Catarina Ribeiro e Rita Cunha
Também incluído no FEPIANO Especial 25 de abril, publicado em Abril de 2024
O cinema desempenhou o papel de instrumento de propaganda do salazarismo, mas também no pós 25 de abril foi essencial para contar o que foi vivido, tanto naquele dia como no que se antecedeu e sucedeu.
Com os 50 anos do 25 de abril, torna-se relevante debater o papel do cinema como uma forma de experienciar esta revolução, uma vez que nem todos tiveram oportunidade de vivenciá-la presencialmente. Aqueles que não testemunharam o momento podem ter uma ideia precisa e real através do cinema, que representa a história do país da forma mais concreta possível.
A revolução de abril também aconteceu no mundo do cinema. Desta forma, no dia 29 de abril de 1974, cineastas, músicos e atores partem do Sindicato dos Profissionais de Cinema e ocupam as instalações da Direção dos Serviços de Espetáculos e do Instituto Português de Cinema. Mais tarde, criaram um novo sindicato com a intenção de usar o cinema como meio de cultura e instrumento de consciencialização política. Isto aconteceu através da produção intensiva de documentários de vários temas, cobertura dos acontecimentos políticos, programas didáticos, entre outros.
“O cinema como meio de cultura e instrumento de consciencialização política.”
Atualmente, conseguimos observar cronologicamente a história através dos filmes que nos guiam entre o Estado Novo, a Revolução e o pós – 25 de abril, refletindo a realidade da ditadura e da transição para a democracia.
Em 1937, durante o período ditatorial, o filme emblemático de propaganda “A Revolução de Maio” foi lançado com o intuito de ensinar a doutrina do Estado Novo. Nesta realização cinematográfica, um homem com inclinações comunistas apaixona-se por uma mulher completamente devota da ideologia salazarista. A partir daqui começa uma luta entre o bem e mal, isto é, entre o salarizarismo e o comunismo. No fim, o homem abandona as suas crenças iniciais e junta-se a Salazar.
Também a guerra colonial portuguesa foi um acontecimento marcante do Estado Novo. Em 2004, a realizadora Margarida Cardoso lança o filme “A Costa dos Murmúrios” que se desenrola no final dos anos 60, durante a guerra colonial. Nesta narrativa, Evita vai para Moçambique casar com Luís, um estudante de matemática, que está a cumprir o serviço militar. Contudo, apercebe-se que Luís está mudado, perturbado pela guerra e transformado num imitador do seu capitão. Este filme fala de um tempo de guerra, de perda e de culpa.
Já num retrato vivo da Revolução de Abril, temos a longa-metragem da realizadora Maria Medeiros, “Capitães de Abril”. No filme que se desenrola entre a noite de 24 para 25 de abril de 1974, dois capitães e uma professora de literatura são os personagens principais. Nessa noite, na rádio soa a canção proibida “Grândola, Vila Morena”, um dos sinais programados do golpe de estado militar, que poria fim à ditadura do Estado Novo. Assim, às três horas da madrugada, as tropas tomam os quartéis e marcham para Lisboa. Acontece, então, a Revolução dos Cravos, pacífica durante todo o seu decorrer. Esta longa-metragem, além de documentar o golpe de estado, presta homenagem aos soldados que recuperaram a liberdade da sua pátria, com especial destaque para Salgueiro Maia.
Parece também apropriado tecer elogios à obra cinematográfica “Um Adeus Português”, de 1986, realizado por João Botelho, onde nos é descrita a vida nos últimos momentos da Guerra Colonial, culminando, por fim, na Revolução dos Cravos. No decorrer do filme, é pintado um retrato amargo de como a brutalidade da Guerra e do Estado Novo afetaram as relações pessoais dos portugueses. Numa Lisboa “nova”, mas também cansada e desanimada, o conjunto de personagens que seguimos tenta reaver os laços familiares e também emocionais outrora desfeitos. A RTP retrata ainda esta obra como sendo tocante, surpreendente e profundamente português que soube refletir, admiravelmente, sobre uma memória tão incómoda de forma tão sensível.
Ao passo que o filme anteriormente abordado leva-nos a vivenciar uma altura pré 25 de abril, existem outros que permitem refletir sobre o pós. “O que farei eu com esta espada?” é um documentário de 1975 de João César Monteiro que se insere no movimento militante português da segunda metade do século XIX. O realizador é conhecido na área pela sua forma desafiadora de abordar o cinema, sendo que este seu trabalho não é exceção. O filme é obscuro e representa os momentos de incerteza e até de medo que pairavam num Portugal sem rumo certo. Através de uma inteligente metáfora política, João Monteiro compara a chegada da NATO aos portos de Lisboa com a chegada dos Nosferatu, disferindo assim um poderoso golpe contra o “sistema”.
“A luta pela democracia e liberdade não acabou em 1974.”
A luta pela democracia e liberdade não acabou em 1974. Agora num Portugal mais recente, a democracia enfrenta novos desafios, como a inclusão, a igualdade e a tolerância. Mais do que nunca, o cinema continua a ter um papel fulcral na educação. No filme “Batida de Lisboa”, de 2019, de Vasco Viana e Rita Maia, descobrem-se os subúrbios de Lisboa através de músicos com problemas de identidade e que se sentem irreconhecidos na cidade. Nesta realização, conhecem-se diferentes gerações das antigas colónias (Angola, Guiné-Bissau, entre outras), que se sentem perdidos no país que também é deles.
Por isso, é importante refletir sobre o caminho da democracia, sempre com a liberdade como horizonte. Isto porque em democracia há sempre espaço para sermos melhores do que fomos e de olharmos para o futuro sem medo. É necessário lutar, continuamente, pela liberdade de se viver dignamente, da saúde e da educação serem bens universais, entre tantas outras coisas que permitem a um cidadão comum ser mais livre. E, portanto, a luta de hoje não é a mesma de 1974. É a luta de ser livre. De ser diferente, de pensar diferente e de ter uma opinião diferente. É falar sem medo de ser julgado, ou criticado, é ter a oportunidade de ser livre.
Assim, é preciso olhar para o cinema como uma arma contra a opressão à liberdade de expressão. Através de filmes e documentários consegue-se ver quais são os valores de abril, sendo necessário espalhá-los, enquanto aspetos universais e essenciais à democracia. Além disso, é muito importante que estes filmes alcancem também as crianças, para lhes mostrar que é um privilégio nascer com direitos como a liberdade e o respeito assegurados.
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