Opinião de Sofia Cunha
Também incluído no FEPIANO Especial 25 de abril, publicado em Abril de 2024
“A luta das mulheres faz parte intrínseca da luta pela liberdade deste país (…) E sou feminista porque acho que as mulheres têm direito a serem tratadas da mesma forma porque nunca o mundo será livre se mais de metade da humanidade continuar a ser discriminada.” – Maria Teresa Horta
Escrever, por si só, num jornal como este e com a consciência de que o posso fazer exercendo em pleno o meu direito à liberdade de expressão parece algo natural para uma mulher como eu, nascida e “crescida” no Portugal do século 21 (sublinho, no Portugal do século XXI, pois pelo mundo fora não faltam exemplos que contrastam com esta realidade). E, pela História que me foi lecionada na escola, desde cedo aprendi que devia essa liberdade e tantas outras aos Capitães de Abril. É verdade! Sendo portuguesa, sei bem da importância do dia 25 de Abril de 1974 para Portugal, para a vida dos homens e das mulheres que hoje integram uma sociedade cada vez mais justa, igualitária e, sobretudo, assente em valores democráticos.
Contudo, no ano de 1974, não havia apenas uma ditadura a derrubar! Para os homens, talvez sim! Mas as mulheres, incluindo Maria Teresa Horta, sabiam que tinham uma outra pela frente, uma ainda mais difícil de combater, uma “ditadura” sempre desprezada nos livros e nas aulas de História, mas que não menos merece ser relembrada – a “ditadura” do patriarcado sobre as mulheres portuguesas. E esta, que podemos discutir se já teve ou não o seu 25 de Abril, estendeu-se (e, a meu ver, estende-se) muito para além da queda do fascismo no nosso país. É talvez a única ditadura que não sabemos se alguma vez terá fim. Mas, tal como os houve no fim do Estado Novo, esta luta pela emancipação da mulher em Portugal também teve os seus heróis! Neste caso, de entre eles estão três escritoras que, para além de terem o primeiro nome em comum, partilhavam as mesmas inquietações sociopolíticas.
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa nasceram na década de 30 do século XX e ficaram marcadas na História do Portugal democrático após quase serem presas por escreverem uma das obras mais ousadas do seu tempo: o livro de poesia e ensaio “Novas Cartas Portuguesas”, publicado em 1972.
Em segredo e motivadas pelo sentimento de que “as mulheres tinham um direito a existência altamente condicionado e que não podiam ser indivíduos no pleno sentido da palavra”, as três feministas estavam conscientes do choque que a publicação do seu livro, na época tabu, iria provocar. Sabiam que a PIDE faria de tudo para as intimidar, mas o objetivo era mesmo esse, provocar uma onda de contestação na sociedade portuguesa, à semelhança do que já acontecia em países como França e Inglaterra, nos quais os movimentos feministas ganhavam relevo. Sem surpresas, o livro foi proibido de circular pela Censura e um processo judicial foi imposto às Marias. Valeu-lhes a força dos meios de comunicação social e das vozes nacionais e internacionais, como Simone de Beauvoir, que se levantaram a favor da sua absolvição. A libertação das escritoras ocorreu a 7 de maio de 1974.
Classificados como “pornográficos” e “imorais” pelo “Lápis Azul”, os textos das escritoras apenas abordavam de forma crua a sexualidade feminina, através de um questionamento das protagonistas da trama acerca dos seus relacionamentos com o sexo masculino e da sua visão de si mesmas. A busca pelo prazer da mulher e a sua subalternização às fantasias masculinas eram temas em destaque, tal como a maternidade e o casamento a estas impostos pelo patriarcado católico. Não ficaram também de fora as críticas à repressão ditatorial e à sangrenta guerra colonial.
Até agora nunca se soube quem escreveu o quê ao longo da obra: as três Marias fizeram o pacto de nunca revelar a contribuição individual de cada uma nas passagens do livro. Sabemos apenas que “Novas Cartas Portuguesas” constituiu um ponto de viragem para a reflexão do papel da mulher na sociedade.
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