Opinião de Vinícius Pereira de Paula
Também incluído no FEPIANO 41, publicado em Maio de 2020
Os números não mentiam. Entretanto, a euforia dos mercados camuflava a crise financeira que já era avistada por alguns no horizonte.
O novo Coronavírus impôs ao mundo um grande desafio: reduzir o contacto entre humanos para conter o seu avanço. A medida levou à diminuição das transações comerciais e à queda de produtividade em todo o globo. O impacto económico é já sentido e previsões de uma nova recessão económica são amplamente divulgadas. Mas a nova depressão não foi causada pelo microrganismo. Não o culpe.
Já no final da década, os dados indicavam o fim de um ciclo de mais de 10 anos, porém com problemas mais graves. O Fundo Monetário Internacional (FMI), publicou, em 2018, que o nível de endividamento público e privado das nações havia alcançado os incríveis US$ 188 biliões, menor apenas que a dívida contraída durante o período da Segunda Guerra Mundial, como divulgado pelo ‘El País’. O alto endividamento juntava-se ao declínio sistemático do PIB em todo o mundo, a gerar uma relação global média de 226%.
E por que razão isso seria preocupante? Segundo o FMI, o alto endividamento deixa os países vulneráveis. De acordo com a instituição, a dívida pública entre as economias avançadas, em 2018, já era 90% maior que a do cenário pré-crise de 2008. E não se pode falar em dívida sem a atribuir à última depressão, na qual os governos e empresas apelaram às baixas taxas de juros e ao alongamento dos empréstimos.
Outro indício estava na valorização do ouro a partir do fim de 2018. Historicamente, o metal é valorizado em cenários de contração. E o neófito bitcoin, concebido para ser um ativo resistente às crises, não ficou atrás, entrando num novo ciclo de alta. Além disso, outros problemas geravam incerteza no horizonte: o Brexit, a guerra comercial entre os EUA e China e a fragilidade dos bancos em todo o mundo revelavam agonia na conjuntura económica.
Todavia, na contramão dos números, o bom ânimo por parte dos investidores gerava efervescência nos mercados e camuflava os problemas. A bolsa americana bateu recordes; ações de empresas que vivem de crédito e pouco ou nenhum lucro valorizaram. No Brasil, a expectativa do novo governo, liberal, desviou os maus ventos além do Atlântico e, em 2019, mais de 700 mil novos investidores chegaram à bolsa, que alcançou os 100 mil pontos pela primeira vez na sua história.
Porém, muito desse crescimento deve-se às ações dos bancos centrais em todo o mundo, que se têm esforçado para injetar liquidez no mercado, comprando dívidas, a fim de impedir quebras. E o anúncio da inversão da curva de juros americana em agosto de 2019 ativou, finalmente, a desconfiança de uma recessão. De facto, as coisas não estavam a andar bem.
Com o presente chinês na entrada da década, a economia, que já respirava por aparelhos, foi obrigada a poupar energia. E isto é mau para quem já não tinha muita saúde. A necessidade de aumentar ainda mais os gastos governamentais para conter a pandemia encontra agora o desafio de ter de amparar empresas e trabalhadores em todo o globo. Tudo indica que 2020 e 2021 serão anos perdidos para o crescimento económico, mas isto aconteceria de qualquer maneira, pois os tempos de expansão já estavam no seu fim.
Comentários