Opinião de João Tavares
Também incluído no FEPIANO 41, publicado em Maio de 2020
Depois de a morte medicamente assistida (ou eutanásia) ter sido despenalizada em alguns países, o debate acerca da criação de um regime legal que permita a sua realização estendeu-se ao nosso país, onde a prática ainda é considerada crime.
Após uma vitória do “não” em 2018, quando o tema foi votado pela primeira vez no Parlamento, o debate voltou a acender-se nos últimos meses. Levado novamente a votação em fevereiro, as cinco propostas de descriminalização da eutanásia foram aprovadas na generalidade, seguindo para discussão na especialidade.
Este tema revelou-se fraturante na sociedade portuguesa, tendo apoiantes e opositores assumido posições vincadas com argumentos interessantes.
Um dos argumentos que mais tem sido utilizado pelos opositores é o argumento, baseado em crenças éticas ou religiosas, de que a vida humana é “sagrada e inviolável”, e de que a dignidade é intrínseca à morte natural. Eu acredito que esta é, acima de tudo, uma questão de escolha, assente na liberdade individual daqueles que se encontram em profundo sofrimento. Trata-se de um último direito, uma última liberdade – escolher morrer “de acordo com os critérios de dignidade que cada um construiu ao longo da vida”, ao invés de acabar num “sofrimento inútil e sem sentido, imposto em nome de convicções alheias” (como escreve o “Movimento Direito a Morrer com Dignidade”). Negar-se esta vontade a quem, em plena consciência e de forma justificada, decide que a sua vida deve terminar porque esta consiste num sofrimento terrível e sem fim, é, a meu ver, uma falta de respeito.
Outro dos argumentos frequentemente invocados pelos opositores da eutanásia defende o investimento no alargamento e na melhoria da rede de cuidados paliativos como alternativa à eutanásia. Acreditam que esta é a solução para atenuar o sofrimento a doentes terminais, assegurando-lhes uma morte mais pacífica e digna. Este é um argumento claramente utópico, por duas razões. Por um lado, porque assume que todo o sofrimento pode ser atenuado – na realidade, há sofrimentos aos quais só a morte consegue pôr fim. Por outro lado, porque parte do pressuposto simplista (e, tanto quanto sei, errado) que um maior investimento na rede de cuidados de saúde se traduzirá numa maior qualidade de vida para os doentes terminais. Enfim, não é “atirando mais dinheiro ao problema” que a dor física e psicológica dos doentes terminais se esvai.
Por fim, outro dos argumentos que tem sido invocado por aqueles que são contra a descriminalização da morte medicamente assistida prende-se com a questão de esta prática constituir uma violação ao Juramento de Hipócrates, um juramento professado por todos os médicos aquando do fim da sua formação. Apesar de não constituir uma solução perfeita, nomeadamente por eventuais pressões profissionais, é importante frisar que os cinco projetos aprovados preveem a hipótese de objeção de consciência pelos profissionais de saúde.
Em suma, são diversos os argumentos a favor e contra a morte medicamente assistida, havendo múltiplos argumentos válidos para ambas as posições. Mais do que convencer-vos a seguir a minha opinião, pretendo contribuir de forma positiva para a discussão sobre o tema, que deve ser sempre feita de uma forma informada e com respeito.
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