Conduzida por André Filipe Silva
Com o apoio de Gonçalo Pé D’Arca, Luís Oliveira e Nuno Sousa
Também incluída no FEPIANO 37, publicado em Maio de 2019
Gonçalo Gomes é o vencedor do “This Time I’m Voting”, um concurso a nível europeu que consistiu em angariar o maior número de pessoas para o combate à abstenção nas Eleições Europeias (através da plataforma online thistimeimvoting.eu). Junta a este marco a participação em variados projetos ligados à União Europeia. Tem 20 anos, é de Viseu, e está a terminar a sua Licenciatura em Economia na Nova SBE.
Em que tem consistido o teu trabalho enquanto Young European Ambassador e ativista do ThisTime I’m Voting?
A minha ligação com a União Europeia vem de vários projetos. Um deles é o Desta Vez Eu Voto [This time I’m voting], que é uma campanha de combate à abstenção que o Parlamento Europeu lançou. Nesse âmbito, tenho falado com media, ido a conferências em faculdades, participado em eventos que qualquer voluntário pode organizar, e tenho tentado também organizar um evento meu na faculdade onde estou. Faço parte também do Understanding Europe Portugal, que é um projeto voluntário principalmente ligado a uma faixa etária mais jovem, onde vamos a escolas secundárias dar cursos de 4 horas sobre a União Europeia, a história da União Europeia, como funcionam as instituições e o processo de tomada de decisão. Também integro o Parlamento Europeu dos Jovens, onde há ações a nível regional, nacional, e internacional com jovens que se reúnem uma semana para discutir tópicos relacionados com a União Europeia, e apresentar propostas a uma Assembleia Geral no final dessa semana. Faço também parte de uma rede de jovens europeus, “Young European Ambassadors”, que procura essencialmente fomentar a cooperação e o conhecimento entre jovens de países da União Europeia e países de Leste que estão a tentar aderir à UE.
O principal “segredo” é a gestão de tempo
Apesar da tenra idade, tens já um percurso e experiência invejáveis e muito assinaláveis. Como é que consegues conciliar todo esse lado extracurricular com os estudos, ainda por cima mantendo uma nota média tão notável?
Eu diria que o principal “segredo”, por muito que às vezes possa parecer um clichê, é a gestão de tempo. Muitas vezes abordamos esse conceito, mas não aplicamos. O que eu essencialmente faço é planear as horas em que vou estar a fazer certas atividades, e nessas horas os objetivos que tenho de cumprir. Assim, acabo por tentar otimizar muito o meu tempo, no geral. Claro que acabo por não ter tempo livre muito substancial, mas é o preço a pagar para conseguir ter uma experiência tão diversificada e enriquecedora.
O Volt, movimento pan-europeu que integras, já estará presente nos boletins de voto em países como a Alemanha e a França nas próximas europeias. Já foi iniciado o processo para que tal aconteça, no futuro, também em Portugal?
Neste momento, o Volt está a recolher assinaturas em Portugal. Ainda não recolheu o número suficiente para se constituir como partido e por isso não vai conseguir candidatar-se às próximas Europeias. O processo continua, para que no futuro se possa candidatar a outras eleições. Poderá haver hipótese de o partido se candidatar também a Legislativas – porque, apesar de ter uma plataforma sobretudo europeia, também tem um processo de fazer política que é diferente do habitual e pode ser facilmente aplicado a nível nacional e local, que, por sua vez, acabam por influenciar o nível europeu.
O desinteresse dos jovens europeus, particularmente os portugueses, pela política é cada vez maior. Estará a política enquanto classe e processo de discussão democrática condenada a um clube restrito e elitista?
Eu diria que são estatísticas muito preocupantes, e também daí que surja a campanha Desta Vez Eu Voto. Mas realmente é um fenómeno um bocado mais geral do que apenas as Europeias. As Eleições Europeias têm problemas mais agravados, com abstenção por norma ainda maior, mas a nível nacional também se verifica muita abstenção jovem. Se é uma tendência reversível? Eu diria que inevitavelmente vai ter que ser. Porque, caso contrário, a nossa democracia fica condenada a algo que não é propriamente uma democracia – na medida em que é uma minoria que decide efetivamente pela maioria. Para conseguir reverter essa tendência, vai ter de ser feito um grande caminho, e não vai ser fácil nem vai ser conseguido de um ano para o outro.
O Parlamento Europeu tem todo o interesse em que a abstenção baixe
As campanhas organizadas a propósito destas Eleições Europeias tentam combater o desinteresse pelo voto na faixa etária mais jovem. Na tua perspetiva, as instituições europeias olham para isto com a seriedade devida ou ainda há muito a fazer? Nesse sentido, sentes que a tua opinião tem sido realmente ouvida?
Eu diria que levam a sério na medida em que estão a fazer uma campanha em que estão a ser investidos muitos recursos e atenção – e é uma campanha focada apenas e só no objetivo de combater a abstenção. O próprio Parlamento Europeu tem todo o interesse em que a abstenção baixe porque, quanto menor for a abstenção, maior é a sua legitimidade democrática. Claro que uma campanha de comunicação pode ajudar, mas não resolve problemas estruturais.
Mas posso dizer que senti que estava realmente a ser ouvido, por exemplo quando fui a Estrasburgo juntamente com os outros 9 jovens que venceram o concurso do Desta Vez Eu Voto. Tivemos várias reuniões com diferentes grupos de pessoas que trabalham numa tentativa de aproximação à população, de repensar a identidade europeia e a forma de fazer campanha. Em todos os contactos que tive com instituições europeias – leia-se pessoas, porque as instituições não são algo de abstrato, são pessoas –, sinto que, no geral, o que aconteceu foi levado em conta e foi significativo. Até porque a campanha Desta Vez Eu Voto não tem só esta parte mais digital – tem também uma segunda fase em que qualquer pessoa se pode voluntariar para ajudar o Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal. Não só a dinamizar eventos de campanha do Parlamento Europeu, como também a criar o seu próprio evento. Há pouco tempo, houve um jovem que quis organizar um evento em Mirandela e teve apoio para o fazer por parte do Parlamento Europeu. Teve inclusive pessoas do Gabinete do Parlamento Europeu que estiveram presentes.
Nos últimos meses assistimos a uma pequena revolta relacionada com a aprovação do Artigo 13, gerando muita controvérsia. Achas que existe um “gap” geracional e de conhecimento dos decisores políticos a nível europeu relativo a estas matérias?
É possível que haja esse distanciamento, e basta olhar que, na última legislatura, a média de idades de deputados andava à volta dos 55 anos. Nós somos uma geração que nasceu já nativa ao mundo digital, e provavelmente temos mais conhecimento e um acesso mais direto a este tipo de entendimento. Mas não é só um fenómeno europeu. Nos EUA, quando assistimos à audiência do Mark Zuckerberg [CEO do Facebook], ficou claro que existiam muitas pessoas com idade mais avançada que não percebiam como funcionava a Internet no geral. Mas também por isto é importante ter cada vez mais jovens na política, e haver uma maior representatividade dos jovens.
Tendo tu uma perspetiva mais próxima do que está a acontecer neste momento ao nível da União Europeia, quais são as grandes preocupações que pairam no ar para as Eleições de Maio e para os próximos anos?
Diria que, embora o que atraia mais atenção mediática provavelmente seja o Brexit, para a União Europeia, não é uma preocupação tão gigante como às vezes se possa pensar. Claro que é uma preocupação, mas, se tivesse de escolher, a principal diria que é o surgimento de movimentos eurocéticos e o poder que têm vindo a ganhar, e o facto de terem vindo a entrar em parlamentos onde anteriormente não tinham representatividade. O facto de termos um partido de extrema-direita na Alemanha, algo que até há muito pouco tempo era tabue agora tem uma dimensão muito relevante, é preocupante. Acho que esses movimentos são o que preocupam realmente quem acredita no projeto europeu, na medida em que agora em maio podem vir a ganhar uma dimensão muito maior no Parlamento Europeu e podem vir a condicionar toda a vida da União Europeia nos próximos 5 anos.
Na última legislatura, a média de idades de deputados andava à volta dos 55 anos
Há assuntos que parecem gerar bastante discórdia, mas que são essenciais para o florescer do projeto europeu: o aumento do orçamento europeu e dos fundos estruturais de convergência, reformas fiscais pan-europeias e, no caso específico da Zona Euro, a introdução de um orçamento próprio para os países pertencentes. Achas que estes são os aspetos que vão ser mais trabalhados nos próximos anos ou existe, no teu entendimento, outro conjunto de prioridades para os políticos de Bruxelas?
É muito importante a Zona Euro ter um orçamento próprio, é muito importante termos medidas fiscais federais. Esse conjunto de medidas económicas estruturais é muito relevante, visto que a Zona Euro, neste momento, tem uma arquitetura incompleta. E, posto isto, se tivermos uma crise – como é provável nos próximos 5 anos – não vamos estar preparados para a enfrentar.
No entanto, apesar de todas as partes envolvidas terem noção da importância da implementação dessas medidas, o problema está em certos países em que o eleitorado não concorda tanto com esse tipo de medidas – visto que consideram ser uma redistribuição de rendimento de países mais ricos para países mais pobres. Líderes desses estados-membros não têm tanta margem de manobra e, talvez por interesses eleitorais, não tornam esse tipo de medidas uma preocupação assumida. Há problemas de exequibilidade política – há medidas que não são populares em todos os países da Zona Euro.
Há medidas que não são populares em todos os países da Zona Euro
Na população geral, parece existir uma certa descrença geral sobre a forma como as decisões são conduzidas em Bruxelas e Estrasburgo. Para ser mais claro: há eleições a cada 5 anos, mas, depois disso, a generalidade da população parece não perceber muito bem o que vai acontecendo. Há propostas do Thomas Piketty e do Yanis Varoufakis relativamente a exatamente isto. Na tua opinião, o que pode ser feito para melhor a transparência no processo político europeu?
Em primeiro lugar, reconheço que há uma distância muito grande, e é muito comum não se estar a par do que acontece nas instituições europeias. Mas eu diria que não são necessariamente as instituições a quererem ser opacas ou esconder alguma coisa; mesmo quando uma pessoa estuda o projeto europeu a integração europeia, é uma matéria muito complexa. A forma de interação entre as várias instituições, a evolução das várias instituições ao longo do tempo não é fácil de entender. Acho que a solução passa por tentar simplificar essa complexidade de forma a que a população em geral consiga entender o que é o Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Conselho da União Europeia, Conselho da Europa (que neste caso nem está relacionado com as instituições da UE)… temos aqui três Conselhos e é muito fácil confundir as instituições e o que cada órgão faz. Se não se percebe isto, é muito fácil cair na armadilha de pensar que, quando alguma medida positiva é implementada, foi o governo nacional que o fez e que, quando há alguma medida negativa, Bruxelas é responsável. Usa-se muitas vezes o termo “Bruxelas” de uma maneira generalista e negativa, mas, se formos ao cerne da questão, vemos que Bruxelas somos todos nós. Porque não há uma lei que possa passar sem primeiro ser discutida e votada pelos governos nacionais. A lei pode ir a Parlamento Europeu, mas tem de ser decidida conjuntamente com o Conselho da União Europeia. Em Bruxelas, estão representados os interesses nacionais, e é importante ter isso em mente.
Porque é que aprendemos Geologia, História, Música – claramente temáticas importantíssimas – mas não aprendemos como a nossa sociedade funciona, e como podemos impactar a nossa sociedade?
Nesse sentido, também faz muita falta termos mais formação política em Portugal. Temos disciplinas como Formação Cívica, mas não se fala sequer de instituições nacionais. O principal investimento para combater este distanciamento passa por mais educação formal sobre esta matéria. Porque é que aprendemos Geologia, História, Música – claramente temáticas importantíssimas – mas não aprendemos como a nossa sociedade funciona, e como podemos impactar a nossa sociedade?
Que medidas concretas consideras que as instituições europeias podem implementar para democratizar a União Europeia? Listas transnacionais, por exemplo?
Para além da falta de informação, um dos principais problemas e mais específicos a nível de Eleições e abstenção europeia é o facto de as eleições e o debate serem muitas vezes nacionalizados. Neste momento, temos um partido a dizer “votem em nós porque é um voto de confiança no governo”, temos também partidos a dizer “votem em nós porque é um voto contra o governo”. E é muito fácil cair numa nacionalização das europeias, em que não debatemos assuntos europeus, não falamos da União Europeia, falamos apenas do nível nacional. Por isso mesmo, sou completamente a favor de listas transnacionais, na medida em que assim é quase obrigatório que o debate seja europeu, e é do interesse de quem se está a candidatar de focar o debate, não apenas em medidas nacionais, mas também europeias. Isso podia contribuir muito para as pessoas se aproximarem do projeto europeu, pois, pelo menos assim, o projeto europeu seria efetivamente debatido – e, neste momento, isso nem sempre acontece. É de realçar que esta medida já foi a votos no Parlamento Europeu, penso que por sugestão de Macron, mas não foi aprovada.
Considerando que conheces a UE por dentro como poucos jovens, como vês a evolução do projeto europeu a longo prazo?
Muito sinceramente, e com pena minha, parece-me que nos próximos 5 anos será muito difícil a União Europeia avançar substancialmente no caminho da integração. Talvez passemos por um período de maior estagnação, com progressos mais pela força da necessidade (por exemplo, a nível da defesa). Se, entretanto, houver uma crise, provavelmente seguir-se-ão mais 5 anos de estagnação. Tenho a esperança, no entanto, que daqui a uma década haja outra vez um período de maior prosperidade e maior integração – porque a história da UE tem estado sempre muito interligada às condições económicas. Quando a economia está a avançar bem, costuma haver maior integração, quando a economia tem problemas, há um “travão”. A história da UE tem seguido muito esses ciclos. Agora estamos num ciclo menos positivo, mas inevitavelmente vamos regressar a um ciclo mais positivo e, a longo prazo, vejo com bons olhos e com esperança o futuro da União Europeia.
Do que aprendeste nesta tua ligação estreita às instituições europeias, o que achas importante transmitir aos jovens da nossa geração?
Aprendi que há muitos jovens de muitos sítios da UE com histórias muito inspiradoras. Que estão realmente a tentar deixar a sua marca. Há muito entusiasmo da nossa geração e muita vontade de ter um papel cívico mais forte. Parte muito de cada um de nós querer ter esse papel mais forte e “meter mãos à obra”. Ter um papel cívico mais forte não implica necessariamente pertencer a um partido. Pode passar por integrar projetos da sociedade civil no âmbito da União Europeia, por exemplo. Há muitas maneiras de contribuir para o projeto europeu e para a sociedade, mas parte de cada um de nós pensar como gostaríamos que a sociedade fosse e como podemos, individualmente e coletivamente, contribuir para esse progresso. Somos uma geração muito qualificada, não nos podemos deixar ficar de parte no processo de tomada de decisão, não podemos deixar o nosso futuro nas mãos de terceiros.