Opinião de Maria Gomes
Também incluído no FEPIANO 46, publicado em Março de 2022
Um dos acontecimentos que certamente marcou 2021 foi a saída das tropas dos Estados Unidos do Afeganistão pelo porto de Cabul. Famílias separadas, muitas vidas perdidas e incerteza perante o futuro foram o dia a dia de muitas pessoas que por lá passaram e ficaram.
Para os mais distraídos, a Guerra do Afeganistão começou, sensivelmente, desde que foi declarada a República do Afeganistão, em 1973. Ressentiu-se num grande clima de instabilidade política, tendo como ponto fulcral as discrepâncias religiosas e sociais que, de certa forma, originaram o surgimento de grupos opositores muçulmanos com ideologias religiosas extremistas, como os Talibã.
A crença associada ao grupo Talibã denomina-se Sharia e provém do Alcorão, um grande suporte da fé islâmica. Esta serve como conduta para o comportamento dos indivíduos, incluindo a prática do jejum e orações diárias. Um dos pontos chave que defende é que os cidadãos se vistam de forma modesta, em especial, que as mulheres cubram o corpo, adotando a burca, onde apenas os olhos e as mãos são visíveis. Porém, todos estes mandamentos são muito genéricos, refletindo-se em compreensões distintas nos diferentes países muçulmanos.
Para além da guerra física e destrutiva a que assistimos diariamente, decorre hoje uma luta não menos importante mas que foi deixada para terceiro plano: a luta feminista.
Entre 1996 e 2001 quem governou o país foram os Talibã. Baseado nessa amostra, a adoção da Sharia foi bastante conservadora e violenta. Por um lado, os homens teriam de deixar crescer a barba e, por outro, as mulheres teriam de adotar a burca, perderiam o acesso ao trabalho e à educação e, caso necessitassem de sair de casa, teriam de se acompanhar de uma autorização do marido. Através dos acontecimentos mais recentes, o grupo afirmou que estas condições voltariam a ser obrigatórias.
Nesta sociedade, as mulheres assemelham-se a personagens secundárias. As suas únicas opções resumir-se-ão a ser esposa e mãe. Não podem trabalhar, nem estudar. Hoje em dia, no ocidente, e por mim falo, temos a oportunidade de estudar e de definirmos as nossas prioridades e objetivos para o futuro. As mulheres afegãs não. Muitas vezes, ainda jovens, são retiradas às famílias para servirem de esposas de comandantes do grupo Talibã, por exemplo. Algumas mulheres que trabalham em ONGs foram ameaçadas de morte caso não usassem burca, revela uma notícia da SIC/Sky News. Elas não têm escolhas. Nem no acesso à educação, nem em algo tão simples como decidirem que roupa vestir. E se fosse contigo? E se ditassem o teu futuro contra a tua vontade? Estas mulheres são prisioneiras das suas próprias casas.
O feminismo é transversal a qualquer crença, e comum a todos os “Deuses”, seja Alá ou Cristo. Em pleno século 21, ainda existe uma longa batalha a favor do feminismo. Só quando o acesso universal à educação, a igualdade de género, de emprego e de oportunidades derem as mãos com a nossa sociedade é que teremos um mundo mais atento e justo.
We realize the importance of our voices only when we are silenced. (Malala Yousafzai)
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