Como vê a evolução, nestas quase quatro décadas de existência do FITEI, do comportamento e alargamento dos públicos e mesmo da atual dimensão cultural da cidade?

O desenrolar da vida cultural no Porto após o 25 de Abril tem sido feito de opções, por vezes controversas. Não tem sido fácil o caminho que se tem criado ao teatro. Os grupos, as companhias, associações e os agentes culturais promovidos com o aparecimento do FITEI, cedo começaram a ver que o caminho não iria ser fácil. Ao longo dos anos, o festival sempre lutou por criar, com novas programações, novos públicos.

Um deles, cativado nos últimos 15-20 anos, foi, precisamente, a juventude. Não era esse o público inicial do FITEI. Este festival, de resto, não cria peças de teatro – seleciona companhias das que se candidatam a apresentar o seu trabalho neste palco internacional que todos os anos se monta no Porto. E em trinta e nove edições não encontramos dois «fiteis» iguais.

Acha que deveríamos ver a arte como algo com utilidade para a sociedade? Isto é, se seria mais fácil para um governo conceder um subsídio se a sociedade interpretasse a arte como algo útil?

A arte é útil e imprescindível às sociedades, seja qual for o seu grau de desenvolvimento. Nós não estamos sozinhos, há sempre avaliadores à volta das coisas que se criam. O FITEI é um promotor cultural sem fins lucrativos, e até nos negócios, como é o caso do espetáculo-futebol, há inúmeros avaliadores à sua volta. É dessa carga crítica que nasce o maior ou menor investimento nos projetos. Ao longo de quatro décadas a avaliação é extremamente positiva.

A nível local é um dos ícones da cidade. Internacionalmente é uma marca de forte impacto no mundo de Expressão Ibérica, pelo que não faz sentido desapoiar o FITEI como aconteceu em 2013. Ou os responsáveis públicos sabem ou não sabem o que é o FITEI. E hoje em dia é muito difícil escapar à opinião pública, cuja imagem criada em torno do FITEI confirma o seu valor e importância na sociedade. Anos a fio, o atual presidente da República sempre comentou o FITEI de útil.

Sendo o FITEI esta amostra do que é que se faz de teatro hoje em dia, reunindo companhias de vários sítios do mundo, algumas mais políticas, outras mais abstratas, em que ponto está o Teatro Internacional? Por onde está a ir, quais são as grandes preocupações hoje em dia?

A seleção das companhias e grupos nunca se pautou por critérios políticos. Não faria sentido. Todos os anos recebemos na primeira fila dos dias de abertura do festival, representantes de todos os partidos representados na Assembleia. A diversidade e o pluralismo dos projetos teatrais que o FITEI traz a Portugal constituem duas das suas principais valias. A atual Direção do FITEI é responsável pelos festivais de 2015 e 2016, que se revestem de elevada qualidade artística, basta consultar os programas.

Para a sua construção valeu a avaliação e os critérios do novo diretor artístico do FITEI, o encenador Gonçalo Amorim, e a equipa de Produção dirigida por Inês Maia. São dois nomes de topo do Teatro em Portugal. Recebemos representantes de festivais em França e em várias comunidades em Espanha que vêm ao Porto convidar companhias «nossas» para se deslocarem aos seus países após o festival. Apresentamos tanta ou mais qualidade que eles.

Existe oferta especialmente aqui no Porto e o FITEI é exemplo disso, existe uma oferta de teatro, existe uma comunidade estudantil grande que está disposta a frequentar e a usufruir dessa oferta, quais são os indicadores que uma pessoa pode ter para conseguir perceber qual é o teatro do Futuro em Portugal, por onde é que o teatro caminha, e mesmo depois daquilo que disse em relação às restrições orçamentais, que depende de cada governo, as dificuldades pelas quais o FITEI já passou e sendo o FITEI um festival de enorme dimensão, o que será das pequeninas companhias de teatro, qual é o panorama atual do teatro português, quais vão ser os próximos dias do teatro português?

Eu não tenho a bola de cristal, nem acredito nela. Os desígnios da atividade cultural são diferentes, atualmente, dos desígnios do desporto-espetáculo, por exemplo. Mas o enquadramento podia ser o mesmo para a cultura, houvesse dinheiro a funcionar – como o há para o, outra vez o exemplo, futebol. Há grupos e companhias de teatro de grande valor, autores, encenadores, coreógrafos, atores, uma fatia substancial da expressão cultural do país que partilha, com todas as outras importantes áreas da Cultura, umas migalhas quase indetetáveis no Orçamento de Estado. Eu não estou convencido que futebol e o fado, por exemplo, sejam desígnios nacionais, mas tenho a certeza que a Cultura é um direito dos povos e um dever dos seus governantes em a promover e apoiar. Que valeu mais construir: os novos estádios ou a Casa da Música?

O FITEI já trouxe a Portugal companhias de quarenta países (América Latina, PALOPS e vários da Europa), que fizeram 1.500 representações, reunindo quase um milhão de espectadores. São números, é verdade. É matéria-base da economia. E a Economia – no modelo seguido – tem feito muito mal à Cultura. Se, nos próximos anos continuar assim, então será mais fácil prever que a oferta cultural, sobretudo para os jovens, diminua, o teatro intensifique a procura de caminhos para a sobrevivência, o panorama do teatro em Portugal sejam palcos vazios, e o FITEI feche as portas. Tenho esperança que isso não aconteça. Espero um golpe de teatro