Um sistema por nós construído e operado está a gerar de forma reiterada danos colossais. A imoralidade de obscuros atores, uns mais anónimos que outros, a falha institucional e o impulso consumista criam uma enorme inércia no paradigma poluidor, daí a insuficiência das reformas que têm surgido em reação à crescente pressão social.

Os problemas ambientais decorrentes do nosso sistema produtivo são complexos e entrelaçados com muitos outros, nomeadamente com a desigualdade. Mas afinal a quem devemos o fardo? Historicamente, o ocidente é o maior poluidor carbónico; atualmente, o campeão de emissões de CO2 é a China. Porém, as emissões per capita alteiam na Arábia Saudita, EUA e Canadá. A contabilidade ainda se adensará mais se tivermos em conta quem são os consumidores e os produtores, levantando polémicas sobre como distribuir a autoria moral. Foco-me numa porção dessa realidade bem menos propensa a dubiedades, as mais sofridas vítimas das alterações climáticas são quem menos contribuiu para elas.

Os povos pobres, que em pouco beneficiaram com as emissões alheias, veem a sua pobreza multiplicada e a sua dignidade ainda mais menosprezada. A tragicidade das dores daquelas comunidades privadas dos escassos bens materiais que já possuíram e, pior ainda, os subsequentes horrores que as assolam. A fome, porque a terra se desagregou em pó; a migração, porque a permanência no lugar de pertença ameaça a vida; a travessia do deserto que traz uma sede para muitos fatal; a casa que foi levada pelas águas ou lamas e levou gente consigo… Gente que é igual a nós, indubitavelmente igual e digna. Apesar disso, vemos violações reiteradas dos direitos dessa gente, gente assaltada porque se prefere explorar o que é comum e essencial sem conta nem medida. Há uma escolha muito clara que tem sido feita entre a nobreza dos direitos humanos e a opulência dos lucros imensos, a realidade não deixa margem para dúvidas sobre a opção hegemónica. Inqualificável desvirtude.

A realidade ainda é mais dura, a lei internacional não abarca todos estes casos, pelo que há um enorme conjunto de pessoas que veem negado o estatuto de refugiado. E o que recebem como tentativa de compensação não chega, não é apenas solidariedade que se exige, é preciso uma ação conjunta para garantir de forma justa o equilíbrio. Eu não tenho solução perfeita, mas sei que, com as atuais políticas ambientais, estamos a falhar e a falta de coragem em tomar medidas efetivas só agiganta o problema. O custo de cada adiamento cresce incontrolavelmente e, com isso, as soluções exigem uma mudança mais radical no nosso modo de produzir e consumir, ou seja, na nossa organização socioeconómica. Alterar o modus vivendi de forma abrupta é um desafio repleto de facilitismos, é preciso não ceder aos oportunistas cantos de sereia fermentados em medo.

Os ritmos apressados a que esses perigos se presentificam exigem prontidão comum. Só a cooperação internacionalista pode resgatar este mundo e toda a nossa gente.