Opinião de Fábio Castro
Também incluído no FEPIANO 55, publicado em Março de 2025
A literacia financeira em Portugal continua a ser uma fragilidade estrutural que compromete o futuro das próximas gerações. A falta de conhecimentos básicos impede decisões informadas e compete não só ao Estado, mas principalmente aos portugueses, assumir a responsabilidade de reverter esta realidade.
A problemática da literacia financeira em Portugal está principalmente relacionada com o baixo nível de conhecimentos financeiros básicos da sua população, nomeadamente conceitos como inflação, taxa de juro ou diversificação de risco, o que dificulta a capacidade dos portugueses de tomar decisões informadas sobre poupança, investimento, crédito e gestão do orçamento familiar, tornando-os mais vulneráveis a períodos de menores rendimentos e/ou endividamento excessivo (crises económicas e/ou financeiras). O Jornal de Negócios expôs, em 2024, que o “nível de conhecimento e entendimento atual dos portugueses relativamente a finanças está abaixo do nível da Alemanha de há 15 anos”. No mesmo ano, o Governo português referiu que “para Portugal, é necessário refletir e atuar sobre como melhorar a literacia financeira dos alunos e em como a escola, como garante de igualdade de oportunidades, pode contribuir para essa formação”. No seguimento desta constatação, no âmbito de um projeto-piloto que arrancou no ano letivo de 2024/2025, em sete escolas do país, a literacia financeira passou a ser incluída na nova disciplina “Literacias”, numa tentativa de reverter a tendência anterior.
A preocupação é ainda maior quando perspetivamos um futuro difícil para as próximas gerações, quando chegar o momento de se retirarem do mercado de trabalho e gozarem as suas reformas aparentemente insuficientes para levarem um estilo de vida digno. A Comissão Europeia publicou recentemente um estudo no qual refere que as reformas em Portugal poderão sofrer uma queda de 62 pontos percentuais em relação ao último salário em 2050. Ou seja, em média, um salário de 1500€ poderá vir a representar pouco mais de 570€ brutos. Além disso, dados do Eurostat mostram que Portugal é um dos países da União Europeia em que a necessidade de trabalhar após a reforma, por necessidades financeiras, é maior – e, a verificar-se a previsão da Comissão Europeia, esta necessidade será ainda maior. Além disso, de acordo com a OCDE, a poupança para a reforma por parte dos portugueses está muito distante da dos restantes países do mesmo grupo, o que significa que não existe uma almofada financeira que lhes confira segurança no período mais frágil das suas vidas financeiras.
A psicologia humana tem demonstrado um papel fundamental nas finanças pessoais, em grande parte porque a maioria das nossas decisões financeiras são extremamente influenciadas por emoções, hábitos e perceções que vão muito além do conhecimento técnico. Muitas vezes, mesmo com acesso a informações financeiras, muitas pessoas tomam decisões irracionais devido a fatores psicológicos. Daniel Kahneman, vencedor do Prémio Nobel da Economia, identificou diversos atalhos mentais e heurísticas que podem conduzir a erros sistemáticos e vieses. Criou ainda a Teoria da Perspetiva, na qual o ser humano valoriza os ganhos e as perdas de forma assimétrica. Dados os problemas da iliteracia e da irracionalidade das emoções humanas, por onde devemos começar?
Morgan Housel, um dos autores mais influentes na área da Literacia Financeira, especialmente pela publicação da sua obra “A Psicologia do Dinheiro”, focou-se mais na forma como o comportamento e a mentalidade das pessoas podem trazer resultados financeiros significados, em detrimento de fórmulas matemáticas ou estratégias sofisticadas de investimento. O seu impacto na Literacia Financeira é extremamente significativo na medida em que torna o tema mais acessível para o público geral, permitindo que as pessoas desenvolvam uma mentalidade saudável em relação ao dinheiro e à riqueza. São diversas as recomendações que Housel fornece na sua obra e que acredito serem o núcleo de todas as grandes decisões.
“(…) a maioria das nossas decisões financeiras são (…) influenciadas por emoções, hábitos e perceções”
O mundo é extremamente complexo e a informação que dispomos é sempre imperfeita, o que torna a sorte e o risco difíceis de distinguir. Ao respeitarmos ambos, com humildade quando corre bem e perdão quando corre mal, teremos maior probabilidade de nos focarmos no que podemos realmente controlar e encontrar exemplos para seguir. Housel refere que devemos, efetivamente, aceitar o facto de que as nossas decisões poderem correr mal – aliás, podemos estar enganados metade das vezes e, mesmo assim, fazer uma fortuna, na medida em que uma pequena minoria de elementos é responsável pela maior parte dos resultados – Lei de Pareto. Assim, é perfeitamente aceitável ter-se um conjunto de investimentos negativos e uns quantos positivos, o que torna favorável o cenário geral.
Como refere na sua obra, o tempo “é a força mais poderosa no que toca a investimentos”, não só os erros se dissipam, como as pequenas vitórias se tornam maiores. Tendo isto em mente, é preciso aprender a conviver positivamente com a incerteza, a dúvida e o arrependimento, o preço habitual a pagar no mundo das finanças para recebermos algo de bom em troca. Evitando posições extremadas nas decisões financeiras, devemos lidar com o risco pelo facto de este compensar a longo prazo, e não nos deixarmos influenciar por pessoas, ainda que inteligentes, informadas ou razoáveis, que estejam a “jogar” uma partida diferente.
“ (…) podemos estar enganados metade das vezes e, mesmo assim, fazer uma fortuna”
Outro aspeto fundamental referido por Housel é o confronto entre o ego e a geração de riqueza, sendo a poupança o intervalo que separa ambos os conceitos. No fundo, a criação de riqueza resulta da nossa capacidade em reduzir aquilo que podemos comprar hoje, principalmente objetos ou experiências luxuosas, para obter mais opções no futuro. A verdade é que ninguém se impressiona mais com as nossas posses e o nosso estilo de vida do que nós próprios – Housel recomenda que procuremos conquistar o respeito e a admiração dos outros através da bondade e da humildade. Assim, o ato de poupar, sem uma razão específica, é um excelente motor de geração de riqueza e uma proteção contra a inevitável capacidade que a vida tem de nos pregar sustos.
O mais importante de tudo é sermos capazes de gerir o nosso dinheiro de forma a que nos ajude a dormir à noite e que nos possibilite, no futuro, “fazer o que queremos, quando queremos e com quem queremos, durante o tempo que quisermos” – o dividendo mais alto em Finanças.
Portugal acordou muito tarde para esta lacuna na sua literacia financeira. Ainda que tenha sido dado um passo promissor pelo atual governo, será insuficiente se não for acompanhado por uma mudança cultural que valorize a poupança, a gestão prudente do risco e a aceitação da incerteza como parte integrante das finanças pessoais. Num país onde o futuro das mais jovens gerações pode estar em risco no momento da sua reforma, vamos apostar nas mesmas estratégias de antigamente e aguardar que o Estado simplesmente resolva o problema, ou vamos assumir a nossa responsabilidade individual das nossas próprias finanças pessoas, e do nosso futuro, tomando decisões financeiras de uma forma diferente, consciente e ponderada?
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