Conduzida por Rute Costa e Tiago Rodrigues
Com o apoio de Clara Campos e Rui Pedro Graça
Também incluída no FEPIANO 44, publicado em Outubro de 2021
São muitas as escolhas de um estudante ao longo da sua licenciatura. Fazer ou não Erasmus, fazer ou não mestrado – se sim, no estrangeiro ou em Portugal –, qual especialização escolher, ou qual carreira vir a exercer. Questionamos o Professor Miguel Portela sobre tudo isto. Licenciado pela FEP, mestre pela Universidade do Minho e doutorado pela Universidade de Amesterdão, é especialista na área da Economia do Trabalho e Economia da Educação. É, há mais de 20 anos, professor na Universidade do Minho e tornou-se, em 2016, diretor do Doutoramento em Economia desta instituição. Hoje, colabora com o Banco de Portugal no projeto BPLIM, cuja missão assenta na disponibilização de bases de dados e recursos de computação à comunidade científica, para além de participar em vários projetos de investigação em várias áreas da economia.
O seu currículo é vasto ao nível de participações em projetos de investigação financiados, nomeadamente sobre a importância do ensino superior no desenvolvimento de competências. Quais são, no seu ponto de vista, as vantagens de um curso superior para um jovem português e quais as competências mais importantes passíveis de serem desenvolvidas?
Uma pergunta complexa! [risos] O ensino superior é fundamental, mas o debate sobre aquilo que ele vos deve ensinar continua ativo. Será que vos deve dar competências específicas para conseguirem desenvolver tarefas em concreto, ou uma formação em banda larga, dando-vos plasticidade para vocês se adaptarem rapidamente a uma tarefa? Há já uma série de estudos que sugerem que não há empregos; esse conceito acabou. O que há é tarefas, e as pessoas têm é de ser capazes de fazer tarefas. Eu dou-vos um exemplo: eu sou economista, não sou programador, mas eu sei programar em Python e em R, porque, se as tarefas o exigem, eu tenho de ter essa plasticidade. E esta mentalidade foi-me dada pela Universidade, sem nunca me terem ensinado Python. Quanto às competências que são necessárias, são fundamentais as competências emocionais – por exemplo, gerir uma equipa, gerar empatia com uma equipa. É obvio que vocês precisam das hard skills – têm de saber inglês, têm de saber matemática, têm de saber isso tudo –, mas a capacidade de interação é fundamental. Aliás, inclusivamente com diferentes culturas: se vocês estiverem a comunicar com uma pessoa de outra nacionalidade, de outra religião, e não perceberem que estão a fazer uma coisa errada em termos de interação, isso quebra logo a comunicação. Tem tudo para dar errado! Por isso, vocês têm de se preocupar com saber Python, saber programar, mas isso não é determinante.
Diz-se que a geração atual é a “geração mais qualificada de sempre” e há cada vez mais jovens a escolherem licenciar-se. Acha que, por isso, a licenciatura tem vindo a perder valor?
A licenciatura continua a proporcionar ganhos face a níveis mais baixos de educação
A questão é que o prémio salarial associado à licenciatura é que é menor. Quando entrei na Universidade, havia ainda muito poucos diplomados em Portugal (eu entrei em 1990, pouco depois do início da massificação do ensino superior), o que significa que havia uma enorme procura por diplomados e uma oferta baixa. Naturalmente, pela lei da oferta e da procura, a empregabilidade e a remuneração eram bastante altas. Ao longo do tempo, a oferta foi aumentando e, por isso, passou-se de, imaginem, um diplomado ganhar mais 100% ou 120% face a alguém com o 12.º ano para agora ganhar, por exemplo, 60% mais. Por isso, ganha ainda bastante mais, a taxa de desemprego entre licenciados também é muito menor do que entre aqueles que têm só o 12.º ano, … – o benefício ainda é substancial, só que não é aquilo que era há vinte anos. Reparem também que, quando eu falo em 100%, eu estou a falar da média da distribuição. Ora, a distribuição tem caudas enormes e o que tem acontecido é que estas caudas, quer sejam salários muito elevados ou muito baixos, têm vindo a ganhar maior expressão. Ou seja, hoje em dia, de facto, vocês encontram diplomados bastante qualificados que têm remunerações mesmo muito elevadas, mas também diplomados que ficam pela rama, que acabam por ter salários muito próximos dos de quem tem só ensino secundário, por exemplo.
A licenciatura continua a proporcionar ganhos face a níveis mais baixos de educação
Na altura em que eu me licenciei, mesmo diplomados menos qualificados tinham um prémio salarial grande; hoje em dia, é mais complexo. Quando eu me diplomei, os licenciados acediam a profissões bem pagas, complexas, e o que tem acontecido é que os licenciados estão a ser empurrados para tarefas menos complexas e menos bem remuneradas, e as tarefas mais complexas têm vindo a ser entregues aos mestres e aos doutorados, que também cada vez há mais. Há este displacement e, como grande parte da remuneração tem a ver com o acesso a boas profissões, muitos licenciados acabam por se ver nesta situação. Portanto, os licenciados, estão, de facto, a perder terreno face aos mestres e doutorados.
Ao mesmo tempo que o número de licenciados aumenta, começa a haver escassez de mão-de-obra de qualificação intermédia. Acha que tem de haver uma maior aposta nos cursos profissionais (seja ensino secundário, CTeSP ou cursos dados por entidades não certificadas), como fez a Alemanha nas últimas décadas?
A formação profissional é fundamental e nós, de facto, ao nível do ensino superior, estamos a aproximar-nos muito rapidamente daquilo que é o padrão da OCDE. No entanto, a nível intermédio, ainda temos sérias lacunas. Não adianta a uma empresa ter cem engenheiros, se não tem os trabalhadores que vão executar as coisas. Para além disso, se eu for engenheiro, eu não consigo interagir com ninguém que não fale inglês se aquilo que eu vou explicar é como operar um robô que está todo programado em inglês. Por muito boa-vontade que tenha, não consigo explicar. De facto, as qualificações intermédias são fundamentais para fazer esta ligação entre equipa de gestão e força de trabalho. Por isso, sim, Portugal precisa de melhorar bastante ao nível do ensino secundário. Felizmente, tem havido uma evolução muito positiva – sobretudo desde que se alterou a escolaridade mínima obrigatória para o 12.º ano –, mas continuamos a ter problemas ao nível da formação profissional. Quanto aos CTeSPs, recordo-me que, recentemente, o MIT introduziu o conceito dos micro-mestrados: programas de 5 a 6 meses, ou até menos, orientados para um objetivo muito específico. Há uma enorme procura desta formação profissional e, às vezes, há a tentação de transformar as Universidades em espécies de centros de formação profissional. Ora, eu não acho que se deva substituir a tal questão de a Universidade ser uma coisa de banda larga, de vos dar a matéria-prima para vocês saberem aprender, por esta formação muito específica. Porque, se me ensinarem Python e não me ensinarem a pensar, o Python, daqui a uns dias, desaparece – como desapareceu todo um conjunto de outras linguagens – e eu fico obsoleto.
A partir de 2006, verificaram-se mudanças significativas no Ensino superior português no âmbito do Plano de Bolonha. O Professor participou num paper entitulado “Perceptions of the Bologna process: what do students’ choices reveal?”, cuja conclusão em termos gerais foi que o processo de Bolonha teve um impacto positivo. Que mudanças foram essas e de que forma é que se revelaram positivas, na perspetiva de um estudante pré-Bolonha como o professor?
Bolonha foi excelente, porque permitiu uma coisa que todos podem fazer hoje – e que, aliás, eu recomendo a todos os meus alunos – que é, por exemplo, licenciarem-se em Economia e fazerem mestrado em Gestão e Engenharia Industrial. Isso implicava um maior custo, financeiro e de tempo, na minha geração, pois teria de terminar um curso de cinco anos e só depois ingressar no mestrado. Por outro lado, o custo que eu pagaria por interromper um curso de Economia e mudar para uma outra formação seria igualmente enorme. Por isso, Bolonha tem esse grande benefício. Encurtou o tempo entre as formações e a reformulação dos cursos proporcionou uma maior flexibilidade na transição entre áreas de conhecimento. Agora, os mais jovens têm de saber aproveitar isso e, se é certo que têm três anos, também é certo que devem estar sempre a pensar no futuro – “a seguir, vou para uma empresa, vou para o estrangeiro, vou tirar uma formação, …”. Atenção, não vos estou a mandar para o estrangeiro, mas é importante terem mundo – vocês têm de ir para fora, ver como funciona e decididamente que ganham uma visão diferente. Portugal beneficiará muito com esta vossa experiência quando regressarem. Nesse sentido, cortarem dois anos é um grande benefício.
Em 2019, para o ano letivo de 2020/2021, o Orçamento do Estado previu a descida do valor das propinas de 871€ para 697€ anuais. Apesar de ser uma alteração consensual na esquerda, é bastante negativa aos olhos de alguns autores liberais. Vê a descida das propinas como algo positivo?
Estava a lembrar-me que, quando entrei na Universidade, pagava 1200 escudos [6 € pela conversão oficial, cerca do dobro se ajustado pela inflação] de propinas por ano, e foi a meio do meu tempo de estudante que as propinas passaram para mais de 50 contos [250 € pela conversão oficial, cerca do dobro se ajustado pela inflação] – o que deu origem a manifestações brutais a nível nacional.
Os licenciados, estão a perder terreno face aos mestres e doutorados
Eu prefiro o apoio aos alunos com necessidades financeiras, mantendo as propinas a um nível razoável, à política de redução das propinas. Para mim, ou vão para zero (e não vejo problema nenhum com isso), ou se mantêm a um nível razoável e se apoia os alunos com mais dificuldades. Qual é o objetivo de não pagarem propinas? Se vocês beneficiam com isso, o país tem de beneficiar com isso. É por isso que, nos Estados Unidos, as propinas nas universidades Ivy League são de 100 a 150 mil dólares, porque o que a investigação mostra é que o benefício de estudar é muito maior para o indivíduo do que para o país! Os Estados Unidos já chegaram a um patamar de nível de escolaridade em que, de facto, uma grande parte do benefício vai para o indivíduo. Atenção que, naquilo a que eles chamam as universidades locais – as Community Colleges –, as propinas são muito mais baixas. E, no fundo, é isso que vocês veem: lá, os indivíduos pagam em função do benefício que têm. A investigação mostra é que o benefício de estudar é muito maior para o indivíduo do que para o país! O que eu também acho que tem de ser debatido é que a universidade tem de ser corresponsável pela propina – ou seja, o aluno só começar a pagar quando começar a beneficiar disso. Porque um dos problemas que ocorre nos EUA, e que aqui também tende a ocorrer, é que a faculdade está desligada do benefício que o aluno tem. E se o aluno pagar, digamos, 60 mil dólares de empréstimo, mas depois não tiver emprego, saberás Universidade não são impactadas no seu orçamento. Uma possibilidade para amenizar este problema seria uma parte do pagamento ser diferido para o momento em que o aluno entra no mercado de trabalho, porque isso corresponsabiliza a faculdade naquilo que estão a oferecer – na qualidade que estão a oferecer, nos cursos que estão a oferecer, etc. Ou seja, esta questão das propinas não pode ser desligada desta corresponsabilização do que é o objetivo para o país. Por isso, a questão das propinas é mais complexa, o que nos obriga a pensar nestas nuances todas. Corresponsabilização, benefício para o país, liberdade individual, … Por isso, eu não tenho uma solução milagrosa para isto, mas, se tiver de propor uma, eu defenderia propinas baixas aliadas a esta responsabilização das universidades.
Se tivesse de escolher um desses dois sistemas, ou seja, sistema de propinas gratuitas ou sistema com corresponsabilização, qual escolheria?
Não gosto muito de respostas a preto e branco, embora não tenha problemas em dá-las. Quando falei de responsabilização, é obrigatoriamente das famílias, do Estado e das universidades. O Estado também decide se dá ou não dinheiro às universidades para abrirem determinados cursos. Claro que isto é um problema bastante complexo: imaginem que uma universidade conclui que tem um curso numa determinada área em que já não há empregabilidade. Tem de se andar para trás. A universidade não está aqui para vos formar para profissões – é para isso que existe a formação profissional. Mais uma vez, a universidade não deve estar desenhada para formar, por exemplo, um Engenheiro Mecânico só para aquilo – tem de ser sempre mais abrangente. Por isso, as universidades nunca podem ter como único alvo vocês terem um bom salário e um bom emprego – se esse fosse o caso, acabaríamos numa situação absurda que seria, por exemplo, ninguém querer aprender grego e, por causa disso, acabarem-se com os cursos de Grego; não é isso que se está a defender. Agora a questão é que, se calhar, não serão necessários tantos cursos de Grego como existem.
É importante terem mundo
Um dos problemas das propinas zero que é avançado por quem é contra esta medida é a possível perda de valorização por parte dos alunos, uma vez que tudo é financiado pelo Estado. Existem outros problemas?
Sim, sem dúvida. As propinas zero beneficiam mais os alunos mais ricos do que os alunos mais pobres. Os alunos mais ricos são os alunos que têm maior apoio em casa. Estou a levar o argumento ao exagero, mas reparemos nisto: quando começaram a facilitar o acesso ao Ensino Superior, a maior parte dos estudantes que entraram, com propinas de 6 €, foram os alunos que já vinham de famílias relativamente estáveis, que os acompanharam, … Por isso, os alunos de facto desfavorecidos – que, no limite, eram quem deveria estar a usufruir das propinas a este preço – não entraram, não beneficiaram desta medida. Por isso, as propinas zero têm este problema: parecem ser uma medida de redução das desigualdades, mas pode ter um efeito contrário. Portanto, uma medida mais justa seria, por exemplo, a propina poder até ser de três ou quatro mil euros, no limite, mas gratuita especificamente para alunos que têm dificuldades ou menos possibilidades. Conhecem o conceito do helicopter money? Foi aquilo que os americanos fizeram no ano passado, em que, de repente, toda a gente recebeu um cheque de 1200 dólares, para darem um boost à economia. Se usarem uma lógica de classificação das áreas políticas entre direita e esquerda, se forem pela direita, é preferível o argumento do trickle down: dar o dinheiro aos ricos, às empresas, porque depois há de cair cá para baixo; já a esquerda tende a estar mais favorável à solução do helicopter money. Notem que eles estabeleceram um teto – este dinheiro só podia ser dado a quem tinha menos de 75 000 dólares de rendimento anual. Com as propinas, acabará por ser uma coisa deste género: se for zero, é um helicopter money, porque dão zero a toda a gente.
Eu prefiro o apoio aos alunos com necessidades financeiras à política de redução das propinas
Nos últimos anos, temos assistido a escândalos envolvendo escolas onde os professores sobem deliberadamente as notas aos alunos. Além disso, tem havido bastantes críticas à forma como são conduzidos os exames nacionais. Acha que o sistema de acesso ao ensino superior, em Portugal, é justo e eficiente?
Nesta pergunta, estão presentes várias coisas. Há inflação de notas? Há. É fácil identificar isso? De todo! Eu interagi com o Ministério da Educação, a dada altura, sobre isto. Em abstrato, se há inflação de notas, as escolas têm de ser punidas. A questão é que eu fiz um exercício com eles, aplicando um algoritmo que eles estavam a desenhar, em que verificamos que entre as escolas que mais inflacionavam as notas estavam escolas das zonas desfavorecidas. E porquê? Por uma razão simples – uma questão puramente matemática. Atenção que isto não é um estudo, isto é uma questão de simulação. Se vocês sabem que um aluno não vai fazer mais do que o 12.º ano e é um aluno de 6, os professores fecham os olhos e dão-lhe o 10. De repente, se o aluno for ao exame nacional e é um aluno de 6, ele tira 6 no exame, mas a escola deu-lhe 10 – ou seja, acabou de lhe inflacionar a nota por 4. Mas isto é totalmente diferente da inflação de notas de que estamos a falar. Quando se pensa em inflação de nota, referimo-nos à parte prejudicial no acesso ao ensino superior: uns passam à frente dos outros. O primeiro caso, socialmente, se calhar é aceitável. Por isso, captar o que é uma inflação de nota é extremamente problemático, mas, de facto, deve existir penalização.
Agora, vocês perguntaram-me se o sistema é justo. Qual é a definição de justiça? Se vocês entenderem que o sistema deve ser um elevador social, no limite, deveríamos criar quotas para os alunos desfavorecidos. O que está provado é que o ambiente socioeconómico das famílias condiciona fortemente a performance do aluno no secundário e no acesso ao superior. Se vocês tiverem pais diplomados, isso faz disparar a probabilidade de vocês irem para o ensino superior. Resultado: se entenderem que justo é compensar esse problema, então o sistema é altamente injusto, na medida em que os alunos desfavorecidos chegam aos exames e continuam a ter pouca performance (não tinham dinheiro para pagar explicações enquanto outros conseguem pagar, etc.) e aqueles que já estavam à frente chegam à frente. Ou seja, o sistema assente na meritocracia (que é um sistema com o qual eu concordo) tem este problema: no sentido de ser um elevador social, pode não ser justo.
As universidades nunca podem ter como único alvo vocês terem um bom salário e um bom emprego
Se eu acho que os alunos têm que fazer exames? Sim, claro! Têm de fazer exames e os exames nacionais são uma forma de nivelar as tais injustiças internas. Estas vão sempre existir e não existem só entre escolas públicas e privadas: existem também dentro das escolas públicas, notavelmente nesta dimensão que eu vos disse das notas mais baixas. No limite, até nem faria sentido falar no acesso, porque o acesso deveria ser livre para toda a gente. Na Holanda, por exemplo, vocês podem literalmente ir estudar para onde querem com o apoio do Estado, com exceção de cursos como Medicina e afins – nesses casos, há realmente vagas. Aliás, voltando à questão das propinas, uma coisa curiosa que os alunos têm [na Holanda] é um subsídio para ir estudar. Se reprovarem, isso transforma-se num empréstimo que têm que pagar. É um sistema de responsabilização, outra forma diferente de ver a questão das propinas – tem a ver com policy design.
No entanto, antes da questão dos exames, existe a questão das vagas que estão disponíveis no sistema, e em que áreas. Deveria haver limite de vagas? Neste sentido, eu sou de “direita”: as pessoas têm que pagar alguma coisa por aquilo que estão a pedir; caso contrário, pedem tudo. Vamos imaginar que vendem bilhetes para ir ao cinema ou a um restaurante. Se reservar não tiver custos, o que vai acontecer? Toda a gente reserva e, na hora, ninguém aparece. Isto é um sistema que não funciona. Assim, tem de haver um planeamento central que ajude a definir as vagas, porque, se há cursos em que já há um excesso no sistema e na economia, tem de haver algum tipo de controlo, e acho que o Estado deve intervir. Porquê? Porque, do ponto de vista meramente económico, as famílias estão em pé de desigualdade com o Estado em termos de acesso à informação, por muita informação que já exista. Por exemplo, hoje, os alunos poderem aceder ao InfoCursos e ver, nomeadamente, a incidência do desemprego (uma evolução enorme, pela qual nos debatemos; eu não tinha nada disso); mesmo assim, o Estado tem sempre mais informação do que as famílias. Portanto, faz todo o sentido que o Estado tenha um planeamento central e que interfira com as vagas.
Por isso, para concluir, tem que haver exames, mas pode existir, sim, uma flexibilização das vagas.
O professor já publicou mais de vinte artigos científicos ao longo dos últimos anos e é coautor de vários livros, versando essencialmente sobre economia portuguesa, economia do trabalho e economia do ensino. Considera uma carreira em investigação compensadora?
Considero, mas tem muito a ver comigo. Eu gosto de fazer investigação – para mim, é puro prazer. Por isso, não é pelo salário, é uma coisa que sempre me esteve no sangue. Eu agora estou mais regrado, pois tenho quase 50 anos e tenho dois filhos, mas eu costumava dizer aos meus alunos que, de facto, trabalhava 65 a 70 horas por semana. Eu conheço todos os seguranças da Universidade do Minho e eles conhecem-me a mim. E, de facto, eu entro e saio da universidade a qualquer hora, por isso a universidade acaba por ser uma segunda casa para mim. Isto para dizer que eu faço a investigação porque gosto e as pessoas só devem fazer investigação nesse sentido.
As propinas zero parecem ser uma medida de redução das desigualdades, mas pode ter um efeito contrário
A investigação, para mim, é um estado contínuo. Por exemplo, eu já não vinha para aqui [bar no centro do Porto] há um ano e tal, mas eu adoro ouvir música. Eu venho para aqui sozinho, sento-me, estou a ouvir música, estou a beber uma cerveja e estou a investigar, porque estou a pensar. Por isso, a investigação é um estado de espírito: eu estou em contínua investigação. Agora, se só contarem o tempo em que estão num laboratório, por exemplo, podem perfeitamente fazer um horário das nove às cinco. Eu tenho bolseiros e evito mandar-lhes e-mails ao fim de semana, a menos que seja claro da parte deles que há flexibilidade. Por isso, pelo menos da minha parte, enquanto empregador, podem fazer as 35 horas por semana, porque nesse sentido não há nenhum problema. Agora, a nível salarial, em Portugal, não é compensador. Seguramente não. Os investigadores – especialmente os mais jovens, mas também os mais seniores – são muito mal pagos. Eu considero que sou mal pago! E quando eu digo que sou mal pago, eu posso avaliar isso de muitas formas. Posso avaliar isso pela minha geração de doutoramento: onde está e o que é que ganha; posso fazer esse paralelo. E, mesmo filtrando para o custo de vida de onde eles estão e de onde eu estou, mesmo assim, eles ganham muito mais do que eu. Posso filtrar também por ofertas de trabalho que me foram feitas, em que eu percebo que rapidamente poderia estar a ganhar mais. Portanto, do ponto de vista salarial, em Portugal, não é compensador ser investigador. Então se tu dividires por hora, seguramente não.
O Professor é doutorado em Economia pela Universidade de Amsterdão. Hoje, uma série de estudantes encara a oportunidade de obter um curso no estrangeiro ou de participar em programas como o Erasmus como um upgrade do seu currículo e das suas competências. Pensa que o mercado de trabalho português valoriza as experiências internacionais de um estudante ou que estas abrem mais portas num mercado de trabalho estrangeiro?
Eu acho que, em Portugal, valorizam. Quanto mais não seja, quando vocês vão a um processo de recrutamento. Do outro lado, imaginem que alguém recebe 800 currículos para uma vaga que abriu, numa grande parte dos casos dedicam 7 a 8 segundos [a cada currículo].
A investigação, para mim, é um estado contínuo
Este é o tempo que um departamento de recursos humanos dedica a cada CV, mesmo que não tenha 800. Vocês têm que ter um currículo que capte a atenção. Vocês têm 7 a 8 segundos para captar a atenção e uma coisa que seguramente o faz é um estágio no estrangeiro. Por isso, a resposta é sim, sobretudo para as empresas de entidades internacionais. Naturalmente, se vocês chegarem a uma entidade americana empregadora e disserem que estiveram a trabalhar na Alemanha durante algum tempo, é obvio que eles valorizam isso. Até porque se nota, porque as pessoas que estão a fazer recrutamento são altamente experientes; olham para vocês e percebem a desenvoltura com que vocês falam, com que se mexem, a forma como controlam o sotaque, a forma como cometem ou não erros gramaticais. Vocês trazem isso impregnado do estrangeiro, ou seja, só “por irem ao estrangeiro” vocês já vêm diferentes.