Vitória Neri
Também incluído no FEPIANO 42, publicado em Fevereiro de 2021
Responsável pela movimentação de 6,45 bilhões de euros em receita anual, o equivalente a 0,5% do PIB brasileiro em 2019, a indústria cinematográfica é um dos setores que vem ganhando visibilidade em termos de crescimento ao longo dos anos, segundo o Brasil de Fato – um fator de 8,8% ao ano, entre o período de 2007 a 2013 (dados da Ancine). O espectro do cinema expõe parcelas de realidades brasileiras para além das quatro paredes das salas de cinema – em um caráter que ultrapassa o cultural e contagia um âmbito político-social.
Com 72% das exibições nas salas de cinema se concentrando nos filmes de produção internacional, sobretudo o hollywoodiano, os filmes brasileiros ainda possuem um percentual tímido de presença no tempo de tela dos grandes cinemas do Brasil – em torno de 28%, os quais representam um aumento de mais de 19% quando analisado o período entre 2009-2015 (dados do Observatório do Cinema e Audiovisual).
Renascida com a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual no início dos anos 90 e impulsionada pela Agência Nacional do Cinema – Ancine (2001), a indústria cinematográfica brasileira vem ganhando notoriedade aos poucos – com o drama Central do Brasil (1998), o qual recebeu indicação ao Oscar de melhor atriz por Fernanda Montenegro, a dose de realidade carioca do início dos anos 2000, Cidade de Deus (2002), com quatro indicações ao Oscar e as comédias e ficções policiais de sucessos estrondosos de bilheteria, por exemplo – ao longo das últimas três décadas, chegando ao seu ápice de visibilidade no ano passado com exibições em diversos festivais internacionais, além de dois prémios inéditos no Festival de Cannes e a indicação de Democracia em Vertigem ao Oscar de melhor documentário.
Ao mesmo tempo que o cinema brasileiro via seu ápice em termos de reconhecimento internacional, presenciou também vislumbres das dificuldades que estaria prestes a enfrentar. No início de 2019 houveram diversas retaliações do governo Bolsonaro contra indústria cinematográfica – as quais envolvem cortes e redução de verbas, extinção do Ministério da Cultura e paralisação de novas concessões ao setor audiovisual, por exemplo – ações de reflexo a uma gestão federal cujas primeiras decisões deixaram claro o desprestígio da cultura como projeto político. As medidas incorporadas e a indicação de seu agravamento representam uma ameaça real à continuidade de um ciclo dos mais expressivos para o audiovisual brasileiro, de uma perspectiva simbólica e econômica. Consequentemente, frustram as expectativas quanto a aprimoração e correção de uma política audiovisual que se visa geradora de uma indústria autossustentável do audiovisual.
Em um cenário de incertezas, tanto em um contexto causado por razões políticas quanto sanitárias, a única certeza é que a crise na indústria cinematográfica é algo cujo reflexo já está sendo sentido nas atividades dos demais quase setenta setores da economia brasileira que estão de algum modo interligados ao audiovisual. Os questionamentos que remanescem são: conseguirá a indústria superar o momento de crise e continuar com a perspectiva de crescimento? E quantos booms serão necessários para a consolidação do audiovisual brasileiro? Infelizmente, só o tempo poderá dizer.
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