Opinião de Maciel Sacramento
Também incluído no FEPIANO 56, publicado em Abril de 2025
A falsa descentralização, os custos injustificados, a falta de informação e o excesso de papelada. Como a burocracia afeta a inovação e o bem estar das pessoas e das empresas?
Para uma economia se desenvolver de forma sustentável a longo prazo, tem de ser capaz de criar um ambiente favorável à inovação. E, para tal, mais do que discutir se existe muita rigidez fiscal (importante e debatível), é essencial discutir, num primeiro plano, a carga burocrática. A burocracia e a “falsa descentralização”, além de fazer perder tempo, fazem perder dinheiro por custos inerentes a esse excesso de documentação e formalismos.
Portugal sofre desta doença maligna. Numa certa perspetiva por estar inserido, a um nível mais macro, numa organização de excessivo cariz regulatório – a União Europeia – ou, por outro lado, a um nível nacional, pela contínua aposta na centralização, ou ainda a um nível micro, na relação indivíduo/empresa com administração pública.
Apesar de Portugal continuar a enfrentar este desafio e – levará tempo a resolvê-lo –, a realidade é que algumas mudanças já foram iniciadas e é importante reconhecê-las com honestidade. É necessário reconhecer, por exemplo, que através de uma simples Chave Móvel Digital (CMD), qualquer pessoa consegue aceder a vários domínios, como ao portal gov.pt, à Autoridade Tributária, ao Instituto de Registos e do Notariado, à Segurança Social e ao SNS. Além de existir também uma aposta crescente na digitalização dos documentos, como o envio das faturas e das receitas clínicas por email ou até a possibilidade de assinar um documento com a CMD.
Com este avanço, temos agora duas vantagens: podemos aceder utilizando um sistema transversal (a CMD) e podemos digitalizar esses documentos. Mas então onde está a burocracia? No meu entender, o problema está na obrigatoriedade desses mesmos documentos, na falta de informação em como os aceder, no seu custo injustificado e na relação “descentralizada” com a pessoa/entidade que pede o documento.
Começando pelo último fator, sou amplamente favorável à descentralização das tomadas de decisão. No entanto, esta muitas vezes apenas existe na teoria. Pensemos no caso da Faculdade de Economia que decide tomar uma decisão muito importante na condução do seu orçamento. Embora a faculdade tenha os próprios serviços financeiros, esta decisão tem de passar pelos serviços financeiros da Reitoria e, caso seja uma decisão mesmo importante, a Reitoria tem de aguardar o parecer do Ministério de Educação e este, por sua vez, do resto do executivo. Enquanto este processo decorre, perde-se tempo e o custo de oportunidade aumenta. A uma primeira impressão, a faculdade ter os próprios serviços financeiros faz parecer ter autonomia (em certa medida possui), mas na realidade esta é limitada e burocrática.
Já na parte pessoal, a máquina burocrática estatal está presente em todas as esferas, como na habitação e na educação.
“Engane-se quem acha é preciso apenas dinheiro e o contacto de um bom empreiteiro”
Como mencionado anteriormente, outros problemas são a quantidade absurda de documentos e a falta de informação para os obter. Neste caso, pensemos na construção de uma moradia. Engane-se quem acha que para construir uma moradia, é preciso apenas dinheiro e o contacto de um bom empreiteiro. É preciso também muita paciência e muito conhecimento para obter toda esta papelada. O processo inclui consultar o Plano Diretor Municipal (PDM), fazer um Pedido de Informação Prévio (PIP), submeter um projeto de arquitetura, pedir um alvará de construção, pedir o certificado energético, acústico, a inspeção da água, da luz e do gás. E não acaba aqui. É preciso também uma licença de utilização, um certificado de infraestruturas, uma ficha técnica aprovada pela Câmara Municipal e alterar os documentos na Conservatória e nas Finanças. Bem, ainda me devo ter esquecido de algum papel. E agora pergunto-te: sabes onde procurar isto tudo?
Indo mais longe, até na hora da morte (!), o Estado consegue extorquir os seus cidadãos e aproveitar-se de custos injustificados associados a toda a burocracia. Falo desde logo do pedido de Certidão de Óbito (10€), das habilitações de herdeiros (150€) ou da habilitação de registo de bens (375€). Já para não mencionar que, caso não exista herdeiros legitimários (cônjuge, os descendentes e os ascendentes), o Estado sente-se ainda mais empoderado para arrecadar 10% de imposto de selo. Em ultima ratio, o Estado é o herdeiro chamado à sucessão. É quase situação para dizer que o Estado prefere um morto do que um ferido/doente – afinal, sempre dá mais lucro!
Já na Educação é exemplo de burocracia o caso da atribuição de bolsas de ação social por parte do Estado e das Câmaras Municipais ou aquele “papel” que os serviços académicos demoram uma eternidade a enviar. No entanto, creio que a falta de inovação no ensino vai além deste problema. A falta de inovação está na realização de exames escritos em papel de UCs de programação, na falta de inovação na dinâmica das aulas que, em vez de ser cativada a participação voluntária do aluno, este é colocado perante uma apresentação monótona de um PowerPoint reutilizado por décadas, ou a insistência em aulas obrigatórias, que reflete mais a falta de qualidade do docente do que a falta de interesse do aluno na “cadeira”. Sem dúvida a geração mais qualificada em matéria teórica e a menos qualificada na realidade prática do mercado de trabalho.
Ao nível das empresas e de acordo com o estudo “Economia Acorrentada” (Instituto Mais Liberdade, 2024), Portugal é o 3.º país europeu onde as empresas necessitam, em média, de mais horas para cumprir as suas obrigações fiscais – 63 horas. Portugal é também o 3.º país da UE onde são necessários, em média, mais dias para a resolução de processos administrativos na 1.ª instância – 792 dias, quase o dobro da média da UE .
Apesar de verificarmos burocracia e falta de inovação em vários setores, é necessário apresentar soluções. Na minha perspetiva, a solução a este anacronismo, pode ser resolvido de duas formas: uma natural e geracional e outra por iniciativa própria do governo na gestão da administração pública.
Acredito que as novas gerações tenderão a apresentar um espírito mais reformista e prático nas tomadas de decisão, assim que chegar a altura de renovarem os cargos de gestão das respetivas organizações. Obviamente que posso estar enganado, mas, mesmo que não esteja, até esse momento chegar, é preciso iniciativa do Estado em querer reduzir esta burocracia e estes custos injustificados, começando por adotar medidas simples, como a simplificação da linguagem institucional e progredindo para medidas mais elaboradas como a eliminação de hierarquias e a redução de custos.
“ao eliminar burocracia, muitos cargos públicos “intermédios” iriam desaparecer”
Mas observemos que, ao eliminar burocracia, muitos cargos públicos “intermédios” iriam desaparecer, sendo necessário portanto uma visão completamente reformista. Não é minha intenção fazer futurologia, mas poderia apostar que esta mudança por vontade própria dificilmente aparecerá em breve – afinal, a função pública tem papel preponderante no resultado das eleições e, como de esperar, um executivo governa sempre a pensar nas eleições que se avizinham e na perpetuação do poder.
Sem estabilidade a curto e médio prazo, especialmente numa altura de mini-ciclos políticos, não aparecerá em Portugal uma visão reformista que consiga reduzir o excesso de burocracia, proporcionando um ambiente desfavorável à inovação e bem estar geral, quer dos indivíduos – pela perda de tempo e dinheiro –, quer no desperdício de atração de possível investimento direto estrangeiro.
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