Antes de se rever os dados concretos, é importante explicar ao leitor como foi possível uma floresta com clima tropical e com alta precipitação e humidade ter ardido durante tanto tempo. Em situações normais, a Amazónia pode e deve registar incêndios naturais, mas nunca poderá arder durante tantos dias consecutivos. Como é que isto aconteceu? A desflorestação foi a principal razão, porque, quando uma floresta tropical sofre incêndios, estes são rapidamente controláveis, até pela sua própria flora; contudo, quando uma floresta é desbravada, o caso já é muito diferente. As árvores mortas tornam-se combustível para possíveis fogos. Também é importante referir que um incêndio é muito pior quando é recorrente e atinge uma área que já foi queimada, e este cenário ocorreu vezes sem conta no Brasil.

Segundo o sistema DETER-B, desenvolvido pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) no Brasil, os dados de setembro mostram que, nos primeiros nove meses do ano, a área com alerta chegou aos 7.853,91 km². Esse número é o dobro em relação a 2018. Até ao oitavo mês de 2019, a floresta da Amazónia brasileira registou cerca de 59.601 focos de incêndios. No entanto, só no mês de agosto foram detetados pelo menos 29.359 deles. Segundo a NASA, em 16 de agosto de 2019 registou-se o triplo dos focos de incêndio, relativamente ao mês de julho do mesmo ano.

No dia 21 de agosto, a frase “Pray for Amazonas” tornou-se no maior destaque no Twitter. À medida que as notícias dos incêndios na Amazónia se espalhavam, o mesmo aconteceu com uma afirmação enganadora – mas muitas vezes repetida – sobre a floresta tropical: “a Amazónia produz 20% do oxigênio do planeta”. O cientista climático Jonathan Foley, que dirige o projeto sem fins lucrativos Drawdown e investiga soluções para as alterações climáticas, publicou uma estimativa mais conservadora de que a Amazónia se fica pelos 6% do oxigénio. Há quem defenda que essa percentagem possa ser ainda menor. Podemos reparar, segundo o climatologista Carlos Nobre, que “a Amazónia não altera muito o balanço de oxigénio. Ela, por exemplo, retira, anualmente, até dois mil milhões de toneladas de gás carbónico da atmosfera, através da fotossíntese, e ela reenvia para a atmosfera cerca de 1,5 mil milhões de toneladas de oxigénio. Só que 1,5 mil milhões de toneladas de oxigénio é uma fração muito pequenininha”.

É óbvio que nada disto interfere com a extrema importância que a Amazónia tem para a recolha de dióxido de carbono da atmosfera. Coe não compara a Amazónia a uns pulmões, mas sim a um “ar condicionado gigante” que contrabalança com o efeito de estufa, arrefece o planeta e previne acontecimentos como o aquecimento global.

Mas existem mais dados a ter em conta. As árvores não se limitam a exalar o oxigénio – também o consomem num processo conhecido por respiração celular, onde convertem os açúcares que acumulam durante o dia em energia, usando o oxigénio para alimentar o processo. Não se abordou tanto, mas talvez o maior problema destes incêndios foi o desbaste da biodiversidade, e a Amazónia é o ecossistema terrestre mais biodiversificado, pelo que as alterações climáticas e a desflorestação estão a colocar em risco essa riqueza.

A gestão de Bolsonaro é também um caso de estudo. Se a desflorestação continuar a este ritmo, não irá ser feita por muitos mais anos, porque a Amazónia será destruída por completo. Infelizmente, irão ser as gerações futuras a pagar por este grave acontecimento que ocorreu em agosto. Essa gestão tentou contrapor os dados em defesa própria, ao invés de levantar questões como a qualidade de vida das pessoas que lá vivem ou os baixos índices de desenvolvimento humano da região. Em nada aprofundou o debate sobre a Amazónia. O que se viu foi um discurso controverso e despreparado, bem como um posicionamento político retrógrado que pouco contribuiu para esclarecer o que devia ter sido feito.

Por vezes, a tentativa de informar e alertar as pessoas nas redes sociais por parte de figuras públicas faz que com alguma informação seja difundida de forma um pouco distorcida. Por exemplo, algumas personalidades, como o presidente francês Emmanuel Macron, publicaram no Twitter uma imagem de uma floresta em chamas dizendo que se tratava da Amazónia. Acontece que essa fotografia era de um outro incêndio florestal que não o referido na publicação. Estes casos devem servir de alerta para a necessidade de analisar melhor a informação que nos é disponibilizada. 

Voltando à questão, sim, o desmatamento ilegal tem crescido na Amazónia. O sistema de mensuração das queimadas e desmatamento DETER não representa o número real de desmatamento, mas indica as áreas que possivelmente estão a ser desmatadas. A Amazónia é um complexo sobretudo florestal, de grandes habitats que estão protegidos por lei; reservas que, de maneira nenhuma, podem ser exploradas economicamente, pois representam regiões cruciais para a manutenção e regeneração da floresta ou são património insubstituível da humanidade. No entanto, é também lar de grandes cidades com necessidades tecnológicas, energéticas e de qualidade de vida. Assim, o principal desafio da região amazónica é, sem dúvida, aliar o crescimento e o desenvolvimento económico das pessoas que ali moram com a sustentabilidade da floresta. O IDH-M, que mede o índice de desenvolvimento humano nas cidades, fica abaixo de 0,5 (numa escala de 0 a 1) nas cidades amazónicas. Na discussão da questão da Amazónia, deve pensar-se que, além da floresta, há pessoas que lá vivem. Especialistas da região dizem que a decisão de alguém desmatar ilegalmente a Amazónia passa por várias questões. No entanto, a postura da gestão governamental em relação à floresta e à sua população deve ser de seriedade. O debate deve estabelecer e repensar um novo paradigma de desenvolvimento. Um desenvolvimento que seja sustentável e que traga, antes de mais nada, qualidade de vida para todos os seres vivos, incluindo os da Amazónia. Esta floresta deve ser encarada como motor de produtividade e longevidade humana.

Em suma, estamos perante um problema grave e sério, de facto, e a comunicação social enganadora em nada ajudou no combate aos incêndios. Os verdadeiros heróis não são as celebridades que doam dinheiro (óbvio que também contribuem), mas sim os heróis de que ninguém fala: os bombeiros e todos aqueles, sejam homens, mulheres, crianças e idosos, que pegaram num instrumento simples, como uma mangueira, e foram lutar para tentar salvar as suas habitações, ou simplesmente o seu território. Autênticos guerreiros que caem no esquecimento, porque outros valores menos relevantes se levantam. Este artigo, na sua humildade, vai no sentido de enaltecer o esforço de quem lutou para parar aquilo que foi um dos maiores desastres ecológicos do ano. O futuro da Amazónia está nas mãos do governo brasileiro. Podem continuar a fazer dinheiro hediondo com a desflorestação ou reconstruir aquilo que se perdeu e um encontrar um futuro luminoso. Cabe-lhes a eles escolher…