No passado dia 30 de janeiro, os portugueses foram chamados às urnas de modo a decidirem a composição da nova Assembleia da República. Após serem divulgados os resultados durante a noite eleitoral, o cenário menos esperado acabou por se confirmar: uma maioria absoluta por parte do Partido Socialista. O partido liderado por António Costa conseguiu conquistar 119 deputados, um aumento de 11 mandatos face à eleição de 2019, o que garantiu a conquista da segunda maioria absoluta na história do PS, e a quarta maioria absoluta unipartidária na história democrática de Portugal.

Como foi possível este cenário eleitoral que, antes do dia 30, era considerado por muitos como praticamente impossível, ou até mesmo, irrealista? Existiram três fatores fundamentais para esta vitória avassaladora por parte do PS. Primeiramente, a incompreensão por parte do eleitorado mais à esquerda do chumbo do Orçamento de Estado de 2022. Nos finais de outubro, o Bloco de Esquerda e a CDU (PCP-PEV) juntaram-se aos partidos à direita em oposição à proposta para o OE2022 elaborada pelo governo. Mesmo após cerca de 6 anos de “Geringonça” e várias cedências do governo aos partidos de esquerda radical – levando à constituição de uma proposta orçamental considerada a mais esquerdista dos últimos anos, o BE e a CDU optaram pelo veto. Estas ações tornaram-se bastante difíceis de explicar aos seus eleitorados. Em segundo lugar, a eficiência da propaganda do Partido Socialista que conseguiu passar a mensagem de que existia uma aproximação do Partido Social Democrata ao CHEGA. O presidente do PSD, Rui Rio, refutou múltiplas vezes tal aproximação, chegando a negar qualquer possibilidade do partido nacionalista de André Ventura alguma vez integrar um governo liderado pelo PSD. No final de contas, a mensagem de António Costa parece ter levado avante, conseguindo manter parte muito considerável do eleitorado ao centro. Por último, a questão do voto útil à esquerda. Na reta final para as eleições, as sondagens indicavam uma grande diminuição da distância entre o PS e o PSD, chegando mesmo duas sondagens a apontar a possibilidade de vitória por parte dos Sociais-Democratas. Este fator, juntamente com a incompreensão do chumbo do OE2022, pareceu revelar-se suficiente para a concentração, sem precedentes em eleições legislativas, de votos à esquerda no Partido Socialista.

Para além do grande vencedor da noite, existem outras três forças políticas que têm razões para considerar estas últimas eleições um sucesso. No lado direito do espectro político, o CHEGA e a Iniciativa Liberal passaram, respetivamente, de 1 único deputado para a terceira e quarta forças políticas nacionais. O CHEGA conseguiu conquistar o pódio através da obtenção de 7.3% do eleitorado, o que se traduziu em 12 mandatos. Este resultado não constituiu uma surpresa, visto que, o partido se apresentava nas sondagens com uma percentagem que flutua entre os 7-10%, ainda assim, a captura do terceiro lugar por parte de um partido de extrema-direita gerou contestação e apreensão por vastas camadas do eleitorado português. Por sua vez, a IL surpreendeu na medida em que conseguiu eleger um número de deputados superior ao BE e ao PCP. Com o registo de 5% dos votos e a subsequente passagem para 8 parlamentares, o partido liberal regista um crescimento assinalável, consolidando a sua posição na arena política. À esquerda, para além do PS, o LIVRE é o único partido que pode comemorar algum sucesso, ainda que pálido em comparação com o que foi registado pelos outros 2 partidos anteriormente descritos. Este partido conseguiu conquistar apenas mais 0.19% dos votos, face a 2019, voltando a eleger um único deputado. A campanha eleitoral beneficiou o LIVRE permitindo ao partido recuperar alguma da imagem perdida após o fiasco que foi a eleição de Joacine Katar Moreira em 2019.


“Distribuição de votos entre as principais forças políticas nas eleições legislativas de 2019 e 2022”. Fonte dos dados: https://www.eleicoes.mai.gov.pt/

Como em qualquer eleição, tanto há vencedores como perdedores. Iremos agora debruçar-nos sobre os derrotados da noite eleitoral. Comecemos pelo principal partido da oposição, o PSD, que registou uma derrota bastante amarga nestas eleições. O Partido Social Democrata durante a campanha aparentava estar a ganhar força, visto que, as sondagens demonstravam uma diminuição da sua distância face ao PS para valores na margem de erro – chegando duas das quais a apontar para a vitória de Rui Rio. Porém, não se revelou suficiente. O PSD apenas conseguiu conquistar mais 1.5% dos votos em comparação a 2019, o que constituiu uma bancada parlamentar de 78 elementos, menos 1 deputado do que em 2019.

O PAN transitou de 4 deputados para apenas 1, a sua porta-voz, Inês Sousa Real, eleita pelo círculo eleitoral de Lisboa. Este partido ecologista teve uma perda de 92 mil votos quando comparada a performance obtida nas legislativas de 2022 face às de 2019. Esta considerável queda pode estar associada às múltiplas polémicas que rodeiam Inês Sousa Real, como a acusação de ligações a práticas de agricultura intensiva – atividade económica que o seu partido é crítico constante e defende o seu término.

Porém, os grandes derrotados da noite encontram-se à esquerda do PS. O Bloco de Esquerda perdeu mais de metade dos votos que teve em 2019, culminando no colossal emagrecimento da sua bancada parlamentar de 19 para 5 deputados. O PCP continuou a sua incessável marcha para o declínio eleitoral, tendo obtido a sua maior derrota de sempre – a eleição de apenas 6 mandatos. Foi a primeira vez na história do partido que foi eleita uma bancada inferior a 10 deputados. Vários históricos parlamentares comunistas, como António Filipe e João Oliveira, falharam a eleição. Na noite eleitoral, estes dois partidos presenciaram a transferência de parte muito substancial do seu eleitorado, mais de 334 mil votos, para o Partido Socialista.

Por último, o CDS-PP obteve uma catastrófica derrota eleitoral, falhando a eleição de qualquer mandato. É a primeira vez que os democratas-cristãos não conseguem eleger um único deputado. Em 2019, o partido registou um dos seus piores resultados de sempre – tendo visto a sua bancada passar de 18 para 5 deputados. No passado, o CDS conseguiu recuperar de uma queda semelhante – nas legislativas de 1987, os democratas-cristãos transitaram de 22 para 4 mandatos. Nas eleições de 1991, conseguiram obter mais um parlamentar e, por fim, em 1995, registaram um aumento de 200% no número de deputados (passando para 15). Porém, a liderança de Francisco Rodrigues dos Santos não estava à altura do desafio. Assim, um dos partidos que mais contribuiu (juntamente com PSD e o PS) para a construção de uma democracia liberal em Portugal, conseguiu o seu pior resultado de sempre. Este golpe pode dar início ao fim deste histórico partido.

Concluo afirmando que, o Partido Socialista é, inegavelmente, o grande vencedor destas eleições, por uma margem que não deixa qualquer espaço para dúvidas. Esta é a segunda maioria absoluta do PS, a primeira foi entre 2005-2009 sob a liderança de José Sócrates. Esta nova maioria é protagonizada por António Costa, outrora o número dois da administração socratista. Como se costuma dizer, à primeira todos caem, à segunda só cai quem quer… mas isso, só o futuro dirá.