Opinião de Tiago Martinez
Também incluído no FEPIANO 42, publicado em Fevereiro de 2021
É clara a mudança gradual na posição do público relativamente a diversos assuntos da atualidade que impliquem direitos dos animais. Desde a exigência de melhores condições de vida em matadouros (ou até abolição dos mesmos), à procura mais ávida de casos de violência contra animais domésticos, os temas têm tido muito maior atenção e cobertura dos vários meios de comunicação social, com especial preponderância nas redes sociais e entre jovens. Esta corrente modal e ativista não pode deixar de abranger, naturalmente, um assunto tão controverso como é hoje a tourada.
Atualmente, touradas, e principalmente aos olhos dos jovens, são considerados nada mais que espetáculos de pura barbárie e de entretenimento à base do sofrimento alheio. Na tentativa de dignificação animal constante (o que não deixa de ser um motivo nobre), as touradas são colocadas na mesma categoria que um matadouro. Todavia, são muitas as abordagens possíveis que demonstram razões pelas quais touradas não se aproximam do conceito de retirar dignidade ao animal.
Em primeiro lugar, e com bastante ênfase, é perfeitamente legítimo alguém não apoiar touradas pela simples razão de não gostar do espetáculo. Do mesmo modo que alguém tem liberdade para não gostar de ópera e, por isso, criticar os eventos de ópera, a título de exemplo, também alguém pode adotar essa abordagem relativamente ao pelejo do touro. Isto não invalida, contudo, a possibilidade de se tratar de um assunto de caráter superior ao nível de direitos e que, por consequência, carece de intervenção, de um modo distinto da ópera.
Indo, no entanto, a um ponto mais concreto da discussão, há, desde logo, uma percentagem considerável da população (86.7%) que não tem posição contrária à realização de touradas. Da totalidade da amostra, 30.3% afirmou ser aficionado pela corrida de touros, 33.7% afirmou ter uma posição neutra e 22.7% diz não apreciar, mas respeitar o gosto e realização. (Eurosondagem, 2019)
Somente a partir da análise destes gostos, e estando pressuposto um sistema democrático, a maioria dos portugueses não se insurge contra a tourada, o que desde logo é indicativo de algo que, pelo menos nos próximos anos, não deveria ser mudado por vontade popular.
Abordando, todavia, um lado mais ético e científico do assunto, há vários factos a apontar. O primeiro, e como resposta a um argumento generalizado entre ativistas acerca de respeito pela espécie de touro-bravo e a sua preservação, é o facto de esta ser uma espécie que, sem o negócio das corridas por detrás, seria extinta, uma vez que deixaria de ser rentável, dada a sua natureza agressiva. Acrescido a isso, é um animal que, de modo a poder ser utilizado em corridas, é criado sempre ao ar livre e no campo, o que, colocando em comparação com uma vaca de matadouro, acaba por ser uma vida francamente mais dignificante.
Para concluir, é, como enfatizei anteriormente, perfeitamente aceitável ser-se contra a tourada dependendo da importância dada ao animal e dada a subjetividade da experiência na arena. Contudo, não só há uma maioria significativa portuguesa que não está contra a sua realização como também, caso se seja fundamentalmente contra, há toda uma panóplia de situações de atentados infinitamente superiores à dignidade animal, não sendo, aos olhos de muitos, a tourada sequer um desses.
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