Com o relógio a marcar vinte e cinco minutos após a meia-noite, Leite de Vasconcelos, a 25 de abril, toca “Grândola Vila Morena” no seu programa “Limite”, sendo esta a senha para os militares do Movimento das Forças Armadas avançarem com a revolução.

A Revolução dos Cravos é reconhecida por ter mudado o país sem traços de violência. De facto, foi marcada por discursos, por poemas e por canções. Vários músicos e escritores apelidados de “Vozes de Abril” marcharam ao lado dos soldados do MFA, utilizando a sua voz para transmitir as aspirações e frustrações do povo, e para inspirar a resistência.

O início da revolução atribui-se a José Afonso (“Grândola, Vila Morena”) e a Paulo de Carvalho (“E Depois do Adeus”), cujas canções foram utilizadas como senhas para a invasão do Quartel do Carmo. Não há um motivo oficial por trás da escolha de “Grândola”, o hino de abril, mas a comoção causada pela cantiga alentejana no festival “Primeiro Encontro da Canção Portuguesa” no mês anterior é muitas vezes mencionada na discussão. O Festival reuniu mais de sete mil pessoas no Coliseu, que ignoraram a proibição da canção e gritaram por José Afonso até que este a cantasse. A música foi repetida duas vezes e, na sua última estrofe, o Coliseu inteiro começou a cantar o Hino de Portugal. Neste festival estiveram também presentes outras vozes reconhecidas na música de intervenção, como Manuel Freire (“Pedra Filosofal”), Vitorino (“Menina Estás à Janela”), Carlos Alberto Moniz (“Arca de Noé”), e Adriano Correia de Oliveira (“Lágrima de Preta”).

“O Festival reuniu mais de sete mil pessoas no Coliseu, que ignoraram a proibição da canção e gritaram por José Afonso até que este a cantasse. A música foi repetida duas vezes e, na sua última estrofe, o Coliseu inteiro começou a cantar o Hino de Portugal.”

Por trás de muitas das canções mais marcantes da revolução estavam as palavras de poetas cujos versos capturaram o ethos da época. Entre eles, Sophia de Mello Breyner emergiu como uma figura imponente. O seu poema “25 de abril”, apesar de curto, foi dos mais capazes de assimilar o dia. Para além de Sophia, Ary de Santos (“Poeta castrado não!”), Manuel Alegre (“Letra para um hino”), e Natália Correia (“Queixa das almas jovens censuradas”) emprestaram também a sua voz à luta e deixaram versos que transmitiam um sentido de urgência pela liberdade.

Num clima de censura e repressão, os artistas recorreram à subtileza e à metáfora para fugir ao lápis azul. Canções como “Os Vampiros” de Zeca Afonso tentavam disfarçar a crítica ao regime dentro de letras aparentemente inócuas (“à toda a parte chegam os vampiros/ poisam nos prédios, poisam nas calçadas”), servindo como chamadas de alerta para a resistência clandestina. Estes artistas operavam diretamente com os resistentes, e muitos participaram tanto nas reuniões secretas como nos protestos públicos. Não foram poucos os que acabaram por ser presos, exilados ou perseguidos pela sua desobediência, mas o “estrago” já teria sido feito, porque eram milhares os portugueses que sabiam de cor “o povo é quem mais ordena”. O legado das vozes da revolução portuguesa perdura como testemunho do poder da arte para incitar mudanças e desafiar a opressão. Podemos agora ouvir, sem restrições os seus versos, que perduram como símbolos da sua coragem e resiliência.