Sr. João Soares, como é que se tornou alfarrabista, qual foi o seu percurso até aqui?

O percurso começa em outubro de 1955. Foi quando entrei para o liceu e comprei o primeiro livro. Qualquer coisa como Júlio Verne, Viagem ao Centro da Terra. E a partir daí comecei a comprar, a comprar, a comprar… só não comprei quando estive na tropa. Depois quando vim, continuei a comprar. Entretanto, quando vim de tropa, fui para bancário. Quando vim para o Porto, almoçava em trinta, quarenta minutos e o resto era para ler livros e ver alfarrabistas… e a coisa foi andando.

Também fui progredindo no banco, por isso, para não dar em maluquinho, andei por aí, comprei livros, e tomei mais conhecimentos… por exemplo, tomei conhecimento da forma como se desfez a livraria Figueirinhas, e comprei logo uma grande parte do espólio. Comprei mesmo muita coisa.

Tinha havido o 25 de abril, as coisas estavam diferentes ao nível das leituras, outras possibilidades… porque antes o que se lia eram textos truncados, ou então textos do Vladimir Ullianov. Se aparecesse Lenine, o censor, que devia ser um tipo com uma cultura vastíssima, dizia ‘Lenine? Corta que é comunista!’, mas o Ullianov parecia um tipo porreiro, provavelmente até um anticomunista (risos). Arranjei muito livro a muita gente.

E qual é a sua perceção da evolução dos hábitos de leitura das pessoas?

Está a piorar, está a piorar muito. No aspecto do negócio, vender livros é ‘lá venha um’. Ou vêm com coisas muito específicas ou é o ‘lá venha um’, porque ou têm muita coisa que ler em casa, ou têm muitas outras solicitações.

Leitura, normalmente, é leitura ligeira, coisa que não dê para pensar, que não dê para meditar, nada de ensaios, nada de crónicas. Biografias, autobiografias, coisinhas assim, coscuvilhice e literatura policial, mas de resto o livro está a baixar. Nota-se algumas crianças que são boas leitoras, e essas topam-se logo à entrada. Entrando duas crianças, uma que lê e outra que não lê, há uma diferença abismal.

A criança que lê pega logo num livro, senta-se ali ao canto a ler, ‘eh pah, não me chateiem’, a outra, ‘vamos embora, cheira mal aqui dentro, que confusão!’ Que tipo de retorno lhe parece que os apoios públicos à cultura trazem aos cidadãos? Olhe, em primeiro lugar eu acho que nós estamos num país de fogueteiros, grande parte do que se passa aqui é foguetada, espremido não tem sumo, não tem benefício, não tem préstimo nenhum.

Uns lançam os foguetes de uma maneira e outros lançam os foguetes de outra maneira, mas é pura foguetada, em todas as iniciativas, e nas culturais também; tem muita coisa boa, muito boa até, mas tem coisas horríveis, que é mesmo para ocupar espaço. A única cultura sólida é o futebol (risos).

O senhor passou toda a vida a ler livros, a acumular livros, quais foram as grandes figuras que o marcaram?

Uma das grandes figuras é o Camões, logo à partida. Gil Vicente, embora digam muito mal dele. Bocage, o maior poeta português do século XVIII, não esse senhor dessas anedotas, dessas historinhas, Bocage é mesmo um tipo decente. Depois Eça, Ferreira de Castro, Aquilino. Obrigam agora à leitura d’Os Maias, do Primo Basílio… o Eça é muito mais, não é só isso. O Eça é A Relíquia, por exemplo. E agora os novos, o Gonçalo M. Tavares, o Pepetela, tem escritores cabo-verdianos… Eu o Manuel da Fonseca, conheci pessoalmente. Ouvi-o e falei com ele aí durante umas duas ou três noites.

Era um sujeito agradabilíssimo, um sujeito que, começando a falar, dava volta ao mundo e tinha sempre uma coisa mais a acrescentar ao que nós já tínhamos visto e sabíamos, era um tipo excepcional, o Manuel da Fonseca. Há quem vá lendo O Fogo e as Cinzas e pouco mais, ninguém lê nada do Manuel da Fonseca: ‘era um alentejano qualquer…’ O Lobo Antunes, a Agustina Bessa- -Luís, o Jorge Amado. Pergunto-me sempre porque é que o Jorge Amado nunca foi proposto para o Prémio Nobel.

O Graciliano Ramos, quem é que lê o Graciliano Ramos? Se perguntar aí a alguém se leu Monteiro de Lobato, perguntam- -lhe ‘Monteiro de Lobato? Que bicho é esse?’ O Monteiro de Lobato é um dos grandes autores da literatura infanto-juvenil, um dos grandes responsáveis pela divulgação da cultura no Brasil.

Na sua opinião, quais são as questões a que a Economia deve procurar dar resposta?

Antes de responder a isso, vou-lhe contar uma história que li num livro do Toffler que suponho que se chama Choque do Futuro. Numa determinada parte, ele está para lá a dizer como é que o mundo é dirigido e foi dirigido e, cronologicamente, ele diz que foi dirigido por físicos, por químicos, por médicos, por antropólogos, por astrólogos, por astronautas e por aí adiante, e neste momento o mundo é dirigido por economistas. Mas já se sabe que a seguir vai ser dirigido pelos psiquiatras! Portanto, isto é para começar a conversa sobre Economia, vai ficar tudo passado. Não sei bem o benefício que os economistas trazem à sociedade, é pôr tudo maluco (risos).