Opinião de Carolina Pinho
Também incluído no FEPIANO 42, publicado em Fevereiro de 2021
Escrito em 1932 por Aldous Huxley, O Admirável Mundo Novo retrata uma sociedade futurista, regida pela tecnologia e pelo totalitarismo, cujos únicos objetivos são a produção e o consumo em massa. Para que estes fins sejam atingidos, é necessária uma população subserviente, apática, alheia de opinião própria e mergulhada na crença de que esse é o único modo de vida capaz de lhe trazer a felicidade total, população esta criada em provetas, clonada e manipulada através do sono. Será esse um futuro assim tão distópico?
O que é que lidera o mundo atual senão a busca incessante por dinheiro? Incutiram-nos a ideia de que o nosso tempo só é útil se for despendido a trabalhar, porque o propósito da vida é a obtenção de riqueza e, como diz Huxley, aqueles que leem Shakespeare são os ‘’selvagens’’, que não estão a executar o passo seguinte da cadeia de produção. Somos formatados para considerarmos como expoente da felicidade os bens materiais e, desta forma, nunca deixarmos de querer trabalhar, por ser o único meio de os obter, nem de querer consumir, por precisarmos constantemente do novo, do melhor e do igual aos outros. Não nos clonam à nascença porque sabem que o faremos sozinhos.
Ao mesmo nível da nossa dependência do consumo, está a dependência da tecnologia. Passamos os dias agarrados aos ecrãs, viciados em provar aos outros as nossas realidades artificiais. Nunca sentimos o cheiro do mar, mas tiramos fotografias ao pôr-do-sol para as redes sociais. Perdemos o interesse pelas relações humanas porque está tudo à distância de uma mensagem mais rápida e prática do que um contacto físico que obriga a sair da zona de conforto. Afastamo-nos de tudo o que envolve sacrifício e esforço. Queremos o imediato e fácil, mesmo sendo impessoal e insignificante. Procuramos a felicidade instantânea. Não é muito mais fácil tomar um grama de SOMA sempre que a tristeza se apodera de nós? A ideia de um comprimido controlador das emoções pode ser intrusiva, mas no fundo alguém o recusaria?
Huxley escreveu que a felicidade depende da estabilidade e que esta é posta em causa quando fomentamos emoções, cujas fontes são as relações humanas, a arte e a cultura. Talvez seja essa a razão de estarmos a assistir ao vivo à abolição de todas elas: o nosso medo de instabilidade; talvez seja a nossa falta de tempo, porque todo ele é dedicado ao trabalho; ou talvez não haja interesse no seu cultivo, pelos sentimentos que despertam, e porque são elas que nos abrem a mente, desenvolvem pensamento crítico e opinião própria e consciencializam da manipulação a que estamos sujeitos. Sem arte e cultura gera-se estabilidade e ignorância: a receita para trabalhadores árduos, felizes e conformados. Não só vivemos obcecados com máquinas, como também nos estamos a tornar nelas: apáticos, imóveis, padronizados, sem conteúdo, raciocínio ou emoções.
Quando é que o mundo nos convenceu a trocar um jantar com amigos por um telemóvel novo? Pode ser tarde para o salvar do consumo e da tecnologia, mas salvem-se as relações humanas, a arte e a cultura, pois, especialmente na situação que vivemos, tornou-se óbvio que a felicidade nunca estará na estabilidade da vida monótona e isolada, mas no (des)conforto do desconhecido.
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