Opinião de Sara Ârede
Também incluído no FEPIANO 46, publicado em Março de 2022
O impacte das redes sociais é amplamente discutido, mas será que se estará a sub ou a sobrevalorizar a sua interferência na política?
Atualmente, não apenas as gerações mais jovens, mas todas as faixas etárias partilham uma vida online que não foi fundada segundo qualquer base legislativa ou modelo constitucional. Adota antes um estilo que poderia ser definido como uma “anarquia comedida” e o que aparenta ser somente um momento de descontração, realizando um scroll mecânico e repetitivo, acaba por se revelar num comenos com especial relevância para o quotidiano.
Somos confrontados com duras realidades que carecem de reconhecimento e intervenção, como a discriminação racial ou da comunidade LGBT+, a desigualdade de género, a mitigação dos efeitos adversos das alterações climáticas ou a reconsideração da nossa perceção do animal e de atos de consumo.
Todavia, no mesmo plano, viralizam desafios, estimulam-se hábitos e mentalidades absolutamente opostos: critica-se a excessiva sensibilidade da comunidade que adota medidas perante temáticas complexas e polémicas, promove-se uma atitude superficial em relação a estas e intensifica-se uma visão do mundo para além da antropocentrista.
São, então, simultaneamente, conflituosamente e incessantemente criados e findados todo o tipo de movimentos. Numa tentativa de não sermos um membro politicamente iletrado, apoiamo-nos em informação de fácil acesso, o mais compacta possível e, inevitavelmente, algo duvidosa (como o caso das fake news): trends (tendências) e instant articles (artigos instantâneos); pois é-se pressionado a participar, seja de que modo for.
Somos, assim, profundamente influenciados por ideais e movimentos-tendência através de um simples “black mirror” 1. E se a vida é um palco, a política será aquela peça de época que sofre adaptações perpetuamente.
A política e as redes sociais (e quem sabe o Espírito Santo) são nossos companheiros constantes e parecem andar de mãos dadas e, intencionalmente ou não, a primeira acaba por desenvolver-se nas inconsistências e entre as lacunas das segundas. Algo perfeitamente visível na afirmação de Donald Trump, “As redes sociais são mais poderosas que a verba de campanha”. Todos correm a garantir uma posição para depois a proclamar, acabando por se converter, muitas vezes, num debate sobre se se é destro ou canhoto, resultando num cenário pouco produtivo.
A propensão para aceitar dogmaticamente tendências independentemente do seu cariz é crescente dotando valores, ideais e opiniões políticas, das quais os países dependem, de uma assustadora volatilidade e facilidade em serem manipulados. É claro que se se filtrar e se refletir ponderadamente sobre o conteúdo a que somos apresentados acabamos por distinguir e reter informações coerentes e cruciais, identificar realidades e pontos de vista que, se não se tivessem tornado trending, nem seriam considerados.
A vida nesta comunidade pode obrigar-nos a questionar os nossos valores, a repensar nas nossas obrigações para com terceiros e a reformular identidades, permitindo a identificação dos ideais políticos que se defendem de facto e contribuindo para um uso do poder de voto mais responsável e consciente.
Não devemos cair em extremos, não é necessário um lápis azul, mas talvez devamos prestar atenção a esta “Geringonça” que se ergue.
1 Referência à série televisiva “Black Mirror” que aborda o condicionamento do comportamento humano pelas novas tecnologias e como as telas destes dispositivos, quando desligados, são meramente espelhos negros que refletem a imagem sombria dos seus utilizadores.
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