Com o término do dia 24 do passado mês, a França e a Europa respiram de alívio com a confirmação do que era esperado – a reeleição do Presidente Emmanuel Macron para um segundo mandato. Porém, esta vitória não teve o mesmo sabor que a obtida em 2017, colocando assim questões sobre o eventual futuro da França daqui a 5 anos.

De modo a tirar conclusões sobre esta mais recente eleição presidencial francesa, é necessário recuar um ponto no tempo. Na segunda metade da 2ª década do corrente século, o populismo encontrava-se a todo o vapor. A eleição de Macron para a Presidência francesa em 2017 representou uma espécie de resistência francesa à onda globalista que se abatia sobre o Globo. Mas de onde surge, no meio desta história, o Presidente francês reeleito? Macron registou no espaço de 10 anos uma ascensão política meteórica, eclipsada por muito poucos na História de França. Em 2012, Emmanuel Macron era um homem da elite parisiense dedicado à finança. Em maio desse mesmo ano, recebe um convite por parte François Hollande (socialista eleito Presidente nas eleições de 2012), para se tornar Secretário-Geral adjunto da Presidência da República. Posteriormente, em 2014, aceita a pasta de Ministro da Economia, começando a planear uma reforma ambiciosa da economia, com o objetivo de a desburocratizar. No eventual confronto que se seguiu com os sindicatos, ficou bem visto por muitos, demonstrando-se como alguém com bastante ambição dentro do governo socialista. Desta forma, funda o seu próprio partido – La Republique En Marche! –  de cariz centrista social-liberal. Aproveitando a má imagem do Partido Socialista associada à fraca governação de Hollande, um escândalo com o candidato (François Fillon) do principal partido de centro-direita (Les Républicains) e as fortes candidaturas da extrema-direita (Le Pen) e da extrema-esquerda (Mélenchon), Macron surge como um candidato de compromisso – vencendo assim as eleições presidenciais de 2017.  Há 5 anos atrás, com apenas 39 anos e na liderança de um recém-formado partido político, Emmanuel Macron tornou-se o mais jovem presidente de França. Na sua mensagem prometia unificar um país cada vez mais dividido e implementar reformas estruturais de grande envergadura.

As suas reformas económicas tiveram considerável sucesso: conseguiu reequilibrar as contas públicas; fomentou o crescimento económico através de cortes nos impostos; verificou-se um aumento do rendimento dos franceses, assim como uma redução do desemprego; o país tornou-se mais “business-friendly”, auxiliado por uma redução na burocracia. Para além deste impulso reformista descrito, Macron esforçou-se por reorganizar as infraestruturas do país e simplificar o caótico e desatualizado sistema de pensões francês. Como resposta à pandemia provocada pelo COVID-19, o pacote de estímulos levou ao maior crescimento económico registado em França desde a década de 1960, permitindo assim uma rápida recuperação para níveis anteriores à pandemia.

Como em todas as reformas existe contestação, não tendo sido diferente neste caso. Ocorreram enormes manifestações que varreram todo o país, sendo o movimento dos coletes amarelos o exemplo mais flagrante destas mesmas manifestações. Todas estas ocorrências danificaram a popularidade do Presidente francês, apesar de os resultados obtidos serem visíveis.

Ao fim de 5 anos de mandato bastantes atribulados, quer devido a execução de reformas estruturais, quer ao impacto de uma grave crise pandémica, aos quais temos de somar a mais recente invasão russa à Ucrânia, em abril de 2022 havia chegado a hora de os franceses exprimirem a sua vontade democrática. E assim o fizeram. 

A 10 de abril deu-se a primeira volta das eleições presidenciais. Esta eleição pode ser descrita como tripartida, uma vez que, mais de 73% dos votos foram concentrados nestes três candidatos: em primeiro lugar, tal como apontavam todas as sondagens, surgiu o centrista Emmanuel Macron com 27.85% dos votos; em segundo lugar, a candidata nacionalista Marine Le Pen que contou com 23.15%; em terceiro aparece o radical de extrema-esquerda Jean-Luc Mélenchon que conquistou cerca de 22% do eleitorado.

Esta eleição veio a confirmar uma alteração brutal, iniciada em 2017, da paisagem eleitoral. Até 2012, existia uma situação de bipartidarismo, ou seja, o sistema político era dominado por dois grandes partidos: o partido conservador de centro-direita – Os Republicanos (sucessor da União por um Movimento Popular) e o partido de centro-esquerda – Partido Socialista. Na primeira volta das eleições de 2012, estes dois partidos somavam mais de 54%, tendo, naturalmente, disputado a 2ª volta. Voltados 5 anos, em 2017, o seu cômputo não passou dos 27%, não tendo nenhum dos candidatos apoiados por estes partidos passado à 2ª volta. Em 2022, o resultado foi ainda mais sombrio: a sua soma não passou de uns míseros 6.53%. Tendo em conta estes dados, é bastante fácil constatar a total desintegração dos tradicionais partidos de centro.

Por outro lado, existe um crescimento das posições políticas radicais. Nesta eleição, houve três candidatos dos extremos políticos que conseguiram mais 5% dos votos, tendo ocupado do segundo ao quarto lugar. Comecemos pela extrema-direita do espectro político. Nesta área houve duas candidaturas – a da Marine Le Pen (que se candidatou à Presidência pela terceira vez consecutiva) e a do ex-jornalista, condenado por propagar ódio racial, Éric Zemmour (considerado por muitos como mais radical do que Le Pen). No seu cômputo conseguiram mais de 30% do eleitorado, tendo Le Pen passado à segunda volta. Na extrema-esquerda, Mélenchon (também candidato pela terceira vez) conseguiu 21.95%, um resultado muito acima do indicado pelas sondagens que, a um mês das urnas, o colocavam no linear dos 11-12%. O Jean-Luc Mélenchon obteve resultados excecionais em Paris, assim como junto da população de idades compreendidas entre 18-34 anos, onde conquistou cerca de 34% do seu voto.

Posteriormente, no dia 24 de abril, deu-se a 2ª volta das eleições. Tal como em 2017, Emmanuel Macron (com 58.5%) volta a derrotar Marine Le Pen, apesar de uma diminuição da distância entre os dois candidatos face a 2017 (tendo transitado de 32.2% para 17%). Macron consegue assim ser o 5º Presidente da V República Francesa a ser reeleito, o segundo a ser reeleito com uma maioria parlamentar, e o primeiro no espaço de 20 anos. Este feito eleitoral por parte do Presidente francês é inegável. No entanto, surgem questões sobre o futuro do país. A vitória eleitoral de 2022 teve um sabor mais amargo pois, ao contrário de 2017, traduziu-se sobretudo num voto anti-Le Pen.

Devido a uma alteração da lei eleitoral em 2018, Emmanuel Macron está impedido de se candidatar a um terceiro mandato. Desta forma, a possibilidade de sobrevivência do seu partido numa era pós-Macron pode ser posta em causa. Se somarmos a esta incerteza a desintegração dos partidos tradicionais de centro (LR e PS), assim como a ascensão do radicalismo, muitas dúvidas restam para o futuro de França dentro de 5 anos. Terá sido a eleição de 2022 uma nova vitória dos moderados, ou apenas um adiar impensável?