O Relatório Draghi, publicado em 2024, gerou uma ampla discussão sobre a competitividade da União Europeia e o futuro da economia do continente.

Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, propôs um conjunto de recomendações para enfrentar os enormes desafios económicos, tecnológicos e ambientais que a UE enfrenta. O relatório foca especialmente na redução do gap de inovação e produtividade entre a Europa e potências como os Estados Unidos e a China, apontando para a necessidade de um plano ambicioso para melhorar a competitividade da região. Um dos pontos centrais do relatório é a urgência de um impulso público substancial. Draghi destaca que a União Europeia, para ser competitiva no cenário global, precisará aumentar significativamente os investimentos, especialmente em áreas estratégicas como inovação tecnológica, transição energética e infraestruturas digitais. O ex-primeiro-ministro italiano defende que o financiamento público será fundamental para a realização dessas metas, desde a investigação e desenvolvimento básico até incentivos fiscais e o apoio a políticas industriais, com a criação de programas coordenados entre os Estados Membros da UE.

Draghi propõe uma estratégia audaciosa para aumentar o investimento, sugerindo que a UE eleve a sua taxa de investimento anual em quase cinco pontos percentuais do PIB até 2030. Isso representaria uma elevação significativa da taxa de investimento de 22% para 27% do PIB, o que se traduz num montante anual de 750 a 800 bilhões de euros por ano. Esse valor se aproxima a 5 vezes o valor previsto pelo programa NextGenerationEU (807 bilhões de euros), que teve como objetivo enfrentar as crises económicas pós-pandemia. A diferença, no entanto, é que o investimento proposto por Draghi não se limita a uma resposta pontual a uma crise, mas visa uma mudança estrutural a longo prazo, para garantir a competitividade da UE frente às grandes potências.

Além disso, o relatório sublinha a importância da política industrial, destacando que é necessário um apoio mais forte a setores estratégicos em que a União Europeia apresenta vantagens competitivas, como defesa, energia renovável e o setor aeroespacial. Para Draghi, a coordenação entre os países da UE será crucial para garantir a competitividade da Europa no mercado global, especialmente diante da crescente concorrência de economias mais centralizadas, como a China, que têm adotado políticas industriais agressivas. Em particular, Draghi alerta para a necessidade de uma reforma profunda no mercado elétrico europeu, para facilitar a transição para uma economia de baixo carbono e reduzir a dependência de combustíveis fósseis, como o gás.

No entanto, apesar da clareza e profundidade das propostas, o relatório também recebeu críticas de diversos economistas. Uma das principais críticas refere-se à falta de condicionalidade prévia, ou seja, as verbas dos fundos serem liberadas apenas após o cumprimento dos objetivos, e não antes, o que seria mais razoável e geraria menos inércia dos Estados ao alcançarem as metas. Muitos economistas argumentam que o relatório não estabelece um caminho claro para garantir que os recursos sejam utilizados de forma eficaz, sem que os países da UE fiquem excessivamente dependentes de investimentos públicos, sem condições para garantir uma alocação eficiente desses recursos. Além disso, economistas apontam que as propostas de Draghi podem ser vistas como continuistas, uma vez que não apresentam soluções inovadoras suficientes para os problemas mais complexos da economia digital e das novas tecnologias. Há uma perceção de que o relatório carece de uma abordagem mais disruptiva, que desafie as estruturas estabelecidas e proponha novas formas de colaboração entre o setor público e o privado para além do simples aumento do investimento público, pelo que a chamada para mais fundos é vista como insuficientemente inovadora. Outro fator de muita crítica pelos economistas (mais liberais) é a negligência do papel das empresas enquanto promotoras da verdadeira inovação e da não compreensão das verdadeiras vantagens competitivas europeias, para além da escolha de setores e empresas estratégicas, o que pode facilitar a captura de interesses de empresas incumbentes.

Além disso, uma das críticas mais recorrentes é a de que o relatório ignora ou subestima o problema da fragmentação dentro da própria União Europeia. A falta de uma verdadeira coordenação entre os países da UE e a resistência de alguns Estados Membros (ex: Alemanha) a reformas profundas e aumento do endividamento pode dificultar a implementação das propostas. Especialistas também alertam que o relatório não leva em conta adequadamente os desafios políticos e as diferenças entre os países, o que pode comprometer a eficácia das ações sugeridas.

Outro ponto que merece destaque é a crítica ao modelo de crescimento alemão, que, segundo analistas, pode ser uma vulnerabilidade para toda a região. A forte dependência das indústrias tradicionais da Alemanha e a sua resistência a mudanças podem ser um obstáculo para a transformação necessária da economia europeia. Essa crítica alinha-se com o diagnóstico de que a Europa precisa de um impulso significativo na sua inovação tecnológica, o que é atualmente liderado pelos Estados Unidos e pela China, que estão à frente da Europa em termos de desenvolvimento de inteligência artificial e outras tecnologias emergentes. No seu estudo, Draghi argumenta que a Europa está na cauda da inovação em setores de maior complexidade tecnológica, perdendo para os Estados Unidos e para a China em termos de vantagem competitiva, em setores como o de semicondutores ou cibersegurança, por exemplo.

Por fim, uma questão que também gera debate é o papel das grandes empresas tecnológicas no processo de inovação. Draghi menciona a importância de incentivar o setor digital, mas a forma como isso será feito não fica totalmente clara no relatório. A questão da regulação da inteligência artificial e da inovação aberta, por exemplo, continua sendo um tema complexo e potencialmente conflituoso, especialmente em relação às políticas da UE, que já enfrentam resistência de gigantes tecnológicos como Meta e Spotify, que argumentam que a regulamentação excessiva pode prejudicar o desenvolvimento de novas tecnologias.

A proposta de Draghi é ambiciosa e levanta questões sobre a viabilidade de um investimento tão alto, especialmente considerando os desafios económicos atuais. O sucesso do relatório dependerá da capacidade dos governos europeus implementarem essas recomendações de forma eficiente, evitando o desperdício de recursos e garantindo que os fundos sejam direcionados para áreas com mais vantagens competitivas e maior potencial de crescimento e inovação. O grande desafio será conciliar esse investimento substancial com as reformas necessárias para garantir que o modelo proposto se traduza em resultados concretos para o futuro da Europa.