Nunca é fácil abordar o tema da eutanásia. Passível de inúmeras abordagens, é um tema que exige um discurso cuidado e uma ida ao cerne de questões que, noutro contexto, consideraríamos levianas ou indignas de atenção. Uma delas, tendencialmente ignorada ou vaga e mal utilizada é a alusão ao conceito de dignidade.

A palavra dignidade provém do latim “dignitas”, que significa valor, pelo que se pode começar a ter uma ideia do que ser a dignidade. Há que ir mais a fundo, às obras dos grandes filósofos sobre o tema.

A primeira delas, datada de 1486, foi escrita por Pico della Mirandola. Na sua única obra publicada, este aponta a dignidade como o que distingue os homens dos demais seres, o que os aproxima de Deus. Essa dignidade assenta no facto de só o ser humano se conseguir alterar a partir do livre arbítrio, enquanto todas as outras alterações na natureza se deviam a uma força externa. Nesse aproximar, Pico defende que só Deus tem ou devia ter, por esta associação de ideias, influência no que é externo ao Homem, nomeadamente a morte.

Temos também o exemplo de Kant, que também abordou o tema da dignidade, mas em pouco divergiu de Pico, somente na relativização do conceito dignidade, alegando ser mutável em muitas questões.

Assim, há que olhar para a atualidade, para o que é e não é chamado de dignidade e para o exemplo, ou seja, o que se tem verificado em casos concretos, de modo a termos um mais completo entendimento desta questão.

Primeiramente, devemos olhar para o que dizem os centros de bioética sobre a questão. Em 2008, o presidente do concelho de bioética dos EUA, numa carta endereçada a George W. Bush, afirmou que “não há consenso universal acerca do significado do termo “dignidade humana”. Com isto, há que retirar a conclusão de que não houve nem há ainda consenso sobre tudo o que engloba o termo dignidade, a que se pode ou não referir e que, como consequência, não é um termo que se possa usar de um modo tão recorrente e potencialmente descuidado como tem vindo a ser.

Deste modo, será importante ver o que é claro, indiscutível e o que tem vindo a ser a experiência do debate da eutanásia e até, nalguns casos, da implementação.

Os mesmos médicos que hoje são aplaudidos devem ser ouvidos. Representados pela Associação Médica Mundial, esta afirmou, em 2005, e continua a afirmar que “a morte medicamente assistida, ou eutanásia, é antiético e deve ser condenada pela profissão médica”. Para além disso, é representado por 49% dos médicos a posição “contra”, e a defensora da eutanásia por 39%.

Ainda assim, um grande argumento a que os adjuvantes da eutanásia recorrem é o de este ato médico se aplicar a uma minoria e que, assim, não há que temer pelos que não querem. O caso da Holanda é um muito debatido, mas em simultâneo fortemente abafado pelos meios de comunicação e pelos defensores da eutanásia. Este exemplo mostra-nos o contrário e como a legalização inicial faz a situação progredir para proporções assustadoras. Esta chegou ao ponto em que se começou a debater a legalização de um comprimido que permite a morte, acessível a partir de uma certa idade.

A exceção muitas vezes faz a regra e, por vezes, há que ir para além da pesquisa elementar ou parcial. Esta questão é o exemplo primário dessa necessidade.