Smokefree 2025, um ambicioso plano antitabaco neozelandês, fez notícia recentemente por introduzir diversas medidas inéditas, incluindo a proibição do fornecimento de tabaco às próximas gerações. Apesar de assente em ciência e de redigido com consulta popular, este é um plano com fortes implicações éticas, que devem ser discutidas.

Em dezembro, o governo neozelandês apresentou um vasto e inovador plano de ação que procura acelerar o progresso do país rumo ao seu objetivo de se tornar “praticamente livre de fumo” até 2025, uma meta assumida há cerca de uma década, em 2011, mas que o país parece estar a caminho de falhar.

De facto, a percentagem de adultos que fumam diariamente tem vindo a descer e, em 2018, encontrava-se nos 11,6%. Contudo, esta é ainda bastante superior nas comunidades indígenas Māori e Pasifika (que registavam 29% e 18%, respetivamente) e entre comunidades mais pobres. Em termos práticos, o governo pretende que, em 2025, esta percentagem esteja abaixo dos 5% em todos os grupos populacionais.

Neste sentido, este plano estabelece uma estratégia abrangente e incisiva, envolvendo vários setores e áreas de ação, e incluindo medidas inéditas a nível global. Foi baseado num documento para debate lançado em abril, que serviu como base a uma consulta popular onde participaram mais de 5000 indivíduos e grupos, e cujo feedback moldou o plano de ação final.

De entre as medidas elencadas, destaca-se uma política de “geração livre de fumo”, segundo a qual a idade mínima legal para a compra de tabaco irá passar a aumentar um ano, a cada ano. Esta medida deverá entrar em vigor apenas em 2023, abrangendo as pessoas nascidas após 2009, que, assim, se espera que jamais poderão adquirir tabaco legalmente no país. “Queremos garantir que os jovens nunca comecem a fumar”, diz Ayesha Verrall, ministra adjunta da saúde, justificando que “não existe uma idade segura para começar”.

O plano almeja também reduzir a disponibilidade e atratividade destes produtos. Neste sentido, destaca-se a limitação do número de vendedores autorizados para cerca de 5% a 7% das atuais, a inibição de elementos diferenciadores como sabores e outros aditivos, e a proibição de filtros, que especialistas em saúde afirmam dar uma falsa sensação de segurança.

Este plano pretende ainda tornar mais fácil abandonar o tabaco. Assim, a lei prevê o estabelecimento de um limite máximo, “muito baixo”, à quantidade de nicotina presente nestes produtos, tornando-os menos viciantes. O executivo propõe-se ainda a aumentar o investimento em ações de apoio à cessação tabágica, particularmente junto das comunidades mais desfavorecidas, assim como em ações de pesquisa e monitorização que permitam perceber melhor os fatores por detrás da aquisição e da perda do hábito.

Este pacote de medidas junta-se a uma forte legislação já vigente com vista à redução do consumo de tabaco. Tal como em Portugal, a venda está restrita a menores, as embalagens incluem imagens chocantes, e há uma miríade de espaços onde é proibido fumar. Muito recentemente, embora paralelamente a esta medida, foram adicionados a esta lista veículos onde circulem menores. Ano após ano, têm-se ainda verificado sucessivos aumentos de preços e, hoje, o preço de um maço tradicional ultrapassa facilmente o equivalente a 20 €.

Gráfico da população residente fumadora com 15 ou mais anos (em %) na Nova Zelândia e em Portugal entre 2006 e 2020

Estas medidas, contudo, não se aplicam aos cigarros eletrónicos, que o executivo considera menos prejudiciais e que aponta como potenciais auxiliares na cessação do vício. No entanto, para além de pairar ainda alguma incerteza quanto às suas consequências para a saúde, estes têm-se revelado preocupantemente populares entre adolescentes. O governo tem lançado campanhas dirigidas a eles, com vista a esclarecer que tais produtos não estão isentos de risco e a encorajá-los a não os experimentar, a menos que já sejam fumadores e procurem substituir o tabaco.

Olhando para o plano de ação na sua globalidade, não podemos deixar de tecer elogios à forma como este foi elaborado. Destacamos, em particular, a sua abrangência, a importância dada às medidas com vista a facilitar o abandono destes produtos, e a atenção especial manifestada às populações mais desfavorecidas, onde o consumo destes produtos pode, para além de tudo o resto, potenciar exclusão social. Parabenizamos ainda a realização de consulta popular prévia, que consideramos um bom exemplo do espírito democrático.

No entanto, não podemos deixar de notar o teor moralista de algumas medidas, nomeadamente o aumento progressivo da idade mínima legal para aquisição. Será esta proibição mais dissuasora do seu consumo do que aumentar a sensibilização, sobretudo nas escolas, para os seus malefícios? Acreditamos até que esta proibição possa ter o efeito de estimular o consumo para quem se sente impelido a quebrar as normas por rebeldia. Para além disto, à medida que os visados por esta medida forem crescendo, será justo tratar duas gerações de adultos de forma diferenciada?

Temos ainda um problema de congruência quando comparamos o tabaco a outros produtos. Por exemplo, o que fazer em relação ao álcool, também potencialmente viciante e que, quando consumido em excesso, não danifica apenas a saúde como também pode originar acidentes de viação, episódios de violência e outras tragédias? No país, a sua venda, distribuição e promoção operam num modo semelhante ao verificado em Portugal – portanto, em claro contraste com o rígido enquadramento legal do setor do tabaco. O que fazer também com a marijuana, que o país permite apenas para fins medicinais e cuja utilização para fins pessoais foi recentemente chumbada em referendo, ainda que por uma margem bastante curta? É consensual que o tabaco é um dos grandes vícios da humanidade, mas não é o único.

Questões como estas fizeram com que este plano de ação tenha sido recebido com opiniões mistas. As sociedades são ricas em pontos de vista e valores, pelo que não é qualquer forma de profecia ou detalhada reflexão dizer que não haverá consenso. Medidas como o apoio às populações têm-se revelado bastante consensuais, mas deliberações como a remoção dos filtros, a diminuição do teor de nicotina e, sobretudo, o bloqueio às novas gerações têm sido mais divisivas. Relativamente a esta última, o debate parece estar centrado no papel do Estado – estará este a ser demasiado paternalista? –, bem como na preocupação que a nova lei potencie o contrabando. Curiosamente, diversos fumadores referem ser a favor desta medida, mostrando algum desejo que os jovens não adquiram o seu vício. Teriam igual opinião fosse o bloqueio aplicado a toda a população?

Este tão humano dissenso deve remeter-nos para uma outra perspetiva. A maioria das sociedades tem-se abstido de impor padrões morais sobre consumos cujas consequências diretas se restringem apenas ao indivíduo, que decide sobre si. Não estamos, no entanto, perante este caso: ninguém pode ser obrigado a suportar o fumo alheio contra a sua vontade ou a caminhar por entre beatas caídas. As regras de civilidade devem imperar; caso contrário, a liberdade dos fumadores restringirá a dos que não o são.

Deste modo, de futuro, serão proibições como esta a melhor opção, ou seria preferível um caminho pautado pela liberdade, assente em informação que permita esclarecer a verdade e em regras que impeçam a dominação da liberdade de uns pela dos outros?