Estudou no Colégio Alemão até entrar na FEP, completando a licenciatura em Economia em 1989. De seguida, trabalhou no Gabinete de Estudos da Bolsa de Valores do Porto e na “primeira” CMVM, enquanto era Assistente Estagiário na FEP e Assistente Convidado na U.Católica. Passados três anos, decidiu ir para Cambridge, onde concluiu um MPhil in Economics e, em 1998, um PhD.

Regressou à FEP como Professor Auxiliar e, logo em 2004, passou a Associado. Entre a FEP e a U.Católica já lecionou praticamente todas as unidades curriculares de Economia. Atualmente, leciona Crescimento Económico, História do Pensamento Económico e Economia Política na FEP. Reconhecido pela exigência, tem sempre bons inquéritos pedagógicos.

Publicou artigos científicos em revistas prestigiadas (Cambridge Journal of Economics, Journal of Economic Methodology, European Journal of the History of Economic Thought ou Journal of Evolutionary of Economics), além de capítulos em livros importantes.

Em 2024 foi reconhecido como um dos 70 rostos da FEP.

Como descreve a sua juventude? Como ocupava os seus tempos livres?

Acho que foi tudo absolutamente normal. O Colégio Alemão era exigente, mas eu gostava de aprender e sempre tive bons resultados. Era raro haver uma disciplina que não me interessasse e tive o prémio do Colégio todos os anos. 

De resto, fiz o que é habitual, passava tempo com os amigos, etc.

Sempre tive alguns interesses menos comuns, todavia. Por exemplo, quando era criança, os mapas fascinavam-me. Com cerca de 5 anos desenhava o mapa do mundo completo, com todos os países e capitais. Depois passei a interessar-me pelo desenho, depois pela música clássica e, quando já estava na transição para a faculdade, pelo cinema, uma espécie de síntese das outras artes. 

Desporto só fiz o mínimo obrigatório – aliás, passei algumas aulas a conversar com o professor sobre política ou cinema – embora ainda hoje goste de nadar. 

De onde surgiu o interesse pela Economia? O que o levou a escolher a FEP para iniciar a sua formação?

Foi um pouco por acidente. Penso que a área que teria normalmente escolhido – e às vezes penso no que teria resultado daí, embora tenha gostado muito da vida que vivi até hoje – seria Arquitetura. Só que essa área não existia no Colégio Alemão, de onde não queria sair antes do 12º ano. Também podia ter ido para Direito, mas seria a terceira escolha, depois de Economia. Nunca conseguiria imaginar-me, mesmo hoje, médico ou engenheiro, o que até é curioso porque um dos meus avôs era médico e o meu pai é engenheiro.

Tendo optado por Economia, a FEP era a escolha óbvia. A FEP tinha uma reputação boa e não existia qualquer convicção de que estudar em Lisboa seria melhor que no Porto. A FEP tinha a reputação – justificada – de ser muito exigente. Havia estudantes que vinham com notas altas das escolas e não conseguiam passar logo no 1ºano. Penso que acabar o curso em 5 anos não era muito comum nos anos 80.

Mais tarde, porquê Cambridge? 

Eu gostava imenso do meu trabalho na Bolsa e depois na CMVM. Era muito motivador estarmos a pensar sobre as regras de negociação e liquidação, negociando com corretores e bancos. Era, até, um papel um pouco exigente para a minha idade, mas preparei-me com seriedade para o desempenhar o melhor que sabia e acabei aumentado retroativamente. O presidente da Bolsa do Porto foi o primeiro presidente da CMVM (Fernando Costa Lima, professor convidado da FEP), foi para Lisboa, e eu também fui, pelo que andava sempre entre Lisboa e Porto, em geral de avião, pois continuava a dar aulas na FEP e na Católica. Uma vida um bocado agitada, que na minha opinião se deve ter nessa idade, e intelectualmente muito interessante. Muitos quiseram contratar-me para outros cargos nesta fase da minha vida. E claro que ganhava muito dinheiro comparado com o que se ganha na carreira académica.

Mas o momento profissional mais feliz do dia era quando estava a dar aulas. Muitos dizem que uma das ocasiões mais difíceis foi quando deram a primeira aula, mas eu tive a experiência contrária. A primeira vez que subi para o estrado num dos nossos anfiteatros grandes – lembro-me dessa aula e de a ter preparado no comboio – senti logo que aquele era o meu lugar. Portanto, tendo de decidir entre vias que não podia continuar a prosseguir em conjunto, escolhi a carreira académica. 

E candidatei-me à universidade que seria, provavelmente, a melhor. Visitei várias e percebi que era mesmo Cambridge que queria quando estive lá pela primeira vez. Era difícil entrar, claro, mas eu tinha uma média de 17 valores (pelo que me disseram em 1989, a segunda na história da Faculdade), além de uma experiência profissional fora do comum. Achei que valia a pena tentar.

Poderia ter feito a sua vida fora do país. O que o motivou a regressar a Portugal?

Eu tinha sido financiado, o que implicava um compromisso de regressar, embora isso talvez fosse contornável pagando o montante correspondente. Mas na verdade não me passou pela cabeça ficar lá fora, nem acho que tenha sido um erro. Se tivesse ficado, teria sido seguramente na Inglaterra ou na Itália, os dois países de que mais gosto. Mas a minha ideia era mesmo voltar para a FEP e para a Católica.

Em Cambridge, a faculdade é mais pequena, mais voltada para doutoramentos. Teria de ficar a dar aulas práticas num dos colleges. Não tenho nenhum colega de Cambridge que tenha ficado na faculdade lá.

Mas ainda hoje tenho ligações a Cambridge: continuo em contacto com o meu antigo orientador, sou associado do Cambridge Social Ontology Group, que discute as ideias dele, e sou membro do Emmanuel College, no qual fui admitido em 1992.

Acha que é mais difícil ser professor hoje em dia do que há 10 ou 20 anos? Quais são as principais diferenças?

Não penso que seja mais difícil nem mais fácil. Em geral, os estudantes vêm mais impreparados do secundário. Notou-se mais claramente essa deterioração, que se vinha a sentir gradualmente, na época da pandemia. 

Mas o problema principal não é esse, o problema é que na Faculdade existe um regulamento de avaliação docente inacreditável (literalmente: quando falo dele a pessoas de fora, ficam invariavelmente perplexas). Causa problemas nas áreas fundamentais, que são o ensino e a investigação, e valoriza atividades relativamente secundárias. Ora, evidentemente, se esse regulamento cria certos incentivos, muitos professores adaptam o seu comportamento.

Na parte da investigação, há um teto para a pontuação anual, o que ‘obriga’ a uma distribuição da investigação e orientações de doutoramento ao longo do tempo. Essa distribuição nem sempre é exequível, seguramente em áreas como a minha. Além disso, se eu escrever um artigo sozinho vale 1 ponto, digamos, mas um artigo com mais duas pessoas não vale ⅓ para cada uma, vale 0,7 por pessoa, ou seja, esse artigo já vale mais do dobro do tal artigo escrito só por mim. É evidente que isto não incentiva as melhores práticas… Quando fui vice-presidente do Conselho Científico constatei que num dado ano era o único que tinha escrito um artigo sozinho.

Mas o que nos interessa mesmo aqui é a parte do regulamento sobre o ensino, que contribuiu para que este se tenha deteriorado nos últimos tempos. Na parte letiva, relevam o número de cadeiras, não a qualidade, e o número de estudantes avaliados, não como o são. Logo, há uma tendência para o aumento das leituras de slides, como se isso fossem aulas, e das formas de avaliação que dão menos trabalho. Não há nenhum incentivo para melhorar a qualidade, com aulas complexas e estimulantes, nem para fazer avaliações elaboradas, que impliquem escrever em extensão, sendo que estes fatores são precisamente os que fazem os estudantes crescer intelectualmente e aproveitar o seu potencial. 

Eu sou um resistente e continuarei a sê-lo: o meu objetivo principal é fazer os meus estudantes alargar os seus horizontes e pensar criticamente, terem e saberem exprimir convincentemente o seu ponto de vista. Faço-o porque gosto e no interesse deles. Saio muito prejudicado na avaliação docente. É verdade que me interessa bem mais a avaliação que os estudantes fazem do meu trabalho do que a de um regulamento risível. Mas obviamente preferia que a avaliação que a Faculdade faz fosse mais justa. 

O desinteresse de muitos professores nas aulas repercute-se, sem surpresa, no desinteresse dos estudantes nessas aulas – a que, incrivelmente do meu ponto de vista, são por vezes obrigados a assistir. Por isso ouvimo-los por vezes dizer que aprendem mais nas organizações estudantis. A minha impressão é que o ensino, de facto, se deteriorou nos últimos dez anos. 

De que maneiras a FEP pode inovar? Está a ficar para trás face às faculdades de Lisboa?

A FEP tem de mudar em muitos aspectos, mas tem um bom Diretor, que sucedeu a outro bom Diretor. Ambos fazem (e farão) ou fizeram muito pela FEP. 

Devo ser dos professores da FEP que escrevem mais cartas de recomendação, mas não para a NOVA, porque não gosto da maneira como os mestrados estão organizados lá (basta ver como são as ‘dissertações’, que são o momento crucial de evolução num mestrado). A razão pela qual algumas pessoas acham essa opção interessante é porque a NOVA facilita contactos. Por isso o nosso Diretor tem investido tanto em abrir a FEP ao exterior.

Mas há coisas importantes que são complicadas de fazer porque envolvem negociação elaborada, como mudar a oferta de mestrados. A configuração atual foi desenhada para um contexto completamente diferente. Neste momento, haverá muitos na FEP que quereriam entrar nos mestrados de continuidade, mas não há vagas suficientes, enquanto outros mestrados aceitam estudantes menos qualificados. 

A principal mudança, que não é facilmente exequível, seria reformular completamente o regulamento que referi antes. Entretanto, acho que é importante fazer o que o Diretor tem feito: tentar recriar a ligação emocional à FEP que os estudantes tinham no meu tempo e no dele. Acho que, em parte, os estudantes atuais não têm esta ligação porque chegam ao final do curso e, como disse, não há lugar para eles no mestrado para onde queriam ir. Por isso defendo, para além dos mestrados executivos que recentemente abriram, a existência de três grandes mestrados – Economia, Finanças e Gestão – com um número muito maior de vagas e especializações facultativas, a funcionar em horário diurno e pós-laboral.

Acha que a utilização de tecnologia no ensino (em especial a IA generativa) tem sido benéfica ou essencialmente prejudicial pela crescente dificuldade em desenvolver os pensamentos?

Genericamente, a universidade serve para ensinar as pessoas a pensar criticamente, alargar os seus horizontes, aprender a aprender. Acho que há uma série de coisas que as pessoas conseguem aprender sozinhas, mas não todas, e é aqui que as aulas são potencialmente importantes. Outro dia, um antigo estudante disse-me que acha que conseguia aprender quase todas as cadeiras com recurso à internet, mas que seria impossível aprender a minha. Isso quer dizer que há competências que só se adquirem de uma certa maneira. 

Eu não estou a ver qual a tecnologia que garante hoje os objetivos que enunciei. O que não quer dizer que a interação com essas tecnologias não seja benéfica, apenas que não substitui os elementos mais tradicionais do ensino, seguramente em certas áreas. 

Quanto à IA, há problemas em muitos aspetos, desde a produção de alucinações aos direitos de propriedade intelectual. Mas já hoje é claramente determinante em muitas áreas que nos importam, como Business Analytics, em que a Faculdade aliás deveria apostar mais – áreas que beneficiam imenso de algoritmos que identificam padrões, proporcionam previsões, etc., processando dados em tempo real e com precisão. Mantenho o contacto com muitos antigos estudantes – alguns agora amigos, que encontro regularmente e que terão carreiras fora de série – e vários trabalham nessa área.

Mas, voltando à minha área, não vejo como alguém aprenderia o que dou em história do pensamento económico com recurso a AI. Acho que essa pessoa nem saberia por onde começar. É evidente que não podemos ter hoje o conhecimento futuro. Nada tenho contra a experimentação com todas as tecnologias. 

O professor terá sido o segundo ou terceiro 17 da história da FEP. Hoje em dia já se vê com mais frequência os alunos atingirem essa média. Na sua perspetiva, o ensino na FEP está menos exigente do que na década de 80?

Quanto à exigência, prefiro só falar nas minhas cadeiras da licenciatura. São mais exigentes do que as cadeiras correspondentes que eu tive, desde logo porque a Economia evoluiu imenso nos campos em que ensino. Só em parte se ensina o mesmo. Ninguém conseguirá argumentar que o que eu ensino e avalio é menos exigente, em nenhum aspeto, do que há 30 anos. Não o faço para tornar as cadeiras complicadas, mas para desenvolver a capacidade de os estudantes raciocinarem por si. Isso não se consegue só nas aulas, claro, também passa pela avaliação, onde os estudantes escrevem extensamente. O que no meu tempo, aliás, era muito comum: ocorria em quase todas as cadeiras. Penso que as provas finais não devem ser testes de escolha múltipla, nem testes em que só se faz exercícios, ainda por cima estruturalmente iguais aos das aulas. Deviam ser provas em que os estudantes têm de expor o seu raciocínio. Sei que isso dá muito trabalho aos professores, mas faço-o desde sempre e continuarei a fazê-lo.

Quanto às médias, ou notas, ainda bem que subiram! Já temos licenciados em Economia com 19 e não tenho dúvida de que o merecem. Dei vários 18s no semestre anterior e fiquei muito contente com isso. É importante que o espectro das notas aumente. Claro que não podem ter todos 16 ou 17: o valor absoluto da nota, de resto, não tem interesse em comparação com os escalões indicados no certificado, o percentil em que cada um está, que mostra que um 16 pode não ser uma boa nota, dependendo do contexto. 

As notas devem tendencialmente cobrir toda a escala. Uma das coisas que me incomoda é, ou todos os estudantes terem notas demasiado baixas (como era comum no meu tempo), ou terem todos notas muito altas (para não protestarem). Cria incentivos errados para os melhores estudantes: ou não conseguem boa nota, ou não precisam de se esforçar nem se distinguem dos outros. Deve existir a exigência que faça com que cada um dê o seu melhor e aproveite o seu potencial.

Não sei se os empregadores prestam muita atenção aos percentis, mas deviam prestar. Quando escrevo cartas de recomendação, chamo sempre a atenção para os escalões ou percentis, dentro e fora do país – explico como se devem comparar as notas entre faculdades e onde se podem encontrar os dados relevantes.

Se um aluno lhe dissesse que gostaria de seguir a carreira de professor (área da investigação), que conselhos ou avisos lhe daria?

Para ir para professor, é uma condição necessária gostar de ser professor. Não vale a pena ir por nenhuma outra razão. Em termos remuneratórios, seguramente não vale nada a pena. Imagino que ganharia facilmente, tendo em conta as ofertas que tive, várias vezes o que ganho se estivesse noutras funções. A questão é que o dinheiro não é tudo. 

Não vale a pena tentar ser professor a não ser que se queira mesmo dar aulas e que o objetivo seja ajudar os estudantes a progredir. Os que quiserem progredir, claro. Alguns querem apenas um certificado.

Ser investigador, em Economia, é uma atividade por vezes solitária, também com dificuldades remuneratórias, aliás ainda maiores (do que ser professor). E é muito importante as pessoas com quem, ainda que ocasionalmente, nos associamos para trabalhar. Aliás, isso é importante para todas as fases da formação: quem escolhem para vos orientar no mestrado, quem escolhem para vos orientar no doutoramento, etc. O potencial para as coisas correrem mal, mais cedo ou mais tarde, é enorme se as pessoas não forem bem escolhidas. 

Aconselharia também a pensar quais das áreas que lhe interessam, tanto quanto se consegue antever, terão importância no futuro. Eu, por acaso, ignorei este aspeto, escolhi uma área muito minoritária, mas que acho a mais importante de todas. E aparentemente não sou o único, já tive comentários de estudantes a dizer “esta cadeira tem ‘história’ no nome, mas é das poucas que fala a sério de problemas atuais e relevantes”.

Mas é evidente que é mais difícil obter lugares em áreas menos standard. E a vida dos novos investigadores e professores é mais difícil do que a dos antigos. Hoje, para entrar na faculdade, já não se começa como assistente estagiário, como eu comecei no meu tempo. Não basta sequer ter doutoramento para concorrer a um lugar na Faculdade: é preciso publicar e publicar bem. Embora a maior exigência seja positiva, há injustiça entre gerações nestas mudanças, por vezes abruptas. Há pessoas na Faculdade que estão nomeadas definitivamente e que têm menos em termos de investigação – ou mesmo nada – comparando com recém-doutorados.

Ao último estudante que orientei para doutoramento, disse: “é uma pena ter escolhido esta área porque, embora seja bom trabalharmos em conjunto, não é a melhor área para o seu futuro”; ao que ele respondeu: “mas eu também nunca me vi a doutorar-me noutra”. Portanto, tudo depende das preferências das pessoas. O último estudante que orientei em mestrado veio trabalhar num tema estritamente teórico, para desenvolver o seu potencial de raciocínio e exposição, e está hoje numa ótima posição numa grande empresa.

O professor está na FEP há quase 30 anos e não é ainda considerado um Professor Catedrático. Acredita que a atribuição deste título em Portugal é muito pouco meritocrática?

Sim, é verdade, mas não quero ser Professor Catedrático, nunca concorri. Não quer dizer que se quisesse, conseguiria. Nem quer dizer que todos os lugares de catedrático, na FEP ou noutras faculdades, sejam ou tenham sido bem atribuídos. Quando passei a Professor Associado, era mais novo que os outros, mas pouco tempo depois decidi, vendo o modelo de concursos, que não tinha sentido estar a preocupar-me em ser catedrático.

Na lista de publicações de História de Pensamento Económico e Metodologia, apesar do tempo que dedico ao ensino e avaliação, estou em terceiro lugar em Portugal. Mas tenho um artigo para sair e nessa altura serei o segundo (quem está nessa posição é bem mais velho). Mas ser catedrático é ainda assim complicado porque se trata de um concurso em que os outros concorrentes seriam de áreas completamente diferentes da minha. O júri adequado para avaliar essas pessoas não seria adequado para me avaliar a mim e vice-versa. Talvez esse júri usasse um critério objetivo qualquer para nos classificar, mas isso também seria errado pois os números não são comparáveis nas diversas áreas. Se estiver numa área onde trabalham 20 pessoas não é de esperar o número e velocidade de citações de uma área em que trabalham 2000 pessoas. Como quase todos trabalham noutra área – ortodoxa – eu teria um júri, também ortodoxo, que provavelmente não perceberia exatamente o que faço e estaria a competir com colegas da área desse júri. Porquê concorrer nessas condições? 

Além disso, fora daqui sou efetivamente tratado como se fosse catedrático. Um exemplo: já fui co-editor de um número do Cambridge Journal of Economics, a melhor revista na minha área, com um Professor Catedrático do King’s College de Londres e um Professor Catedrático de Cambridge. Nunca se pôs a questão de eles serem os dois catedráticos, ainda por cima de instituições obviamente melhores que a FEP, e eu ser associado. Fui convidado para editar como qualquer um deles. E penso que não deve haver muitos casos na Faculdade de pessoas que tenham editado números especiais nas revistas de referência das respetivas áreas. Talvez haja, mas eu não tenho conhecimento. Em todo o caso, fica provado que, para fazer uma série de coisas, não preciso do título. 

Se a destruição criadora (teoria de Schumpeter) impulsiona o progresso económico, mas ameaça tornar grande parte do trabalho humano obsoleto, até que ponto o Estado deve intervir para equilibrar inovação e estabilidade social?

O que Schumpeter chama “destruição criadora” é a dinâmica fundamental do capitalismo, a dinâmica da inovação. A inovação significa o aparecimento de novos produtos, novas formas de produzir, novas empresas que vão tornar outras obsoletas. É isso que faz com que o capitalismo tenha produzido o crescimento extraordinário que produziu, não o aumento do volume físico de recursos: é a nossa capacidade de usar criativamente esses recursos. 

Embora a inovação possa incidir em algum campo menor, pensem nas inovações associadas aos ciclos longos: por exemplo, a informatização do mundo. Imaginem a quantidade de skills que se tornaram completamente obsoletas e quantas empresas apareceram e desapareceram por causa disso, sendo que nenhuma das que subsistiram ficou como era. Mas de processos como este não resulta um aumento secular do desemprego: a história do capitalismo não foi uma história de aumento do desemprego e penso que não o será, embora o futuro seja sempre incerto.

Para Schumpeter, o ciclo tem várias fases (e a sua teoria várias aproximações). Tem uma fase de prosperidade, com a entrada de crédito bancário na economia, que faz subir os preços – é isso que facilita a deslocação dos fatores de produção para outras atividades – depois o cenário torna-se demasiado turvo para fazer previsões minimamente aceitáveis, além de que os novos produtos começam a aparecer e a competir com os antigos. A essa fase Schumpeter chama recessão. Mas a recessão pode evoluir para uma depressão. A depressão é uma espécie de espiral autodestrutiva, desencadeada por erros, cometidos tanto pelo sistema bancário como pelos empreendedores, que são os agentes que inovam. É como Schumpeter diz: a vida habitual é como andar por uma estrada, mas quem estiver a inovar tem de construir a estrada. Portanto o potencial para erros é completamente diferente quando saímos da rotina.

Na depressão, colapsam empresas que podiam e deviam ter sobrevivido. Pode ser uma situação muito complicada, e mesmo que o sistema tenha capacidade de recuperação por si próprio, como Schumpeter acredita que tem, isso não é razão para não intervir. Schumpeter diz que o Estado deve intervir, não só por razões humanitárias, para acelerar a recuperação. 

Tende a concordar com a visão de Schumpeter?

Sim. E vale sempre a pena ler Schumpeter.

Mas, genericamente, acho que o Estado deve ter um papel limitado, a minha visão é próxima dos liberais austríacos em vários pontos (mas não em todos). O Estado tem de garantir o enquadramento institucional adequado e minimizar intervenções casuísticas porque não tem o conhecimento necessário para o efeito – conhecimento esse que é produzido precisamente através do processo de mercado, que é, em última análise, um processo de aprendizagem. 

Para terminar, como apreciador de bom cinema, que filme e que livro recomenda aos estudantes da FEP?

Acho muito importante lerem, aumenta o vocabulário e não é possível pensar sem palavras. Outro dia sugeri na aula, no meio de uma explicação da Teoria da História de Hegel, que deveriam ler a “Odisseia”, o que demora muito tempo. O livro que recomendo é o “O Jogador”, de Dostoyevsky, que se lê rapidamente e nunca mais se esquece. Filmes poderia recomendar seguramente mais de 400 de primeira categoria. Vou referir cinco: “Persona” de Bergman, “Au hasard Balthazar” de Robert Bresson, “O último ano em Marienbad” de Alain Resnais, talvez os meus três favoritos, a que vou acrescentar “Strangers on a Train” de Hitchcock e “Vampyr” de Dreyer.