Os crypto-ativos têm sido um dos temas mais debatidos no mundo financeiro na última década. Segundo dados da CoinGecko, a sua capitalização de mercado cresceu de US$19MM no início de 2017 para cerca de US$3,5 biliões em 2025 ⎯ o que corresponde ao PIB da Índia. Este crescimento parece refletir o interesse crescente de investidores e tem impulsionado o trabalho da regulação, considerando questões sobre a sua avaliação, riscos e impacto sistémico.

“O valor de mercado dos crypto-ativos cresceu para US$3,5 biliões, equiparando-se ao PIB da Índia.”

O contexto político tem desempenhado um papel determinante nesta dinâmica. Notícias recentes sugerem que as políticas cripto-amigáveis de Donald Trump, aliadas à influência de Musk e ao poder do crypto-lobbying junto da administração norte-americana, poderão impulsionar ainda mais o mercado. O New York Times, por exemplo, noticiou uma eventual aposta de Trump na empresa Ripple, o que poderá fortalecer significativamente a criptomoeda XRP nos próximos anos. Espera-se também que uma das primeiras medidas da nova administração poderá ser a acumulação federal de Bitcoin, algo inédito e que poderá ter implicações profundas na adoção institucional da moeda digital de princípios cryptográficos (aconselho a leitura de duas peças publicadas no NYT ⎯ “Crypto Industry Lobbies Trump and His Allies After Election”, 13/nov 2024; “A First-Day Trump Order: A Federal Stockpile of Bitcoin?”, 16/jan 2025).

As criptomoedas têm vindo a ganhar relevância no contexto da política monetária de países com elevada inflação. A rede Tron, por exemplo, tem sido cada vez mais utilizada em serviços financeiros descentralizados, especialmente em economias onde a moeda local tem sofrido desvalorizações significativas.

Nos últimos anos, El Salvador tornou-se o primeiro país a adotar o Bitcoin como moeda de transação legal, numa tentativa de reduzir a dependência do dólar americano. Na Argentina, Javier Milei tem vindo a promover uma série de iniciativas para facilitar a livre circulação de criptomoedas, incluindo o Bitcoin, já a partir de 2025.

Nesse país, a população tem recorrido cada vez mais a stablecoins — moedas cujo valor está indexado a ativos como divisas, commodities ou instrumentos financeiros — como forma de proteção contra a desvalorização do peso argentino. No entanto, a crescente popularidade das criptomoedas tem também sido acompanhada pelo surgimento de esquemas fraudulentos, como o caso da Meme coin $Libra na Argentina, que se aproveitou deste ambiente de crescente adoção para enganar investidores com pouca literacia financeira.

Apesar da associação predominante às cryptomoedas, o universo dos crypto-ativos é vasto e pode ser categorizado em três grandes classes, de acordo com o Global Crypto Classification Standard (Protocol Level 1): plataformas de smart contracts, aplicações descentralizadas (dApps) e criptomoedas.

As plataformas de smart contracts, como Ethereum, permitem a criação de dApps de que são exemplo os serviços financeiros descentralizados (DeFi). DeFi é um dos segmentos mais promissores das dApps, proporcionando alternativas a serviços financeiros tradicionais, incluindo empréstimos, seguros descentralizados, produtos derivados/sintéticos, e gestão de ativos. Já as criptomoedas, lideradas pelo Bitcoin e amplamente conhecidas pelos mais jovens investidores (ou talvez seja melhor referir-me a estes como jovens “especuladores”), são vistas como alternativas ao dinheiro fiduciário, embora ainda enfrentem desafios de volatilidade e aceitação generalizada.

Embora os crypto-ativos sejam promovidos como ferramentas para inclusão financeira, os seus desafios são evidentes. A extrema volatilidade é um dos seus maiores desafios. Por exemplo, o preço do Bitcoin variou entre US$3.800 em 2018 e os US$57.800 em 2021, caindo para $16.600 em 2022 antes de recuperar para US$41.450 em 2023, e de atingir a barreira dos USD$100.000 em 2024. Esta oscilação é significativamente superior à de moedas fiduciárias tradicionais, tornando a criptomoeda um ativo altamente especulativo.

A avaliação de crypto-ativos, no geral, é um desafio devido à ausência de modelos financeiros consolidados. Alguns dos principais métodos usados por profissionais de investimento, de acordo com Research and Policy Center do CFA Institute, incluem aproximações aos modelos tradicionais de Discounted Cash Flows e Avaliação por Múltiplos ou, em alternativa, visam o recurso métricas on-chain. Cada um desses modelos apresenta limitações sérias e variadas e não têm sido capazes de explicar o valor e volatilidade dos crypto-ativos.

Outro tema de debate é o do impacto ambiental e da sustentabilidade financeira da mineração de cryptos. O Bitcoin, por exemplo, que utiliza o mecanismo de Proof-of-Work, consome uma quantidade significativa de energia elétrica, com estimativas que sugerem que a rede consome anualmente mais energia do que alguns países, como a Argentina ⎯ o que tem também implicações sobre a rentabilidade financeira da sua mineração (estimativas aqui: https://tools.bitbo.io/mining-calculator/). Alternativas tecnológicas de smart contracts e mineração como Proof-of-Stake, entretanto adotado pelo Ethereum, são apresentadas como soluções mais sustentáveis, reduzindo em mais de 99% o consumo energético.

No combate à fraude e especulação, a regulação do setor parece ser uma prioridade para governos e instituições financeiras. No entanto, com a administração Trump, poderá haver um retrocesso nos avanços regulatórios recentes, o que pode gerar incerteza nos mercados. Recorde-se que nos EUA, antes da atual administração, a aprovação de ETFs de Bitcoin representou um passo significativo para a institucionalização das criptomoedas. Já no seio da UE avançou-se com o MiCAR, que estabelece uma estrutura regulatória abrangente, e a moeda digital (centralizada) passou a estar na retórica e lista de prioridades dos seus burocratas ⎯ que têm discutido se as stablecoins podem de facto contribuir para a estabilidade do setor e facilitar a sua integração no sistema financeiro tradicional.

Por tudo isto, as universidades desempenham um papel crucial na compreensão e avaliação crítica dos crypto-ativos segundo perspetivas científicas e agnósticas. A investigação deve centrar-se na avaliação dos crypto-ativos, nas suas várias classes, enquanto instrumento financeiro, mas também na sua sustentabilidade económica, impacto social e capacidade de promover a inclusão financeira. Acresce que, do ponto de vista económico, importa perceber se o caminho que tem vindo a ser feito pelas autoridades monetárias no campo da moeda digital garante resposta às preocupações das economias que têm adotado a Bitcoin e afins como parte da sua política monetária, soberana e nacional, sem que isso comprometa a capacidade de gerir convenientemente a política monetária, cambial e creditícia como instrumento ao serviço de equilíbrio entre (e das) economias e das suas populações.

“A academia deve envolver-se ativamente no debate sobre os crypto-ativos para garantir que a discussão seja orientada por rigor científico.”

Se os crypto-ativos representam uma revolução duradoura ou uma bolha especulativa continua a ser um debate em aberto (e demasiadas vezes apaixonado), mas o seu impacto no mundo financeiro é já inegável e certamente continuará a moldar os mercados globais na próxima década. Neste contexto, a academia tem um papel fundamental a desempenhar. A sua ausência neste debate deixaria um vazio que seria inevitavelmente preenchido por outros atores, cujas agendas podem nem sempre estar alinhadas com a transparência, a estabilidade financeira ou o interesse público. Um envolvimento mais ativo da investigação académica permitirá enriquecer a discussão com perspetivas rigorosas e independentes, ajudando a equilibrar o discurso e a informar decisões políticas.