Luís Manuel Oliveira
Também incluído no FEPIANO 43, publicado em Maio de 2021
A gestão dos clubes futebolísticos de elite passa um pouco pelos mesmos objetivos: a valorização dos passes de jogadores para a sua venda, os prêmios de competição e direitos televisivos, para além de estender o potencial do alcance comercial da “marca” do clube, quer em termos de merchandising, quer em termos de publicidade.
Estes objetivos acabam por levar ao carrossel impessoal de jogadores e treinadores que vestem a camisola de um qualquer clube, a aumentos proibitivos de preços de bilhetes ou das quotas de associado, a uma ultra comercialização da imagem dos clubes e até à procura de novas competições como a recém anunciada Superliga Europeia, com jogos a serem disputados fora até dos países de origem dos clubes, como já acontece com as supertaças de países como Espanha ou Itália. Não será de espantar então que surja uma certa alienação das massas adeptas das comunidades originárias dos clubes.
Mas na 2.a divisão Alemã, surge um exemplo de como é possível competir a um nível profissional sem deixar a sua comunidade e os seus valores para trás, o FC Sankt Pauli. Nascido no bairro de Hamburgo com o mesmo nome, artistas, punks, imigrantes e trabalhadores portuários convergiram nos anos 80 para dar uma identidade anti-fascista e anti-capitalista ao clube, divergindo claramente do seu rival, Hamburg SV, que nada fez quando surgiram fações neo-nazis nas suas claques.
O dérbi com o HSV na 2.a volta da época 2019/20, demonstra exatamente a importância social para a comunidade das vitórias do clube. À partida para o jogo o ambiente era contrastante, o Hamburg seguia em zona de promoção a disputar o título, enquanto que o St. Pauli estava demasiado perto da linha d’água para descer à 3.a divisão. Mas quando o apito soou para o final, o resultado era 2-0 a favor do clube do bairro, e estes três pontos muito contaram para a manutenção do St. Pauli no final da época.
Não descer de divisão não teve só o valor competitivo, mas sim um valor social e político, pois os prémios e os direitos televisivos, já relevantes nesta divisão, permitem financiar os diversos projetos sociais que o clube dispõe à sua comunidade, como a escola de música com sede no Estádio Millerntor que visa dar uma voz aos jovens mais carenciados da cidade, ou o apoio legal grátis a refugiados com vista a regularizar a sua situação. Descer provavelmente significaria o fim destas iniciativas.
Um clube LGBT friendly, que já foi liderado por um presidente abertamente gay, e que conta com murais como “Não há futebol para fascistas”, tenta não ceder um único golo ou euro contra os seus valores. Prova emblemática disso é o caso de Cenk Şahin, a segunda contratação mais cara da história do clube, que foi categoricamente despedido após publicamente apoiar a invasão turca dos territórios ocupados por Curdos, indo contra a posição anti-bélica inscrita nos estatutos do clube.
A verdade é que num mundo cada vez mais desligado dos seus apoiantes e despolitizado, o St. Pauli é um claro exemplo de que futebol ainda pode, e agora mais do que nunca, deve ser mais do que um simples desporto, não só como uma forma de escape, mas com o papel de ligar e suportar as suas comunidades.
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