O conflito militar na Ucrânia para além de adensar de forma preocupante a dependência energética a que muitos países, inclusive Portugal, estão sujeitos, contribuiu de forma significativa para o agravamento dos mercados financeiros globais.

No passado mês de junho do presente ano, a inflação, isto é, a subida sustentada e generalizada do nível médio de preços, atingiu os dois dígitos. Cerca de um terço dos países da OCDE apresentavam taxas de inflação homólogas superiores a 10%. Em causa estava o mais acentuado aumento do nível médio de preços desde junho de 1988. Se olhássemos apenas para os países da Zona Euro a taxa frisava-se nos 8,6%.

Ao dia de hoje, 30 de setembro de 2022, o valor deixou a casa dos 8,6% e subiu mesmo para os 10% em termos homólogos em setembro, face a 9,1%, atingindo outro máximo histórico, disse o UniCredit Research numa nota.

O UniCredit Research prevê que a inflação global se fixe em torno de 10% até ao final do ano, já que os preços subjacentes, da energia e dos alimentos provavelmente estão próximos do pico. Prevê-se uma clara desaceleração ao longo de 2023, segundo o banco italiano.

A inflação subjacente terá subido fortemente para pouco menos de 5% em setembro, face a 4,3% no mês anterior, prevê o UniCredit. Economistas consultados pelo The Wall Street Journal preveem que a inflação subjacente tenha atingido os 4,7% em setembro.

Alguns especialistas afirmam que, de facto, uma boa parte da inflação que hoje sentimos é derivada da guerra no leste da Europa. Contudo, há quem diga que uma outra parte da inflação é resultado de algumas políticas (que na altura foram necessárias) levadas a cabo pelo Banco Central Europeu, denominadas de políticas monetárias não convencionais e que, de forma ampla, consistiram na injeção de dinheiro na economia. Pela equação quantitativa da moeda em termos relativos, a inflação é impulsionada precisamente pela quantidade de moeda na economia (𝑚𝑠) e pela velocidade (𝑣) a que esta circula: 𝜋=𝑚𝑠+𝑣−𝑦𝑁

Com estes aumentos sucessivos do nível médio de preços, o BCE, bem como os outros Bancos Centrais mundiais, viram-se forçados a proceder a aumentos agressivos das taxas de juros. Tal é explicado pela equação de Fischer: 𝑖=𝑟+ 𝜋, onde 𝑖 corresponde à taxa de juro nominal, 𝑟 corresponde à taxa de juro real esperado e, por fim, 𝜋 à inflação. Ora, um aumento da inflação como está a acontecer neste momento um pouco por todo o mundo, está assim associado (e na origem) dos aumentos nas taxas de juros diretoras.

Uma subida das taxas de juro diretoras, isto é, taxa de juro à qual cada Banco Central empresta dinheiro aos bancos comerciais, é sinónimo de uma subida das taxas de juro dos mercados monetário e bancário. Por outras palavras, o Banco Central Europeu ao financiar os outros (grandes) bancos comerciais a um preço mais elevado faz com que as pessoas que dispõem de créditos pessoais ou empréstimos também se vejam obrigadas a pagar juros mais elevados, a menos que tivesse acordado uma taxa de juro fixa aquando, por exemplo, da contratualização do seu empréstimo.

Uma vez que o custo do financiamento é agora mais elevado há um maior risco de incumprimento por parte dos devedores. Ao mesmo tempo, se o risco é agora mais elevado a recompensa para aqueles que emprestam o seu dinheiro a outras partes (os credores) é também maior. Assim, uma subida das taxas de juros como tem vindo a acontecer, traduz-se numa maior atratividade do mercado de capitais.

Todas estas alterações têm provocado uma grande volatilidade no poder do Euro contra as outras moedas, isto é, tem provocado alterações naquilo que se designa de Taxa de Câmbio Nominal.

Apesar de nas últimas termos assistido a uma recuperação do euro, desde o início da guerra na Ucrânia, a moeda tem vindo a depreciar. Importa frisar que o termo correto é, tal como mencionado infra, depreciação. Muitas vezes é utilizado o termo desvalorização, mas de forma errónea. O termo desvalorização usar-se-ia se a Área do Euro adotasse um regime de câmbios fixos, o que não acontece. O regime adotado é de câmbios flexíveis.

Importa também salientar a diferença entre Taxa de Câmbio Nominal e Taxa de Câmbio Real. Como mencionado acima, a taxa de câmbio nominal mede o poder de uma moeda contra outra, enquanto que a taxa de câmbio real mede o preço de um cabaz de bens e serviços de um país face a outro.

Por outras palavras, a taxa de câmbio real diz respeito à taxa de câmbio nominal considerando a inflação (interna e externa).

Segundo a Teoria da Paridade dos Poderes de Compra (TPPC), no longo prazo, para que exista equilíbrio (por exemplo, de preços), a taxa de câmbio real deve ser constante, ou seja, a variação desta deve ser nula com o tempo.

Ora se a Taxa de Câmbio Real é dada pela Taxa de Câmbio Nominal considerando a inflação, e se a TCR deve ser constante ao longo do tempo, tal é o mesmo que dizer que variações na TCN devem ser dadas (devem ser iguais) pela diferença entre a inflação externa e a inflação interna (AE).

Assim, é correto afirmar que o poder do euro influencia as tomadas de decisão do BCE no que toca a subidas ou descidas das taxas de juro. Se o Euro mantiver a trajetória de recuperação que tem vindo a assumir nos últimos, poderá não ser necessário proceder a novo aumento das taxas.

Contudo, se existir depreciação, como tem acontecido a maior parte do tempo desde janeiro e como é expectável que aconteça em breve (já que a inflação continua a subir), novos aumentos das taxas de juro poderão estar ao virar da esquina. Uma subida dos juros fará com que a inflação interna (AE) diminua e, por sua vez, o resultado da diferença entre a inflação externa e a interna será também ele menor, o que vai ao encontro daquilo que aconteceu com a TCN e que permite manter a TPPC.

Por fim, o mercado imobiliário é um dos mercados que se espera vir a sofrer repercussões, em resultado das subidas de juros que já aconteceram e das que poderão acontecer. Apesar de ter sido um mercado que até cresceu com a pandemia da Covid-19, com as subidas agressivas dos juros e um maior risco de incumprimento, é expectável que este mercado sofra uma espécie de recessão e, por isso, o preço das casas deverá diminuir num futuro próximo.