Com passagens pelo governo e uma longa história no ensino, sente-se mais realizado a dar aulas ou a exercer cargos políticos?

A minha profissão é ser académico. O exercício de cargos políticos, a tempo inteiro, foi apenas uma circunstância.

O que lhe dá mais prazer em Sociologia: o ensino ou a investigação?

O ensino é uma extensão da investigação. A base do ensino universitário é a investigação que os académicos realizam. Não consigo conceber um bom professor universitário que não seja um investigador nos domínios que ensina. Deste modo, as duas partes são relevantes, não conseguindo optar por aquela que me dá mais satisfação.

Como crê que as cadeiras que leciona, cuja importância é posta em causa, poderão contribuir para o futuro profissional de Economistas e Gestores?

É engraçado observar pelos inquéritos que haja uma grande divergência de opiniões entre a utilidade de cada uma das disciplinas, para os economistas e gestores. Em relação a Sociologia das Organizações, os “gestores” tendem a ver nela uma disciplina útil para o futuro. Por outro lado, para os “economistas”, ICS é uma disciplina que não tem tanta aceitação. O problema dos meus alunos não tem a ver com estas disciplinas, mas com a metodologia científica!

Sendo um político tão carismático, nenhuma vez se viu como futuro líder do PS e possível primeiro-ministro?

Never say never again! Desde os 15 anos que estou envolvido em actividades políticas. Felizmente para mim, formei-me na oposição à ditadura existente nessa época e, desde então, nunca mais me desliguei da vida política. Há algum tempo que sou membro do partido socialista e já ocupei lugares de direcção no mesmo. Agora, creio que chegou a altura deste novo ciclo do PS se erguer com uma nova geração e novos protagonistas. No entanto, em matéria de futuro, não se deve usar expressões como “nunca”, “jamais”, … Tenho um grande amigo que, ainda hoje, é vítima de piadas por uma vez ter dito “jamais”.

Acredita que o actual Estado Social português possa estar falido num futuro próximo?

Não. Nem como cidadão, nem como académico. Não acredito que isso seja antecipável. Pode haver, certamente, uma nova configuração do Estado Social, mas nunca uma falência do mesmo. Nas três grandes áreas do Estado Social – educação, saúde e segurança social – o caminho português tem sido um caminho de desenvolvimento, apresentando bons resultados em todas elas.

Porquê que no seu entender, e tal como afirmou, num programa televisivo, o governo «está nos cuidados intensivos» e sobrevive «ligado à máquina»?

Creio que, desde a apresentação dos resultados da 7ª avaliação do programa de assistência financeira, o actual governo entrou num impasse absolutamente estrutural, do qual só sairá com uma revisão radical da sua política, da sua composição ou mesmo com a sua substituição por outro governo. Este 7º exame regular tornou visível que nenhum dos objectivos acordados foi cumprido. A nossa dívida aumentou e temos uma taxa de desemprego cada vez maior.

Em Janeiro passado, declarou que Cavaco Silva, enquanto presidente da República, deveria ter apresentado alternativas para o país, ao invés de só criticar o trabalho desempenhado pelo governo. O que faria se ocupasse, hoje, o lugar de Cavaco Silva?

A minha opinião é conhecida e o meu raciocínio é muito simples. Este governo não tem conseguido, sequer, cumprir os objectivos do programa de assistência financeira. Como tal, julgo que o actual governo deva ser substituído. No entanto, como eu também entendo que a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições deva ser uma saída de último recurso, então havia aqui espaço para que o próprio Presidente da República tomasse a iniciativa de, no actual quadro parlamentar, ajudar à constituição de um novo governo. Até poderia ser um governo de emergência nacional, formado por aqueles partidos que estão comprometidos com o programa de assistência financeira (PS, PSD e CDS).

Neste momento, o que acredita ser mais necessário à gestão de um país, como Portugal: o empresário, com experiência no “terreno”, ou o académico, que domina a teoria?

A experiência diz-me que, em tudo na vida, é necessário um mix onde a diversidade é a fórmula do sucesso. Diferentes pessoas têm distintas ideias, que são úteis ao destino de qualquer país.

Não acha caricato haver tantos comentadores políticos que, apesar de terem conhecimento de causa, não foram um bom exemplo no exercício das suas funções?

Eu conheço a maioria dos comentadores políticos, senão todos, e nenhum deles é comentador senão por ter sido convidado. Muitos deles resistiram durante vários meses a esse convite – a começar por mim. A ciência raciocina por perguntas. Portanto, é interessante fazermos a primeira: porquê que as televisões têm convidado tanto, para comentadores, pessoas que tiveram ou têm actividade política a tempo inteiro? Outra: porquê que as televisões estão a convidar, hoje, mais políticos do que académicos ou jornalistas? Em resumo, creio que as pessoas estão muito preocupadas e inseguras e, nesses momentos, aumenta a necessidade de ouvir vários pontos de vista e constituir uma opinião coerente sobre a realidade.

Acredita que os telespetadores estão “disponíveis” para escutar políticos com grande responsabilidade no estado atual do nosso país?

Se não estivessem, não teríamos Marcelo Rebelo de Sousa e José Sócrates, juntos, a formar 2,5 milhões de telespectadores. Eu não vou nessa linha de tentar pessoalizar as responsabilidades pela glória ou pelo abismo. Os dirigentes políticos têm muito menos capacidade (poder) do que se imagina. Se tivéssemos que usar uma expressão do género “aqueles que levaram Portugal ao abismo”, “Aqueles” teríamos de classificar como todos os que colaboraram activamente no jogo e na bolha especulativa que rebentou em 2008. E nesses, a ironia está aqui, incluiria à cabeça as agências de rating. Aquelas que davam “AAA” a bancos que faliram no mês seguinte, em 2008.

Acredita que as dificuldades pelas quais passamos, hoje, tiveram origem externa ou a principal culpa advém dos diversos governos dos últimos tempos?

No caso português, há claramente uma combinação das duas coisas. Estamos na situação em que estamos por responsabilidade própria e, também, por condicionantes externas. Só para se ter uma ideia, o último relatório da Comissão Europeia identificou 13 países com desequilíbrios macroeconómicos graves, sem considerar os 4 países sobre resgate (Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre). Entre o 1º grupo estão países como a Suécia, a Finlândia, a Holanda e o Reino-Unido. Portanto, se alguém afirmar que a crise se restringe apenas a nós, mostra uma insensatez e ignorância brutais. Agora, Portugal foi um dos alvos fáceis da crise que iniciou em 2008 porque possuía debilidades estruturais que, por exemplo, o Reino-Unido e a Alemanha não tinham.

Como ex-ministro da defesa, acredita que, ainda, é necessário manter um número tão avultado de militares no activo?

Tenho seguido a regra de não falar sobre questões da defesa nacional. Gostaria, em todo o caso, de dar o meu testemunho: as forças armadas portuguesas são uma das instituições mais importantes e confiáveis que o país possui. É aquilo que funciona, mesmo quando tudo o resto parece não funcionar. Portanto, a minha única recomendação, a quem se preocupa com estas questões, é que deve considerar as enormes responsabilidades que Portugal tem no sistema mundial de segurança e o enorme activo que possui através das suas forças destacadas como provisor de segurança. Sobre questões mais concretas, evito falar.

Numa crescente aversão dos jovens em relação à política, dada a crise económica e social que atravessamos, seria importante esse reaproximar entre os jovens e a política. Como é que esse aproximar se poderá concretizar?

A desfiliação, como se designa em ciência política, existe um pouco por toda a Europa. Contudo, em Portugal a expressão é particularmente dramática. Antes de 1999, fazia estudos nessa vertente e recordo-me de ficar muitíssimo impressionado com o facto de ser mais provável que um jovem português, até aos 30 anos, nunca tivesse votado do que alguma vez o tivesse feito. Este é um problema que deve ser enfrentado de diversas formas. Primeiro, dever-se-ia rever a lei eleitoral para a Assembleia da República (de modo a conseguir uma maior aproximação entre os eleitos e os eleitores). Em segundo lugar, os partidos políticos com maior expressão (o PSD e o PS) deveriam tomar algumas medidas acerca das suas juventudes partidárias, de forma a renová-las, para que não se crie o estigma que essas mesmas juventudes são, somente, estruturas de carreirismo. Por último, dever-se-ia colocar, no centro da agenda política, questões que dizem directamente respeito aos jovens, como a da sua autonomia – ou seja, da sua capacidade de construir um projecto de vida próprio.

Numa aula, referiu que há coisas muito mais interessantes que Sudoku e palavras cruzadas. Na sua opinião, o que vale mesmo a pena, nesta vida?

Das coisas que me deram, me dão e antecipo que me virão a dar mais prazer na vida, vou invariavelmente dar à minha família. Em segundo lugar, coloco o gosto intelectual e estético. Não me podem desafiar para melhor programa do que ir a um concerto – desde música clássica ao indie rock. Quem fala num concerto, fala, também, na leitura de um bom livro. Por fim, em terceiro lugar, dou imensa importância ao envolvimento com o meu tempo. O pior pesadelo, para mim, seria ver-me no final da vida como alguém completamente indiferente ao que se sucedeu à sua volta. Não tolero a ideia de, por exemplo, ver um país a cair e eu nada fazer para o contrariar.

A seu ver, qual a sua maior qualidade e o seu maior defeito?

Muito simples: misturando as duas coisas, considero-me uma pessoa relativamente medíocre, que tem compensado isso com muita disciplina, algum rigor e bastante coragem. Julgo até que as pessoas, bondosamente, me atribuem qualidades que eu não tenho.

Ao contrário da maioria dos docentes, à porta do seu gabinete, na FEP, é inexistente qualquer referência a “professor” ou a “professor doutor”, apenas detendo uma referência ao seu nome. É algo propositado?

Sim, encontra-se assim a meu pedido. Chamo-me Augusto Santos Silva e odeio nomes que começam por outra coisa que não pelo de batismo. Na minha visão, o meu nome nem é particularmente interessante. Não daria o nome de Augusto a um filho meu. Em todo o caso, o meu nome é esse e isso chega.