Os gastos de Portugal na Defesa Nacional estão abaixo dos 2% exigidos pela NATO. Trump chegou à Casa Branca e já pede mais. Na Europa soam os alarmes. Quais os custos financeiros para atingir as metas?

Um país com finanças públicas saudáveis é um país melhor preparado e mais dotado para oferecer à sua população uma melhor qualidade de vida. Disto não há dúvidas. Assim como não é desejável apresentar défices orçamentais elevados, também não é propriamente recomendado apresentar excedentes muito avultados. Tudo requer um equilíbrio. Por norma, a elaboração do Orçamento de Estado é sempre um processo demorado e complexo, que exige um estudo minucioso das verbas a atribuir a cada setor e os mecanismos para conseguir arrecadar receitas, sem que sufoquem o contribuinte e ao mesmo tempo não prejudique os vários setores como a educação e a saúde.

Enquanto que existem setores que carecem, acima de tudo, de uma boa gestão pública e, por vezes, de cortes orçamentais, numa tentativa de melhorar a produtividade, existem muitos outros setores que carecem mesmo de financiamento, mas que por displicência e pouca atratividade na captação de eleitorado, acabam por não ter atenção por parte do executivo, ou se têm é por compromissos externos. É o caso da Defesa Nacional à qual vou, neste texto, dedicar a minha análise.

Em primeiro lugar, acredito sem dúvida alguma que a Defesa Nacional é uma das áreas mais importantes em cada país. Nem mesmo Milton Friedman, um economista libertário, que tinha na sua gênese um Estado muito reduzido, conseguiu encontrar uma solução para privatizar a defesa contra inimigos estrangeiros. 

“Nem mesmo Milton Friedman conseguiu encontrar uma solução para privatizar a defesa”

Neste sentido, a nomeação por parte do primeiro-ministro para o cargo máximo deste ministério é claramente das mais importantes e de maior responsabilidade. Vejamos por exemplo que o nome escolhido para este ministério é sempre dos mais noticiados e requer lideranças fortes, de qualquer quadrante político, como foram os casos de Amaro da Costa, Freitas do Amaral, António Vitorino, Paulo Portas, Santos Silva, Aguiar-Branco e agora Nuno Melo.  

Além disso, acredito também que a Defesa Nacional trará certamente debates recorrentes num futuro muito próximo, por diversos motivos: o prolongamento do conflito russo-ucraniano, o conflito no médio oriente, o regresso de Donald Trump à Casa Branca e até a candidatura mais do que provável do ex-almirante Gouveia e Melo a Belém.

O contexto internacional é importante para se entender melhor os desafios nacionais e por todos os fatores enumerados anteriormente, percebemos que nos últimos anos tem-se instaurado uma nova ordem mundial. De um lado, vemos os Estados Unidos a cavalgar economicamente e a surgir agora, com a eleição de Trump, uma guerra comercial e um discurso mais isolacionista. No outro lado, vemos uma Rússia a ganhar terreno, a sonhar com uma nova União Soviética e uma China poderosa a afirmar-se a passos largos como uma superpotência na formação de capital humano, nas infraestruturas com tecnologia de ponta e na inteligência artificial.

No meio destes dois grandes blocos, observamos uma Europa adormecida, desarmonizada e politicamente instável, que não consegue enquanto bloco se afirmar no contexto geopolítico sem depender da ajuda americana. Mas a verdade é que em Bruxelas começam a soar os alarmes pela ameaça dos Estados Unidos quanto à falta de compromisso do financiamento da Defesa Nacional, que depois de 2% do PIB, já se “lançou” os 5%.

Se a Europa por si só está a ficar isolada, então o caso de Portugal agrava-se visto que, por se considerar um país periférico, sempre se despreocupou face a este tema, embora, a meu ver, tem razões mais do que suficientes para tomar outra postura.  

Primeiro, porque é nos Açores que se localiza a base das Lajes, uma importantíssima infraestrutura na 2ª Guerra Mundial e que ainda hoje é utilizada pelas Forças Armadas americanas. Não é ao acaso que, em 1975, os EUA ponderaram invadir o país, com a grande possibilidade de Portugal se tornar um “satélite” da União Soviética. E segundo, a proximidade com o Norte de África no controlo das questões migratórias, ainda que nos últimos séculos as relações estejam mais serenas, Portugal teve um histórico conflituoso com povoações provenientes desta região.

Como esperado, o financiamento português nesta área nunca refletiu as exigências da NATO, que estabelece em 2% do PIB os gastos em defesa e 20% da despesa ser destinada a equipamento. Portugal embora já cumpra o segundo critério (21,9%), fica aquém do primeiro (1,55%), ocupando assim a 7ª posição a contar pelo fundo da tabela, sendo que este valor até está sobrevalorizado, isto é, representa despesas desapropriadas como os salários e pensões, ou até os gastos com a GNR.

“para atingir 3% e 5% seriam necessários 4,16 e 9,9 mil milhões de euros, respetivamente”

“Mas, enfim, é fazer a conta”, já dizia Guterres. Então vamos aos números. Para Portugal alcançar os 2%, significaria um aumento de 1,29 mil milhões de euros, enquanto que para atingir 3% e 5% seriam necessários, aproximadamente, 4,16 e 9,9 mil milhões de euros, respetivamente – o equivalente, no último cenário, a mais de “3 TAPs” em cada ano, ou seja, um valor completamente irrealista. No entanto, podemos verificar que já existem alguns países dispostos a aceitar este esforço orçamental, como são os casos da Polónia (4,12%), Estónia (3,43%), Estados Unidos (3,38%) e da Letónia (3,15%), que pela proximidade geográfica do conflito na Ucrânia, à exceção dos EUA, sentiram a urgência de aprimorar a Defesa Nacional. 

E embora Portugal, como disse, cumpra o critério de despesa relativa a equipamento, é o 4º país do fundo da lista, ficando apenas à frente da Lituânia, Canadá e Bélgica. É na mesma um desafio que não pode ser descartado, muita pela “modernização” dos conflitos, pois devemos ter em conta que as guerras deixaram de ser exclusivamente de artilharia, minas e trincheiras, mas começaram a incluir tecnologia de ponta, como drones e aviões “fantasma”.

Podemos, por exemplo, recuar na história e fazer uma comparação entre a guerra dos 6 dias em 1967 e a guerra de Yom Kipur em 1973, entre Israel e o Egipto (não só, mas principalmente). No primeiro conflito, a aviação israelita destruiu nas primeiras horas a aviação egípcia, resultando numa absoluta superioridade aérea, enquanto que no segundo conflito, os egípcios já dispunham de mísseis terra-ar e quando Israel tentou fazer o mesmo, os aviões israelitas começaram a cair, tendo que depois ser preciso mudar de tática.

Com isto, significa que a inovação é uma constante e cada vez depende mais de equipamento, não obstante a importância de continuar a atrair homens e mulheres para as Forças Armadas. Para tal, é necessário uma justa valorização das carreiras dos militares e de boas infraestruturas para assegurar a sustentabilidade da nossa defesa a longo prazo, contudo será muito provavelmente aberto o debate sobre a obrigatoriedade do serviço militar. Mas também adianto já que quem puxar este assunto irá cometer um risco, pois não vai ganhar votos, até vai perder. Apesar de ninguém gostar de ser “carne para canhão”, o tema tem a sua importância e compreensão e países como a Finlândia e Áustria têm em prática. Enfim. Portugal precisa de mudar em muitas áreas e embora custe ouvir, a Defesa Nacional é uma delas. E quando decidir mudar, as finanças públicas vão sofrer alterações drásticas.