Opinião de Vítor Macedo - Professor Auxiliar Convidado na FEP
Também incluído no FEPIANO 48, publicado em Fevereiro de 2023
Os primeiros artigos publicados nesta Secção de Heterodoxias tiveram a Economia como pano de fundo. Desta feita, esse papel enquadrador é assumido pela Gestão.
Um dos meus melhores amigos, professor na FEP, disse uma vez (que eu tenha ouvido) que teria dificuldade em explicar rapidamente o que era “um gestor”. Penso que o que pretendia dizer é que seria mais fácil definir as funções de um médico ou de um engenheiro de uma determinada área do que precisar o que faz no seu dia-a-dia um gestor.
Vem este artigo a propósito da criação de uma nova função de chefia executiva na estrutura do Ministério da Saúde: o CEO do Serviço Nacional de Saúde. O SNS já acolheu diferentes modelos de gestão ao longo da sua história, tornando a saúde numa área onde as heterodoxias – formas diferentes de gerir, tomar decisões em contexto de recursos escassos – têm um lugar privilegiado.
O SNS é considerado uma das maiores conquistas da Revolução de Abril e uma das construções sociais de que os Portugueses mais se orgulham. Contrariamente à leitura comum, as suas origens são um pouco mais distantes e assentam nas reformas introduzidas em 1971, as quais atribuíram ao Estado um papel acrescido na promoção da saúde e prevenção da doença. Embora mais teóricas do que com sentido prático, estas reformas eram avançadas para a altura e para o regime político e, alinhadas com as aspirações da Revolução, foram aprofundadas ao longo das décadas seguintes. Mesmo perdendo gradualmente relevância como prestador de cuidados, o Estado manteve uma presença fundamental até aos nossos dias.
A grande preocupação das reformas de 1971 e da criação do SNS era o acesso aos cuidados de saúde. Apesar disso, outro eixo foi ensaiado em paralelo, mas com consequências bem menos efetivas: a função de gestão e o reconhecimento da natureza empresarial dos hospitais. Os hospitais cresceram em dimensão e complexidade e enquanto a legislação procurava introduzir princípios de gestão, uma segunda e “carismática” linha de comando emergia, em torno da capacidade de “tratar doentes e salvar vidas”.
Integrados no Setor Público Administrativo, os hospitais detinham uma autonomia limitada para definir as suas próprias prioridades e as críticas sobre a incapacidade de controlar custos e de introduzir práticas de gestão típicas do setor privado tornaram a saúde o palco principal das políticas de New Public Management em Portugal. Seguindo a tendência de outros países europeus, como o Reino Unido e a Finlândia, Portugal ensaiou tentativas de reforma, incluindo a introdução de centros de responsabilidade (ficaram popularizados pela designação “centros de responsabilidade integrados”, ou “CRIs”) e a criação dos primeiros – e emblemáticos até hoje – hospitais-empresa (Hospital Fernando da Fonseca e Hospital da Feira). Os “CRIs” ficaram pelo caminho, mas a empresarialização da gestão hospitalar seguiu em frente e em 1 de janeiro de 2003, 34 hospitais públicos transformaram-se em 31 “hospitais S.A.”
O governo da altura tornou bem evidente o seu compromisso com esta transformação ambiciosa: dotou os hospitais do capital necessário, fez depender em exclusivo o financiamento da produção realizada, enviou presidentes dos conselhos de administração e diretores clínicos numa visita a hospitais-empresa de Barcelona e criou uma superestrutura para centralizar a negociação e o controlo dos hospitais: a “Unidade de Missão”. Este novo organismo central impôs um controlo apertado sobre os conselhos de administração e o apoio – que também se pode ler “pressão” – veio através de uma série de mecanismos de controlo de gestão de tipo empresarial.
Para impulsionar a mudança, chegaram aos hospitais públicos novos profissionais com formação de base em economia e gestão e experiência no setor privado. Os hospitais ganhavam uma autonomia reforçada e pretendia-se que estendessem para dentro de portas um modelo que atribuía mais competências e responsabilidades de gestão para mais perto dos serviços clínicos, onde as decisões que, em última instância, ditavam a prestação de cuidados e os respetivos custos eram tomadas.
Este modelo de gestão manteve-se com a (ténue) passagem de hospitais S.A. para hospitais E.P.E., mas perdeu toda a força com a Crise e a Troika. Nos últimos anos, ouvimos falar com insistência no “reforço da autonomia” dos hospitais, qualquer coisa que nos parecia remeter para o ressurgimento do modelo de gestão empresarial. Todavia, a criação do CEO apareceu de rompante, com um potencial de mudança que ultrapassa em muito o que esperávamos do tal “reforço” que não víamos chegar.
Sobre as boas práticas de gestão, elas são comuns a todas as áreas e organizações. Bom senso, muitas teorias, modelos e técnicas que aprendemos nas nossas reconhecidamente excelentes escolas. Mas precisamos de lhe juntar uma coisa: o conhecimento profundo da atividade, das operações, do “negócio”, e disso, ninguém sabe mais do que quem os faz. Na Finlândia, os bons resultados chegaram quando os profissionais combinaram estes dois saberes. Por experiência própria, conheço o entusiasmo pela gestão de profissionais de diversas áreas, sobretudo das engenharias e das profissões da saúde, incluindo os médicos “avessos à gestão” e os jovens estudantes de medicina.
Afinal, falei muito sobre o passado e quase nada sobre a função de CEO do SNS. Fiz de propósito, não me atreveria a dar palpites sobre as mudanças que se avizinham. Mas está lá tudo: conhecimento, competência e determinação, por isso, vem aí uma forma diferente de gestão. Que falta estava a fazer.

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