É inquestionável o papel da indústria no desenvolvimento económico português, mas o seu futuro acarreta um conjunto de incertezas impossíveis de antecipar. Tentamos compreender melhor esta realidade sob o olhar de António Amorim, alumnus da FEP e presidente de um dos mais pujantes centros tecnológicos do país, o CITEVE – Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal.

Com um foco na indústria têxtil, o CITEVE ganhou destaque recentemente na certificação de máscaras sociais, objeto de uso corrente nas atuais circunstâncias. Mas é muito mais do que um mero organismo certificador: é um construtor de futuros industriais.

É inegável o impacto brutal da pandemia na economia portuguesa. O sector têxtil e do vestuário soube reinventar-se, com muitas empresas a substituírem a sua produção habitual pelo fabrico de máscaras e de equipamentos de proteção individual. O CITEVE desempenhou, neste processo, um papel fundamental: o da certificação dos produtos colocados no mercado. Como decorreu a gestão de todo este processo, desde a colaboração com as entidades de Saúde, ao processo de certificação propriamente dito? Foi uma prova de fogo à capacidade de resposta do CITEVE?

Foi sem dúvida uma prova de fogo, essencialmente devido à urgência e à intensidade dos pedidos de verificação da conformidade. O CITEVE já certificava produtos na área da proteção individual há vários anos, porque há empresas em Portugal que já se dedicam a essa atividade há muito tempo. Obviamente, com a pandemia, de um momento para o outro, demo-nos conta de que muitas empresas encontraram uma saída para as suas produções a produzir máscaras ou outro tipo de produtos de proteção individual e, portanto, precisaram de os certificar. O CITEVE esteve, desde a primeira hora, em contacto com o Ministério da Saúde e com a DGS, que, em conjunto e num diálogo muito estreito, conseguiram criar normas de certificação e o CITEVE esteve à disposição das empresas para lhas atribuir. Em muitas empresas, os clientes começaram a cancelar as encomendas – uma vez que o retalho parou, é natural que a cadeia de produção viesse também a parar em termos industriais. A alternativa que encontraram foi produzir máscaras, inicialmente para o mercado interno e depois também para exportação. Entretanto, surgiram também algumas dificuldades neste sentido, porque as certificações não eram válidas para toda a União Europeia, dado que existiam regras diferentes (o que, sobre o meu ponto de vista, estava errado). Isso depois conseguiu-se normalizar, mas, de início, não era claro que máscaras produzidas aqui em Portugal e certificadas pelo CITEVE pudessem ser exportadas, por exemplo, para a Alemanha, porque as normas de certificação deles poderiam ser diferentes. Quem diz a Alemanha diz outro país: a Itália, a França, … Houve alguns que, desde o início e mediante diálogo (inclusivamente com o CITEVE), se normalizaram no tipo de normas de certificação, mas houve outros países que não. Portanto, criaram-se ali alguns desequilíbrios. Ainda há bem pouco tempo, assistimos a uma declaração da Chanceler Merkel onde esta referia que apenas aceitaria as máscaras FFP2. Com estas palavras, ela procurou defender-se um pouco, porque o que aconteceu é que, na Alemanha, começaram a importar-se máscaras de todo o lado, inclusivamente da China, sem qualquer controlo da certificação. Ou seja, uma maneira de ela «matar» esse problema foi ir para um extremo, quando, no fundo, nós sabemos que se produzem aqui em Portugal, pelas empresas têxteis portuguesas, máscaras que têm o mesmo grau de eficiência em termos de proteção que as FFP2, ou se calhar até mais. Como resultado, criaram-se aqui alguns desequilíbrios, mas, felizmente, eu penso que está tudo ultrapassado. Agora, o CITEVE teve aqui, de facto, uma prova de fogo, porque a nossa missão é apoiar o sector têxtil e do vestuário e, nesse sentido, como a indústria tem um contacto muito mais apertado connosco e somos uma entidade certificadora, esta recorreu a nós, o que é normal. Note-se que o CITEVE não tinha o monopólio da certificação – nós também não o quisemos ter, nem fazia sentido tê-lo. Isto obrigou-nos a suspender muita da nossa atividade noutras áreas, nomeadamente na área laboratorial, na área de consultoria, até na área das engenharias; e isso tudo para fazer face a esse crescendo da certificação das máscaras. Mas foi um desafio completamente ultrapassado. Obviamente, foram cometidos alguns erros, mediante um processo tão abrupto e num período de tempo muito concentrado, mas o balanço é altamente positivo.

No fundo, temos a noção de que temos que fazer um serviço público

O processo de certificação, com centenas de empresas a recorrerem ao CITEVE, pode, no seu ponto de vista, constituir um marco de viragem no sector, com o reconhecimento da importância deste centro tecnológico para a capacitação da indústria e para o seu futuro? Considera que foi determinante para a credibilização da instituição?

Eu acho que o CITEVE já é uma instituição reconhecida há muito tempo junto do sector têxtil e do vestuário. No entanto, ao nível da sociedade em geral, as pessoas não tinham muito a noção das suas potencialidades, e não há dúvida nenhuma que todo este processo criou uma imagem de maior responsabilidade e até de um «saber fazer» e um «saber aproximar» da sociedade. O CITEVE é uma instituição privada cujo capital está distribuído pelas empresas têxteis e associações do setor – temos cerca de seiscentos detentores de unidades de participação –, mas nós temos também uma atividade um pouco social. Isto não é uma instituição pública, mas, no fundo, temos a noção de que temos que fazer um serviço público, e tudo isto que fizemos também foi, digamos, no sentido de prestar um serviço à sociedade, porque vimos que era absolutamente necessário. O CITEVE não ganhou dinheiro com a certificação das máscaras – até vos posso dizer que, nos primeiros quinze dias ou três semanas em que o CITEVE fez certificações, fê-lo gratuitamente. Depois, deixou de o fazer porque se apercebeu de que as empresas estavam a fazer negócio disso. A partir desse momento, não fazia sentido que nós estivéssemos aqui a fazer trabalhos gratuitos e, portanto, começamos a cobrar. Mas o CITEVE não ganhou dinheiro com as certificações das máscaras. Para o CITEVE, em termos de faturação, foi um prejuízo e chegamos a um período em que, não vou dizer que tenhamos posto um ponto final, mas começamos a deixar um pouco esse tipo de atividade e a regressar às nossas atividades «normais», que nos possibilitam faturar para ter sustentabilidade, porque este centro é autossustentável.

O papel do cluster do têxtil é absolutamente determinante

O Plano de Recuperação e Resiliência, recentemente apresentado pelo Governo português, salienta a importância do desenvolvimento de uma «bioindústria nacional através da produção de novos produtos de alto valor acrescentado, a partir de recursos biológicos em três setores estratégicos para a economia portuguesa», entre os quais o sector têxtil e do vestuário. Como avalia a capacidade de a indústria ir ao encontro das pretensões do Governo? O papel do cluster do têxtil será determinante neste caminho?

O papel do cluster do têxtil é absolutamente determinante e, neste caso, estamos a falar concretamente da bioeconomia. Posso já adiantar-vos que existe um projeto de grande dimensão do sector têxtil, coordenado com o CITEVE e reunindo também vários outros atores, baseado precisamente na bioeconomia, numa economia sustentável. A ideia é começarmos a fabricar fibras naturais à base de celulose, e temos uma floresta imensa que nos permite isso. Isto é absolutamente essencial e eu acredito que esse projeto vai mudar bastante a base do setor. Além disso, o sector têxtil está completamente adaptado e preparado para isso.

A pandemia obrigou a avançar rapidamente com a transformação digital das empresas. Os fundos europeus, quer o Quadro Financeiro Plurianual, quer o Next Generation EU, serão instrumentos financeiros essenciais para alavancar o ritmo de inovação registado antes da pandemia e contribuir para a transformação das estruturas empresariais do sector – a tão falada «reindustrialização»?

Sim. Neste momento, no mesmo sentido em que falamos da sustentabilidade, a digitalização é um aspeto fulcral que já vinha do passado. Mesmo antes da pandemia, já havia desenvolvimentos nessa área; a pandemia veio acelerar tudo isso. Ainda há semanas, fizemos aqui no CITEVE uma feira digital – o iTechStyle Showcase, integrando o Modtissimo [imagens] –, onde as empresas tiveram a possibilidade de fazer passar os seus modelos, os seus produtos, em 3D. Isso constitui uma prova de avanço muito grande na digitalização. No meu ponto de vista, isso é um aspeto que não tem retorno: vai haver (ou, aliás, já está a haver) um avanço muito grande nessa área que é muito importante para o sector. Agora, tudo isto se faz, mas é preciso dinheiro e, portanto, o Programa de Recuperação e Resiliência, nesse aspeto, é muito importante, uma vez que temos aí várias agendas e é nessas agendas que o sector se deve colocar – e creio que se está a colocar. Não é o meu papel falar das agendas; isso cumpre mais até às associações têxteis. Nós somos um centro tecnológico de apoio à indústria têxtil e do vestuário, assumimos as nossas responsabilidades, apoiamos as associações, mas são as associações, no fundo, que definem, de certa maneira, a estratégia nessas agendas. Agora, a digitalização é fundamental, está em marcha muito acelerada, e eu creio que é o futuro. Não quero com isto dizer que não venha a haver feiras presenciais, mas aquele número de feiras (praticamente semanais) que existia tem tendência a diminuir, porque a digitalização vai superar isso; não só nesse aspeto da apresentação dos produtos, das coleções, mas até no desenvolvimento dos desenhos – hoje, as empresas têm essas ferramentas ao dispor e movimentam-se muito bem nessa área.

Um dos grandes problemas que nós temos […] é a falta de recursos humanos devidamente preparados

Os estrangulamentos da economia portuguesa, nomeadamente no que concerne à liquidez das empresas, podem colocar em causa o sucesso deste processo de recuperação? Como avalia as políticas que têm sido anunciadas e adotadas pelo governo, neste contexto pandémico?

Bem, o governo tem anunciado imensas medidas, como sabem. Agora, às vezes, a dificuldade é colocá-las em prática. As empresas portuguesas, em geral – não falo apenas do sector têxtil e do vestuário –, têm um problema: têm capitais próprios geralmente muito reduzidos, muito abaixo da média europeia. Portanto, tem que haver, numa primeira fase, um reforço dos capitais próprios das empresas, por via de injeção direta de capital pelos acionistas (que nem sempre estão preparados para o fazer), ou então injeção de dinheiro através daquilo de que muito se tem falado, que é o tal Banco de Fomento, que ainda não foi criado. Isto é uma grande dificuldade que as empresas têm. As empresas estão muito pouco capitalizadas, estão muito dependentes da concessão de financiamentos por parte da banca e, portanto, podem ser criados aí alguns estrangulamentos. Era fundamental que as empresas se conseguissem capitalizar.

O Banco de Fomento poderia ser uma solução?

Eu acho que sim. Isto já se fala há alguns anos, mesmo antes da pandemia. Eu acho que poderia ser solução, uma vez que poderia ter a possibilidade de tomar participações no capital dessas empresas, para as recapitalizar. Para que as empresas desenvolvam projetos nestas áreas de que nós falamos, como a sustentabilidade, a digitalização, a economia circular, etc., as empresas têm que ter recursos financeiros. Sem isso, será muito difícil.

As empresas estão muito pouco capitalizadas

A internacionalização do sector é um ainda um desígnio ou já uma realidade? De que forma o CITEVE pode assumir este papel de estimulador da internacionalização: operações no estrangeiro, colaboração com empresas internacionais? Acredita num futuro brilhante para o sector?

O CITEVE já faz isso há muitos anos. Nós colaboramos muito com a Selectiva Moda, que faz a promoção do sector em feiras e exposições do Modtissimo a nível internacional; portanto, somos um parceiro muito ativo. Com a Selectiva Moda e não só: também com outras associações que querem promover a exposição dos nossos têxteis a nível exterior. Por isso, a internacionalização do sector, para nós, já não é um desafio – digamos que é uma prática corrente. E o CITEVE está sempre à disposição e tem-no desenvolvido muito bem, sobretudo em determinadas áreas relativamente novas, como os têxteis técnicos e os têxteis de proteção individual. O CITEVE sempre deu passos à frente em relação a essa matéria e expomos nas feiras de maior importância nesses campos de atividade específicos. Portanto, para nós, a internacionalização é um dado adquirido já há muitos anos.

É do conhecimento público o desenvolvimento de um recente projeto do CITEVE fixado em Marrocos. Como surgiu e como está a correr esse projeto?

O CITEVE já está internacionalizado há muitos anos, como disse, e tem atividade em vários países. Na América Latina, estamos presentes em vários países, como o Chile, a Argentina e o Brasil. Temos atividade também no Paquistão, na Tunísia, …

Concretamente, em relação a Marrocos, o projeto que o CITEVE tem é um projeto de criação de um centro tecnológico sediado nesse país. Isto por desafio lançado pelas autoridades marroquinas, e também porque nós achamos que o deveríamos fazer, uma vez que é uma maneira de apoiarmos as empresas portuguesas que deslocalizaram a sua atividade para Marrocos. Como sabem, a tendência é que os custos de mão de obra em Portugal venham a ser mais elevados, sobretudo na área da confeção, em que há uma intervenção humana muito grande. Embora acreditemos numa robotização em certas áreas da confeção, há uma componente de mão de obra muito importante. Marrocos é uma boa alternativa para fornecer Portugal e os têxteis portugueses pela sua localização – está aqui muito perto de Portugal – e porque as características de trabalho em Marrocos são boas. Eles já têm alguma experiência têxtil e, portanto, nós, CITEVE, entendemos que deveríamos aceder a esse desafio que nos foi colocado pelas autoridades marroquinas de criamos um centro tecnológico em Marrocos, financiado praticamente a 100% pelas autoridades marroquinas, mas com a maioria do capital detido pelo CITEVE. Portanto, o que o CITEVE fornece nesse projeto é, basicamente, o know-how: a especialização, os seus técnicos, a sua maneira de trabalhar com as empresas.

Neste momento, o projeto não está parado, mas não tem tido o desenvolvimento que gostaríamos que tivesse. Não pela nossa parte, mas mais por uma questão política de Marrocos. Nós tivemos vários contactos ao nível do Ministério da Economia e do Ministro da Economia de Marrocos (que chegou a deslocar-se aqui ao CITEVE), bem como do Embaixador de Portugal em Marrocos e vice-versa. Neste momento, o projeto não está a avançar com a velocidade que nós gostaríamos, mas não está parado – há hipótese, de hoje para amanhã, de avançarmos. Mas, como disse, o projeto está mais preso por questões políticas do que por outra coisa.

Quanto mais formação as pessoas tiverem, mais facilmente se adaptam às mudanças

Mencionou a alteração da composição de qualificações dos trabalhadores em Portugal. Considera que a qualificação dos recursos humanos e oferta e custo de mão de obra especializada é um dos principais desafios do setor?

Um dos grandes problemas que nós temos – e eu penso que isto é horizontal, não diz respeito apenas ao sector têxtil – é a falta de recursos humanos devidamente preparados. Temos muita dificuldade em arranjar pessoas preparadas, com qualificações. O CITEVE, por exemplo, é o maior acionista do centro de nanotecnologias e materiais inteligentes, o CeNTI (que funciona aqui neste edifício), que tem grandes dificuldades em recrutar profissionais altamente qualificados. Estamos inclusivamente a equacionar a hipótese de importar especialistas nestas áreas, porque de facto não há. Isso é uma grande lacuna que temos neste sector e creio que noutros ramos de atividade, não só no têxtil, que é a dificuldade em recrutar pessoas formadas e especializadas. Hoje, a tecnologia é muito elevada e, infelizmente, o grau de preparação das pessoas é ainda relativamente baixo. Temos ainda grandes dificuldades nessa área. É preciso, de facto, apostar muito na formação. Aqui no CITEVE, temos uma escola tecnológica na qual tentamos formar o mais possível – e as pessoas que nós formamos são pessoas que depois vão para a indústria –, mas ainda há um longo caminho a percorrer.

Foi aluno da Faculdade de Economia da Universidade do Porto durante um período muito particular: a revolução de 25 de abril de 1974. Que memórias guarda do seu tempo de estudante e que ferramentas adquiridas nesse período foram fundamentais no seu percurso profissional?

Eu acho que a formação – em particular a universidade – é fundamental, porque nos dá uma base de desenvolvimento, no sentido de podermos pensar e de termos ferramentas para podermos evoluir. Hoje em dia, a Economia não tem nada que ver com aquilo que me foi ministrado na altura em que andei na universidade. Apanhei o 25 de abril já no final do curso (aliás, fui inaugurar ainda a nova faculdade, ali junto ao Hospital de São João, no último ano, creio eu). Foi um período muito complicado, porque se radicalizou muito o aspeto político. Muita gente de esquerda, muita gente de direita … e, portanto, foi um fim de curso um pouco complicado, porque se perderam muitas ligações entre colegas, dispersou-se tudo muito… No entanto, para mim, a Faculdade de Economia foi fundamental. Economia era, na altura, um curso muito exigente, em que se tinha pleno emprego – quando se saía da Faculdade de Economia, tinha-se emprego garantido, e isso era importante para quem estava em início de vida profissional. Hoje em dia, é mais difícil. No entanto, eu acho que a formação académica é sempre fundamental para as bases de tudo: isso cria-nos muita disciplina em termos de trabalho. Agora, os princípios da Economia, naquela altura, se calhar, eram diferentes dos de hoje.

Eu acreditei sempre muito na industrialização – trabalhei sempre na indústria desde que saí da faculdade (portanto, há quarenta e tal anos que trabalho na indústria) e gosto imenso da indústria. No entanto, desde que saí da faculdade, a economia deu muitas voltas. Houve alturas, por exemplo, em que se dizia que a indústria ia acabar e que os serviços é que iam prevalecer. Passámos por muitas fases… Eu nunca acreditei muito nisso, porque acho que não existem serviços se não existir indústria, mas passou-se por essas épocas e não foi fácil. Eu acho que a indústria é a base de tudo: nós temos de conseguir produzir, temos de conseguir vender, temos de ser competitivos, temos de ter uma indústria competitiva… só assim se cria riqueza. Porque a indústria emprega muita gente, isso é uma grande realidade. Agora, a indústria, hoje em dia, não é nada do que era nessa altura. Por isso, tudo evolui e acho que é saudável evoluir nesse sentido. Quanto mais formação as pessoas tiverem, mais facilmente se adaptam às mudanças: o mundo está sempre em mudança e isso é são as bases de tudo.

Na sua opinião, qual poderá ser o maior atrativo para um recém-formado em Economia ou Gestão iniciar a sua vida profissional no mundo empresarial do têxtil e vestuário?

Durante muitos anos (e hoje estamos a pagar essa fatura), tinha-se a ideia de que a indústria têxtil era um sector tradicional, um sector para acabar e sem valor acrescentado. Hoje em dia, a indústria têxtil é uma indústria inovadora, muito inovadora. Não há rotinas no sector têxtil, porque os produtos estão sempre a evoluir e está sempre tudo a mudar. Veja-se, por exemplo, o caso das nanotecnologias agora aplicadas ao sector têxtil, o caso do sector automóvel, da aviação, … O têxtil está em tudo, desde a área da saúde, da mobilidade, da aeronáutica, … – tudo tem têxtil, mas é um têxtil especial e que é muito atrativo em termos de desenvolvimento pessoal. As pessoas vão evoluindo muito no sector, porque os desafios são muito grandes. Além disso, também não é verdade que o sector têxtil pague mal: não paga mal. Agora, é evidente que se forem trabalhadores indiferenciados, como em qualquer indústria, são trabalhadores mal remunerados. Ora, é isso que nós temos de evitar: as pessoas têm de ter mais preparação, para poderem ter mais capacidade de desenvolvimento dessas novas tecnologias e ferramentas. Vejamos o caso da digitalização: é preciso gente que saiba funcionar com isso. Para um operário que tenha a quarta classe, a digitalização não lhe diz nada e não vai evoluir. Portanto, eu acho que o sector é altamente atrativo, sobretudo para pessoas jovens – e nós temos o exemplo, quer no CITEVE, em que a maior parte das pessoas que trabalham aqui são pessoas com formação superior (temos até alguns doutorados, que trabalham na área da investigação), quer no centro de nanotecnologia (CeNTI), do qual o CITEVE foi o fundador e detém a maioria do capital: a maior parte dos colaboradores têm formação superior, com mestrados e doutoramentos. Aquela visão que se tinha no passado, de que o sector era um sector tradicional, que não tinha futuro (conforme lhes referi), deu origem a que, durante vários anos, nos cursos mais voltados para a indústria têxtil que existiam, por exemplo, na Universidade do Minho, não houvesse alunos. Isto não é surpreendente – eu tenho filhos e, se eu soubesse que os meus filhos queriam tirar um curso voltado para uma indústria que era para acabar, eu ia tentar influenciar: «não se metam nisso porque não vão ter futuro!». Hoje em dia, é completamente ao contrário – a indústria têxtil tem futuro. Poderemos pôr em causa a dimensão: se vai ser com esta dimensão ou com menos dimensão. Tudo bem. Mas o que ficar é uma indústria têxtil atrativa para quem nela trabalhar e com grande valor acrescentado.

O setor é altamente atrativo, sobretudo para pessoas jovens

Para terminar, quais são os principais desafios que identifica, no curto e longo prazo, para o sector têxtil e do vestuário e para o CITEVE?

Eu acho que o maior desafio, neste momento, é que consigamos, de facto, aplicar bem estes «dinheiros» que vão estar à nossa disposição; que consigamos ter o dinheiro de que se fala (obviamente, vamos ter para estes projetos) e que consigamos, de facto, aplicar bem esse dinheiro e tirar o devido proveito, para que o país, como um todo, dê um salto. Como sabem, o sector têxtil é um sector com grande peso na economia, porque é um sector altamente exportador – com a dimensão que temos, o nosso mercado doméstico não tem capacidade para absorver a produção têxtil e devemos trabalhar essencialmente com os mercados externos. E esta é uma oportunidade única, sobre o meu ponto de vista. Venham os «dinheiros» e haja a capacidade de os aplicar bem. Pelo lado do CITEVE, já provamos no passado que conseguimos fazer projetos de grande valia, e não é por acaso que somos reconhecidos por isso. Acreditamos que os projetos que já submetemos e que estamos a submeter sejam projetos que criem valor para a indústria e para a economia. Portanto, é um grande desafio conseguir, de facto, aplicar bem esses fundos.