Maria Gomes
Também incluído no FEPIANO 42, publicado em Fevereiro de 2021
Com a pandemia, as nossas vidas mudaram. Dando destaque aos profissionais da cultura, por esta ser uma edição dedicada ao setor, procuramos entender as diferentes formas como estes se adaptam a esta nova realidade.
Para tal, chegamos à fala com três destes profissionais: uma atriz, professora de teatro e recente podcaster, Márcia Pacheco, um ator e professor de teatro, Nuno Martins, e uma professora de dança, Paula Vasconcelos. Desde já, agradecemos a disponibilidade que demostraram para a realização deste artigo!
Demos-lhes apenas uma questão: “De que forma se reinventaram durante a pandemia?”. É de constatar que as respostas foram muito surpreendentes e diversificadas! Veja os resultados:
Márcia Pacheco
“Quando começamos esta coisa de nos confinarmos, logo no início de março, eu estava a preparar-me para um espetáculo, a decorar texto. Seria na zona interior do país, um espetáculo itinerante, onde nós andávamos pela rua. Logo por aí, as coisas ficaram sem efeito: o espetáculo foi adiado e mais tarde cancelado, tal como aconteceu noutros trabalhos como atriz. Na altura, ainda estava a dar aulas numa escola, onde estávamos a preparar um espetáculo e, também aí, as coisas ficaram um pouco “penduradas”.
Andava muito ansiosa sobre o que é que se podia fazer, principalmente como gerir o meu tempo, porque vivo sozinha e, como tenho uma doença autoimune e os meus pais também continuavam a trabalhar, optei por ficar no apartamento onde estava, sozinha. Portanto, estive quase dois meses sem ver ninguém. Não ia sequer às compras – encomendava tudo online. Só saía de casa para levar o lixo. Como devem compreender, a ansiedade começava a instalar-se e, portanto, tentava manter-me ocupada durante os dias.
Tinha alguns projetos que estava prestes a executar, como um podcast que falava sobre viagens e futebol. No entanto, como não iria viajar tão cedo, percebi que não os podia executar como estava a planear.
Um dia, estava com um pouco de ansiedade e não conseguia adormecer, então lembrei-me (numa altura em que nem sequer tínhamos futebol) de contar histórias sobre futebol. Nos meus tempos livres, gosto muito de ver e de falar de futebol. E se eu pesquisasse histórias sobre futebol, se pedisse às pessoas que me contassem histórias sobre a modalidade? Como tenho esta coisa de trabalhar com a voz no teatro, iria usar essa ferramenta para fazer o que sei fazer de melhor: interpretar um texto. Pelo menos, mesmo que não ganhasse dinheiro com isso, eu estava a tentar levantar um projeto, a dar-me a conhecer a outras pessoas. Seria uma forma de tentar “abrir portas” e conhecer outras pessoas que me pudessem chamar para compromissos profissionais no futuro.
Daí nasceu o podcast Histórias da Bola para Adormecer. No início, foi muito interessante porque fui desafiando algumas pessoas. Quer dizer, foi um pouco difícil no início, mas depois comecei a agendar chamadas, e só o facto de eu começar a falar com outras pessoas já foi um desbloqueio criativo, o que, na altura, foi ótimo: fez-me imensa companhia e ajudou-me a “abrir algumas portas”.
O podcast acabou por me levar a algumas pessoas que não me conheciam e que ficaram a conhecer algumas das minhas ferramentas, nomeadamente na comunicação, na interpretação e no teatro. À custa disso, tenho conseguido alguns trabalhos e desafios profissionais. Acho que foi uma boa decisão!”
Nuno Martins
“Não senti que me tivesse de reinventar, porque, graças a Deus, continuei a dar aulas, apesar de ter parado todos os trabalhos que já tinha programado. Vi muitos filmes e séries, li livros, fiz e toquei muita música e fiz vídeos de música parvos para o Instagram.
Foi uma “seca”, mas tentei estar ocupado, para além das aulas (para não estar só a olhar para a televisão “a ver coisas”). A meio da quarentena, comecei a montar um estúdio!”
Paula Vasconcelos
“O primeiro projeto foi andar pela rua, sozinha, com uma música que me veio à cabeça e que estava a pensar trabalhar com uma turma de Broadway Jazz. A ideia foi levar um pouco de alegria e de animação às pessoas, uma vez que estavam todas confinadas dentro de casa. E então, a partir dessa iniciativa (que teve, de certa forma, algum sucesso), eu passei o meu sábado quase de “porta em porta e de janela em janela”, a dançar e a fazer com que as pessoas dançassem comigo!
Como teve uma adesão bastante interessante, as pessoas pediam-me para que eu passasse mais vezes. Abraçaram a iniciativa e eu fiquei muito feliz por ter dado o primeiro passo!
Entretanto, o que acontece é que as escolas onde eu estava a trabalhar também tiveram de se reinventar e todos nós começamos a dar aulas no Zoom. Tenho de dizer que toda a gente se questionava como é que era possível dar aulas de dança assim, mas o que é facto é que foi possível! Parecia uma coisa extremamente estranha, mas comecei a perceber que conseguia dar uma aula dentro da minha casa, o que foi muito divertido, para além das peripécias que fomos criando com os alunos. Foi um grande desafio! De qualquer forma, dentro das coisas que correram mal, houve várias coisas que correram muito bem e que foram muito gratificantes.
Enquanto estávamos a trabalhar, cada um em suas casas, construímos um grupo em que conseguimos fazer todos juntos o musical do Mamma Mia. Aquilo que eu tinha feito no início da pandemia, dançar na rua, acabamos por transferi-lo para o verão, apresentando este musical em vários lugares do Porto. Falei com as Câmaras, fazendo com que eles pegassem neste projeto, agora com os alunos e não sozinha.
Aquilo que tenho a dizer é que, apesar de tudo que a pandemia nos trouxe, conseguimos reinventar-nos de tal forma que criamos coisas muito interessantes e bonitas. Acabamos por fazer os outros felizes também! Foi muito gratificante e engraçado. Não estou triste, porque conseguimos fazer imensas coisas, mas tenho de dizer que, realmente, a retoma ao presencial e a retoma do nosso trabalho já nos fazia muita falta, pelo calor humano e pela presença com os outros. Mesmo assim, se algo correr mal outra vez, ninguém vai ficar sem dançar, porque nós cá estaremos!”
É impressionante a diversidade, mixórdia, de rumos/opções que podemos fazer com a nossa vida! E ainda mais se pensarmos que estamos confinados a quatro paredes! Cabe-nos procurar ultrapassar os obstáculos da melhor forma que conseguimos, e estes três exemplos retratam isto de forma brilhante! Só nos resta desejar um bem hajam aos artistas, neste caso, uma salva de palmas!
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