisquem! E eu vou continuar a arriscar, até ao ponto em que comece a perceber que talvez já chegue.

Retirem o máximo do que os professores dizem, mas não só: tenham curiosidade

Por fim, que conselho deixa aos alunos que irão ingressar na FEP?

Gostava de pegar numa frase que já disse – a licenciatura é diferente de pessoa para pessoa. Portanto, se vocês quiserem entrar naquela que é, sem dúvida, a melhor faculdade de Economia do país em termos de licenciatura e ter oportunidade de ter acesso a estes conhecimentos, não desperdicem. Simplesmente não desperdicem. Retirem o máximo do que os professores dizem, mas não só: tenham curiosidade. Perguntar ao professor é algo que vocês deviam fazer cada vez mais. Eu acho que uma das grandes vantagens que eu tive enquanto professor é que vocês podiam fazer-me qualquer pergunta. Mas vocês podem fazer qualquer pergunta a qualquer professor. A pior coisa que vocês podem ouvir é “não respondo” ou “isso é estúpido”. Qual é o problema disso? Sejam curiosos! E, a partir daí, vocês retiram o que querem retirar da licenciatura: uns podem só querer o diploma, outros podem querer aprender mais. 

Também se fala muito no valor das associações e das outras atividades. Eu acho que tem de haver equilíbrio. Equilíbrio é o quê? Não é só focar numa coisa, mas também não é focar em três ou em quatro: dediquem-se ao curso e a uma atividade. Porque, se vocês começam a meter-se em três ou quatro, o curso deixa de ser uma prioridade e, aí, vocês não retiram absolutamente nada. O ideal é encontrar um equilíbrio, de forma a complementar o vosso curso, o que vocês aprendem, a outro tipo de atividades. Mais uma vez, é pegar no abstrato e tentar aplicar a uma coisa na realidade. Esta é a vantagem destas associações. Portanto, não focar demasiado no curso, nem nas organizações. Uma atividade chega.