Macau e Itália são parte do conjunto de países infetados pelo vírus da COVID-19, mas o número de casos em cada um deles é um fator de surpresa por razões opostas. A análise cronológica gera questões sobre a atuação preventiva das autoridades.
Enquanto a China lidava com o aparecimento do que, na altura, apenas se pensava ser uma “pneumonia de origem desconhecida”, com 509 casos positivos e 17 mortes na província de Hubei, a região de Macau, com zero casos, já controlava a temperatura corporal nos portos e beneficiava das medidas decretadas pelo governo central, como a proibição de voos a partir e para a região onde o foco de contágio começou. Macau avançou com medidas preventivas três dias após o aparecimento do primeiro caso de um cidadão não macaense, a 22 de janeiro de 2020, que incluíam o uso obrigatório de máscaras de proteção para os trabalhadores dos casinos, a desinfeção dos sistemas de ventilação de aeroportos, estações e centros comerciais, o cancelamento das celebrações do Novo Ano Lunar, bem como de outras atividades, e a definição do preço das máscaras a preço de custo para residentes e trabalhadores não residentes. Desde então, o chefe de governo foi apelando à população a permanecer no território e, no caso de um indivíduo ter sintomas, a ficar em casa de forma evitar o risco de novas contaminações. No dia 26 de janeiro, já com cinco casos confirmados, casos esses importados a partir dos acessos marítimos e terrestres, foi imposta a todas as pessoas que tenham estado em Hubei nos catorze dias anteriores a apresentação de uma declaração médica, atestando que tenham feito quarentena e que tenham testado negativo para a COVID-19. Ao sétimo caso, as férias do Ano Novo chinês foram prolongadas, a polícia local continuou a contactar todos os originários de Hubei que ainda estariam no território e as escolas e recintos desportivos continuaram fechados, bem como os serviços públicos. Por esta altura, os casinos de Macau registavam uma queda de 11,3% das receitas brutas de jogo.
O primeiro caso de um cidadão macaense aparece no dia 3 de fevereiro. Nesse dia, o uso de máscara passa a ser obrigatório em táxis, autocarros, metro ligeiro e casinos. No dia 5 de fevereiro, com dez casos confirmados, o corte das linhas marítimas entre Macau e Hong Kong é imposto, bem como a suspensão da atividade dos 41 casinos, incluindo cinemas, espaços de entretenimento, salas de jogos, teatros, bares, discotecas e clubes noturnos. Macau permaneceu sem nenhum caso positivo de COVID-19 durante quarenta dias, surpreendendo todo o mundo. Mantém-se a obrigação do uso de máscaras até aos dias de hoje.
Durante este período, do outro lado do mundo, Itália já registava dois casos positivos, confirmados no dia 31 de janeiro: um casal chinês que viajou para o território, levando ao decreto do estado de emergência com a duração de 6 meses e ao cancelamento dos voos de e para a China. Itália foi dos primeiros países europeus a implementar este tipo de medidas. Por esta altura, os governadores das regiões do Norte pediam ao governo central isolamento para que todos os que regressem ao território italiano provenientes da China. Entretanto, uma vez que nenhuma medida restritiva em relação aos eventos foi tomada, entre os dias 9 e 11 de fevereiro realizou-se, em Milão, a Feira Internacional de Turismo (BIT) reunindo, cerca 40 mil pessoas, desde jornalistas a viajantes. Outras ações preventivas envolvendo eventos culturais e desportivos foram implementadas já numa fase de aumento dos casos, como a suspensão dos Jogos da Serie A, no dia 4 de março, uma altura em que Itália registava 2.502 casos. Três semanas depois do aparecimento dos primeiros casos, o dia 21 de fevereiro começa com o anúncio do primeiro cidadão italiano a dar positivo, em Codogno, para o novo coronavírus – um homem de 38 anos, trabalhador da Unilever, que inicialmente se pensava ter sido infetado depois de jantar com um amigo que teria estado na China. No entanto, não foi esse o caso, continuando, até aos dias de hoje, a ser desconhecido o ponto de contágio deste senhor. As autoridades prontamente começaram a recriar todos os passos deste homem, colocando em isolamento imediato 250 pessoas, que potencialmente tinham estado em contacto com ele. No final desse dia, já dezassete pessoas tinham testado positivo para a COVID-19, com a região da Lombardia a tornar-se o principal foco da pandemia. Muitas suspeitas indicam que o vírus já circulava em Itália muito antes, mas que os infetados teriam sido tratados como casos de pneumonia, tornando o meio hospitalar um possível foco de contágio.
Em três dias, os casos explodem para 229 e registam-se seis mortes. Dez cidades da região da Lombardia são postas em quarentena geográfica, as universidades, escolas, museus e monumentos são fechados em toda a região norte e a quarentena obrigatória de catorze dias é imposta a quem entrar na região sul depois de ter estado no Norte. Nesse dia, Itália passa a ser o país com mais casos, depois da China e da Coreia do Sul. No dia 26 de fevereiro, o país contava com 322 pessoas infetadas. Uma outra preocupação surge com o aparecimento de casos importados de Itália nos restantes países europeus, começando linhas de contágio nesses mesmos países, como foi o caso de Espanha e Portugal. Deste dia em diante, os números de casos positivos e de mortes atingiram proporções inimagináveis.

Muitos e importantes fatores dividem as duas regiões apresentadas, nomeadamente dimensão, população, fatores sociais, a forma como encaram as medidas governamentais e mesmo razões históricas, uma vez que Macau já sofreu em tempos passados com um outro tipo de coronavírus, o SARS.
Hoje em dia, em Macau, a preocupação aumenta em relação aos casos importados – no dia 7 de maio, o total de casos passa para 45, todos importados de países como Portugal e Espanha. Por outro lado, Itália registou, no dia 7 de maio, 214.457 casos positivos e um assombroso número de 29.684 mortes. Itália, apesar de ter sido proativa nas restrições em relação aos cidadãos retornados da China, não implementou medidas preventivas em relação ao contacto social local nas semanas em que se registaram os primeiros casos no território. A questão põe-se: será que, se essas medidas de contenção social tivessem sido tomadas em Itália, seriam realmente cumpridas pelos cidadãos? Imagens e relatos de festas e aglomerados sociais em praias e noutros espaços de convívio correram o mundo, mesmo depois dos apelos governamentais em Itália e em países como Portugal. Já nos países do continente asiático, continua a existir um maior rigor no cumprimento de medidas impostas pelo governo, devido a questões culturais e políticas.
Nota: Dados relativos a Itália retirados de relatórios do Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC). Dados relativos a Macau retirados do site oficial do governo de Macau criado para esse propósito.
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