Opinião de Pedro Nuno Teixeira - Professor Catedrático na FEP
Também incluído no FEPIANO 46, publicado em Março de 2022
Os últimos meses colocaram no debate público a questão do crescimento económico, salientando o fraco desempenho económico do país ao longo dos últimos 20 anos. Dado que estamos a falar de algo que se desenrola há bastante tempo, parece que muita gente andou distraída. No entanto, como se diz popularmente, “antes tarde que nunca”! Infelizmente, como é propício dos ritmos comunicacionais destes tempos, a inclinação é para abordagens superficiais e fugazes, reproduzindo algumas mensagens simples e eficazes, mas que parecem ser mais propícias a criar ilusões do que a promover uma discussão informada sobre uma questão importante e complexa. Neste breve texto, procurarei brevemente enunciar alguns elementos que visam ampliar a reflexão sobre o tema.
Conforme tem sido salientado abundantemente, a economia portuguesa tem tido um período de estagnação desde o início do século. O debate sobre a trajectória da economia portuguesa tem sido enquadrado no contexto do desempenho do resto do continente europeu, o que se justifica pela sua integração e proximidade com esse espaço económico. Dessa comparação destaca-se, ao longo dos últimos anos, uma convergência visível entre as economias mais ricas (norte/nordeste) e mais pobres (centro/leste) e a estagnação ou declínio das principais economias do sul. A um claro dinamismo das economias do leste europeu, nomeadamente entre 2004 e 2015, beneficiando fortemente da entrada na UE, o que lhes permitiu uma forte convergência com a média da UE, contrapôs-se uma clara debilidade das economias ocidentais, sobretudo a sul (Itália, Espanha, Grécia e Portugal).
Quando a comparação é feita recorrendo a dados em PPC, confirma-se a estagnação do processo de convergência de Portugal com a UE, com divergência durante grande parte deste século e uma ligeira reversão de 2016 a 2019. No caso do Centro/Leste da Europa, confirma-se a forte convergência, embora, em anos recentes, se note alguma diferenciação, com algumas destas economias a manterem um forte ritmo de crescimento e outras a perderem ritmo de crescimento (Países Bálticos) ou mesmo a divergirem (Eslovénia e Eslováquia). No caso do Sul da Europa, confirma-se a fragilidade da maioria destas economias, destacando-se a forte quebra da Grécia (a economia que mais sofreu com a grande recessão de início deste século) e o facto de 3 destas economias terem baixado do limiar da média europeia (Espanha, Itália e Chipre). Além disso, esta tendência mantém-se em anos recentes para as economias mais relevantes do Sul da Europa, que não conseguem reverter a trajectória descendente, ao contrário de Portugal. Embora em menor grau, observam-se debilidades, sobretudo nos anos mais recentes, em várias das economias mais ricas do Norte/Noroeste, com destaque negativo para a França e a Finlândia, que se aproximam (no sentido descendente) da média da UE.
Estas breves notas confirmam que a economia portuguesa tem tido uma evolução desfavorável ao longo dos últimos 20 anos, perdendo terreno para os países do alargamento do centro/leste, embora acompanhando a tendência dos países do Sul da Europa. Os seus principais parceiros económicos (Espanha, França, Alemanha e Reino Unido) também não apresentam uma trajectória muito favorável (com a exceção da Alemanha na primeira fase deste século). Esta evolução da economia portuguesa contrasta com dois períodos de forte crescimento associados aos processos modernização e de integração da economia portuguesa na EFTA (1960-1973) e CEE/UE (1986-1999). Vários factores têm sido apontados como explicação para a não convergência da economia portuguesa. Desde logo, a liberalização do comércio internacional e aceleração da globalização a partir de finais do século XX, que criou dificuldades a vários sectores importantes da economia portuguesa. Por outro lado, o quadro macroeconómico fortemente determinado externamente e com maior disciplina cambial e monetária, impedindo o recurso a instrumentos que, ao longo de décadas, foram usados para aumentar artificialmente a competitividade. No quadro europeu, há que destacar ainda os alargamentos da UE de 2004 e de 2007, com a entrada de países que competem fortemente com Portugal, seja em termos produtivos, seja na atração de investimento estrangeiro, nomeadamente devido a custos mais baixos e mão-de-obra mais qualificada, que tiveram particular impacto no contexto em que se reforçou o carácter periférico da economia portuguesa. Estas dificuldades foram particularmente visíveis aquando da recessão de 2008-2014, a qual afectou mais fortemente as economias do sul da Europa. Essa maior vulnerabilidade de países como Portugal decorreu da conjugação de factores externos e internos, nomeadamente devido a desequilíbrios macroeconómicos e financeiros acumulados ao longo de anos (no sector público, nas empresas e nas famílias).
Este desempenho da economia portuguesa parece estimular três ilusões no debate público. A primeira é que será fácil (ou, pelo menos, óbvio) retomar um ritmo de forte crescimento económico e de convergência com a UE. A evolução da economia portuguesa decorre do esgotamento de alguns factores de crescimento e das dificuldades de ajustamento estrutural da mesma. Os dois grandes períodos de crescimento da segunda metade do século XX português estão associados a choques positivos externos, que não são repetíveis, e a modelos de crescimento cujo potencial se esgotou. A economia portuguesa tem um nível de produtividade baixo, o que decorre de múltiplas debilidades estruturais, entre as quais podemos destacar factores tais como: a baixa qualificação dos trabalhadores e empresários, a pequena dimensão e a fraca internacionalização das empresas, as debilidades de gestão e de organização nos sectores público e privado, ou o nível de endividamento público e privado. Podemos olhar com mais ou menos optimismo para a evolução destes factores, mas é razoável pensar que não o conseguiremos fazer em poucos anos. As melhorias que temos tido em vários daqueles factores mostram como essa mudança estrutural é possível, mas requer tempo e persistência. Bem sabemos que nada disto será fácil, mas convém sempre desconfiar de quem nos promete soluções simples para problemas complexos.
A segunda ilusão em que assenta o debate sobre o crescimento económico, parcialmente já evidenciada pelo parágrafo anterior, é que podemos ter um debate sobre a trajectória da economia portuguesa que se limite a argumentos e factores estritamente económicos. Beneficiando de décadas de reflexão económica sobre o crescimento económico, sabemos que as trajectórias bem-sucedidas nunca são o resultado de um único factor, nem a sua experiência é facilmente transposta para outras economias. As mudanças necessárias ao nível das nossas fragilidades estruturais colocam-nos perante realidades económicas inseridas em estruturas sociais, políticas e culturais que podemos e devemos incorporar na nossa análise, à semelhança das tendências mais recentes na reflexão económica. Embora nós economistas sejamos pouco propensos a diálogos interdisciplinares, isso influencia e limita a nossa capacidade analítica.
A terceira ilusão é a de implicitamente considerar uma identificação entre crescimento económico e bem-estar. Num tempo que se depara com graves e complexos desafios ambientais, sociais e políticos, parece quase panglossiano acreditar que o crescimento económico não só resolve, quase que por arrastamento, todos os problemas, mas que é possível crescer significativamente apesar desses problemas. A análise económica não pode ignorar a complexidade do bem-estar e deve repensar as consequências dos mecanismos de criação de riqueza contemporânea noutras dimensões da sociedade. A ciência económica tem de incorporar essas preocupações na sua reflexão, pensando em modos de criação de riqueza que não sejam apenas sustentáveis dum ponto de vista económico, mas também em termos ambientais e sociais. Ignorar esses desafios é um caminho para a irrelevância científica e social.
1 Para uma boa análise desses desafios, recomenda-se a leitura do recentemente publicado “Mudam-se os Tempos, Mantêm-se os Desafios” (Bertrand, 2022) do Professor da FEP, Fernando Teixeira dos Santos, e da versão actualizada do pequeno livro de Luciano Amaral “Economia Portuguesa: As últimas décadas” (FFMS, 2022).
2 A título de exemplo, veja-se os trabalhos recentes de Daron Acemoglu e James Robinson, por exemplo, nos seus livros “Economic Origins of Dictatorship and Democracy”(2006) e “Why Nations Fail?” (2012); Torben Iversen & David Soskice – “Democracy and Prosperity – Reinventing Capitalism through a Turbulent Century” (Princeton, 2019); ou ainda “Reinventing Capitalism” (Blackwell, 2016) coordenado por Michael Reynolds & Mariana Mazzucatto.
3 Como sugestão de leitura, recomendo os trabalhos recentes de economistas como Diane Coyle, Richard Layard ou Robert Skidelsky, entre um número crescente de importantes economistas que têm reflectido sobre estas questões.
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